O VINHO DA SANTA CEIA
“ O VINHO DA SANTA CEIA ” – Alguns leitores perguntaram-me como teria sido o vinho bebido por Jesus na “Última Ceia”. Dei uma pequena pausa na série de artigos que vinha escrevendo e fiz algumas pesquisas. Jesus sabia muito mais de vinho do que podemos supor. Talvez porque o vinho naquela época estivesse intimamente ligado à alimentação e fosse corrente que todos o apreciassem. Há dois momentos nas Escrituras que me fazem supor isto: nas Bodas de Canaã, Jesus primeiro transforma água em vinho. Segundo, por que Seu vinho foi servido em último lugar, chamando a atenção dos presentes para o fato do “melhor vinho ser servido por último”. Dois ensinamentos preciosos, pois dá ao vinho um lugar diferenciado na mesa, e ensina a perfeita harmonia no serviço do vinho, que recomenda que os melhores, mais velhos e complexos sejam servidos por último.
Até o século II a.C. os recipientes de vinho encontrados ao longo dos itinerários comerciais na Europa são na sua maioria, gregos ou campanianos. Só cerca de 150 da nossa Era, é que a viticultura romana emerge da sua obscuridade, sem contudo, empalidecer a fama dos vinhos gregos. Estrabão afirma que os Romanos tinham seu melhor vinho na Campânia – o Falerno, criado nas encostas do monte Massicus, que constitui o mais notável vinho latino.
Plínio considerava mais famosos os vinhos de Sorrento, acreditando que o Falerno melhorava quando a ele se adicionava um pouco de vinho de Quios, mel e água. Tibério afirma que um vinho de Sorrento com mais de 25 anos era “um nobre vinagre”, o que faz parecer normal que se bebessem vinhos com 10 e 20 anos!. Nas mesas dos abastados aparecia vinho com mais de um século.
Qual sabor teriam? Ainda que Roma produzisse vinho, as mesas dos ricos eram alimentadas com vinhos gregos: Pramio, Ismaros (tinto doce) e os das ilhas de Quios, Nassos, Tasos, Lésbios, Rodes e Chipre. Plínio escreveu 37 volumes de sua obra Naturalia Historia (cujos livros de 12 a 19 tratam da botânica) tendo consultado cerca de 2000 volumes de autores gregos e latinos. Também famoso é o tratado De Re Rústica, de Columela, escrito na primeira metade do século I.
É surpreendente que os escritores latinos confirmaram a ciência que já era conhecida há séculos, com termos como “apertus Bacchus amat colles” de Virgílio ou “campestra largius vinum, sed jucundis afferunt collina”, o que significa que as planícies produzem mais vinhos, mas o melhor é o das colinas!. Columela já referenciava o cuidado com a produtividade dos vinhedos e preparação dos terrenos, eliminando resíduos de outras lavouras e preocupação com a drenagem, e os excessos de umidade.
Quanto à densidade de plantio, Columela aconselhava em terrenos férteis 2336 pés/hectare e nos pobres 4629 pés/ha. Segundo Columela, o espaçamento entre plantas era de 7 pés(2,07m) nos solos ricos, enquanto Plínio indicava que o compasso seria de 4 pés(1,18m) nos solos ricos e de 5(1,47 m) nos solos pobres. Os inconvenientes da multiplicação das plantas por semente já eram conhecidos, sendo assinados por Teofrasto e Virgílio. Plínio recomendava a enxertia para melhorar a qualidade das plantas (por estacas ou mergulhia). Catão aconselhava a permanência da planta jovem no viveiro durante 3 anos, e sua transplantação no Outono ou na Primavera, com tempo úmido e calmo.
Saber podar a vinha era para os Romanos, a característica mais apreciada num vinicultor, como técnica capaz de imprimir dignidade aos vinhos. As formas de condução variavam entre livre ou a tutorada, com latadas baixas, formando um caramanchão. As castas não guardam semelhança às atuais, a de maior prestígio era a aminea, da qual era feito o Falerno. A casta apiana (de apes, abelha) era provavelmente uma moscatel. A colheita era feita em agosto, setembro e outubro conforme as localidades, havendo uma seleção dos cachos. Com as piores uvas eram feitos vinhos para escravos e trabalhadores.
A pisa era feita na própria vinha, numa laje plana, com uma inclinação que levasse o mosto por gravidade para uma fossa, donde era recolhido para recipientes. A prensagem já era difundida, sendo uma operação bastante demorada e cuidadosa. O vinho de primeira pressão, dito “de lágrima” era adicionado de mel e consistia num belo aperitivo. A fermentação se fazia em recipientes (dolia) enterrados ¾ no solo, e por vezes descobertos. Já se sabia o quanto o calor era inconveniente, quer para a fermentação, quer para a conservação do vinho. Era comum usar-se fumo de cozinha como elemento de conservação e envelhecimento do vinho.
Os Romanos, como os Egípcios, costumavam concentrar o mosto mediante a cozedura a fogo direto, para depois usarem como corretivo, aumentando o teor sacarino de mostos fracos, para favorecer a conservação de vinhos frágeis e mesmo mascarar sabores desagradáveis. O vinho comum - vinum de cupa- permanecia nos recipientes de fermentação até seu consumo. Era no geral ordinário e, por isso, designado algumas vezes de vinum de crucis, pois bebê-lo equivalia quase que a uma crucificação... Os vinhos a envelhecer eram trasfegados na Primavera, quando estava frio e o vinho já havia se “limpado”, sendo a ânfora o recipiente clássico para envelhecimento do vinho de luxo.
Os vinhos eram geralmente turvos, necessitando filtrá-los antes de serem servidos. À mesa, os Romanos usavam um coador e refrescavam o vinho com gelo e neve que os escravos traziam das montanhas. Na filtração era usado o leite de cabra, a clara do ovo e argila. A baga da murta servia para intensificar a cor do vinho.
Apesar dos elogios de cronistas da época, ficam fortes dúvidas em relação a aceitação dos vinhos pelo gosto atual dos consumidores. Sabe-se que os vinhos eram diluídos em água, o que não parece ser a melhor maneira de realçar suas qualidades. A diluição era feita na razão de ½, ou ¼ ao mesmo a 1/7. Eram vinhos muito fortes, caso contrário não suportariam tais diluições, densos e excessivamente alcoólicos. O escritor inglês Warner Allen considera o vinho do Porto o único vinho à altura da Antiguidade, fosse o Saprias (apreciado pelos Gregos), fosse o Falerno, que Galeno recomendava para o imperador Marco Aurélio!
destruir com tanta força
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