terça-feira, 3 de junho de 2014

ANGICO NOVAMENTE SE PREPARA PARA A SECA

EM ANGICO UM FATOR TRISTE E MEDONHO EU TENHO PAVOR DO CALOR E DA QUENTURA DO SOL AI MEU DEUS TA ACABANDO O PERÍODO DE CHUVAS SÓ DEUS PARAR NOS SOCORRE.             Em meu angico querido a tristeza toma conta  passando o são joão a chega a pior fase do ano e a dor começa a dar de dore ao fundo e a lagrima acair em grande escala nem chega a cair no chão por que seca na descida      a cigarra vai piar e a  maioria os animais e seres humanos sofre com tanta coisa ruim eita calor que mim maltrata  e algo que mim da medo a mata ja ta amadurecendo o juá caindo os pês   o marmeleiro ta no fim   ta tudo em sinais e tempo de dor tempo de sofrimento falta de água   e muita poeira na mata a lagrima as arvores que sofrem com o sol castigante em cada casa uma pessoa a chorara pelo calor que nos mata a cada dia como sair dessa mim digam ai  só deus na causa quando da de meio dia a cigarra canta te rebentar de tanto esforço e os animaiscorrem para assombras sufocados com tanto sofrimento  em se

Meu Deus, meu Deus
Setembro passou
Outubro e Novembro
Já tamo em Dezembro
Meu Deus, que é de nós,
Meu Deus, meu Deus
Assim fala o pobre
Do seco Nordeste
Com medo da peste
Da fome feroz
Ai, ai, ai, ai
A treze do mês
Ele fez experiênça
Perdeu sua crença
Nas pedras de sal,
Meu Deus, meu Deus
Mas noutra esperança
Com gosto se agarra
Pensando na barra
Do alegre Natal
Ai, ai, ai, ai
Rompeu-se o Natal
Porém barra não veio
O sol bem vermeio
Nasceu muito além
Meu Deus, meu Deus
Na copa da mata
Buzina a cigarra
Ninguém vê a barra
Pois barra não tem
Ai, ai, ai, ai
Sem chuva na terra
Descamba Janeiro,
Depois fevereiro
E o mesmo verão
Meu Deus, meu Deus
Entonce o nortista
Pensando consigo
Diz: "isso é castigo
não chove mais não"
Ai, ai, ai, ai
Apela pra Março
Que é o mês preferido
Do santo querido
Sinhô São José
Meu Deus, meu Deus
Mas nada de chuva
Tá tudo sem jeito
Lhe foge do peito
O resto da fé
Ai, ai, ai, ai
Agora pensando
Ele segue outra tria
Chamando a famia
Começa a dizer
Meu Deus, meu Deus
Eu vendo meu burro
Meu jegue e o cavalo
Nóis vamo a São Paulo
Viver ou morrer
Ai, ai, ai, ai
Nóis vamo a São Paulo
Que a coisa tá feia
Por terras alheia
Nós vamos vagar
Meu Deus, meu Deus
Se o nosso destino
Não for tão mesquinho
Ai pro mesmo cantinho
Nós torna a voltar
Ai, ai, ai, ai
E vende seu burro
Jumento e o cavalo
Inté mesmo o galo
Venderam também
Meu Deus, meu Deus
Pois logo aparece
Feliz fazendeiro
Por pouco dinheiro
Lhe compra o que tem
Ai, ai, ai, ai
Em um caminhão
Ele joga a famia
Chegou o triste dia
Já vai viajar
Meu Deus, meu Deus
A seca terrívi
Que tudo devora
Ai,lhe bota pra fora
Da terra natal
Ai, ai, ai, ai
O carro já corre
No topo da serra
Oiando pra terra
Seu berço, seu lar
Meu Deus, meu Deus
Aquele nortista
Partido de pena
De longe acena
Adeus meu lugar
Ai, ai, ai, ai
No dia seguinte
Já tudo enfadado
E o carro embalado
Veloz a correr
Meu Deus, meu Deus
Tão triste, coitado
Falando saudoso
Com seu filho choroso
Iscrama a dizer
Ai, ai, ai, ai
De pena e saudade
Papai sei que morro
Meu pobre cachorro
Quem dá de comer?
Meu Deus, meu Deus
Já outro pergunta
Mãezinha, e meu gato?
Com fome, sem trato
Mimi vai morrer
Ai, ai, ai, ai
E a linda pequena
Tremendo de medo
"Mamãe, meus brinquedo
Meu pé de fulô?"
Meu Deus, meu Deus
Meu pé de roseira
Coitado, ele seca
E minha boneca
Também lá ficou
Ai, ai, ai, ai
E assim vão deixando
Com choro e gemido
Do berço querido
Céu lindo e azul
Meu Deus, meu Deus
O pai, pesaroso
Nos fio pensando
E o carro rodando
Na estrada do Sul
Ai, ai, ai, ai
Chegaram em São Paulo
Sem cobre quebrado
E o pobre acanhado
Percura um patrão
Meu Deus, meu Deus
Só vê cara estranha
De estranha gente
Tudo é diferente
Do caro torrão
Ai, ai, ai, ai
Trabaia dois ano,
Três ano e mais ano
E sempre nos prano
De um dia vortar
Meu Deus, meu Deus
Mas nunca ele pode
Só vive devendo
E assim vai sofrendo
É sofrer sem parar
Ai, ai, ai, ai
Se arguma notíça
Das banda do norte
Tem ele por sorte
O gosto de ouvir
Meu Deus, meu Deus
Lhe bate no peito
Saudade de móio
E as água nos óio
Começa a cair
Ai, ai, ai, ai
Do mundo afastado
Ali vive preso
Sofrendo desprezo
Devendo ao patrão
Meu Deus, meu Deus
O tempo rolando
Vai dia e vem dia
E aquela famia
Não vorta mais não
Ai, ai, ai, ai
Distante da terra
Tão seca mas boa
Exposto à garoa
A lama e o paú
Meu Deus, meu Deus
Faz pena o nortista
Tão forte, tão bravo
Viver como escravo
No Norte e no Sul
Ai, ai, ai, ai
 A triste partida,linda poesia que virou um hino do povo nordestino retirante,sofrido esquecido, maltratado, e escravizado pelo senhor de engemho,pelo fazendeiro,quando não isso pela a seca que tira toda a esperança de uma vida melhor para o trabalhador rural, que planta a terra para seu sustento.
Patativa do assare, registrou tudo isso em forma de canção e poesia,e levou aos quatros cantos domundo o grito de dor do sertanejo sofrido.
choro toda vez que ouço esta musica, principalmente quando pego meu violão e canto pra min mesmo, lembro do meu pai que foi um nordestino que trabalhou de sol a sol na lavoura pra dar o sustento da familia, morreu pobre mais com dignidade,hoje eu fiz o caminho que a maioria do nordestino fez no famoso pau de arara, vim pra são paulo trabalhar com minha esposa,mais não esqueço minha terra natal, Pernambuco Imortal Imortal, salve Patativa, onde quer que esteja voce conseguiu levar a mais distante cidade,mundo, ou pais, o grito do nordestino sertanejo.
 a triste partida de patativa do Assaré
Nada mais é que um relato da vida do sertanejo,que sofre com a fome e a seca do nordeste brasileiro.
Mas o sertanejo percebe que a realidade da cidade grande não é muito diferente da sua.só que os problemas são diferentes,o desemprego.fome,que também existe no nordeste.
a busca por oportunidades está cada vez mais frequente em nossa sociedade capitalista.PATATIVA FOI E AINDA É UM GRANDE POETA POPULAR BRASILEIRO.
 Ainda me lembro quando eu era criança e, após as 18:00 horas, meu pai que havia chegado da roça, se preparava para lavar os pés e dormir. No radio de pilhas, na radio Cardeal Arcoverde, da cidade pernambucana do mesmo nome, começava a tocar A Triste Partida, na voz do eterno rei Luiz Gonzaga.Tudo poderia ser deixado de lado, menos o habito de ouvir os lamentos da musica que tanto lembrava a historia daquele velho agricultor. As lágrimas não podiam ser contidas, pois a letra, era o retrato da sua vida, não pelo fato de ter ido embora e deixado sua terra, a velha Paraiba, mas, por ter visto seus filhos ir embora, sem esperanças de voltar da mesma terra que reza a musica de Patativa. Nunca numa musica o sofrimento do nortista foi tão bem revelado. Parabéns Patativa do Assaré(in memorian), parabéns “REI GONZAGA”, Deus os tenha. Obrigado por tão importante pérola deixada para o acervo cultural dos nosso corações.
 EM 1958, FOI UM ANO DE SECA AQUI NO CARIRI, CERA, E NORDESTE DO BRASIL.
EU TINHA 10 ANOS, E MORAVA NO SÍTIO AMARO COÊLHO, AQIO NO MUNICIPIO DE JUAZEIRO DO NORTE.
ERA ALI NA PRAÇA PADRE CÍCERO, RUA SÃO FRANCISCO, ESQUINA COM A RUA PADRE CÍCERO, MINHA MÃE, IA ARRANCAR DENTES E FAZER TRATAMENTO NO CONSULTÓRIO DE DR. GERALDO MENEZES BARBOSA, QUE AINDA HOJE ELE ESTAR VIVO, ERA ALÍ QUE HAVIA O EMBARQUE DOS NORDESTINOS PARA O SUL DO BRASIL, ERAM UNS CAMINHÕES PAU DE ARARA, ONDE O POVO BUTAVA SUAS COISAS NUM TETO DE LONA. ERA UMA LONGA VIAGEM ONDE AQUELE POVO PASSAVA ATÉ 19 DIAS NAS ESTRADAS CORROÇAL EM DIREÇÃO AO SUL.
HAVIA NA HORA DAQUELAS PARTIDAS MUITA GENTE CHORANDO NA HORA DA DESPEDIDA, TANTO OS QUE SAIA E MUITO MAIS OS QUE FICAVAM.
EM 1959, O INVERNO CHEGOU AQUI NA NOSSA REGIÃO DEMAIS EM TODO NORDESTE.
FOI EM 1959 QUE PATATIVA DE ASSARÉ MEMORIZOU A TRISTA PARTIDA; QUE ELE ERA UM GRANDE DECORADOR DOS VERSOS QUE PENSAVA E MANDOU AMIGOS ESCREVER OS VERSOS DA TRISTA PARTIDA.
PASSOU A LETRA PARA O POETA: VIOLEIRO JOÃO ALENXANDRE, QUE APRESENTAVA UM PROGRAMA NA RÃDIO IACEMA DE JUAZEIRO, E FOI O POETA JÃO ALEXANDRE QUE COLOCOU ESTA MELODIA, E COMEÇOU A CANTAR A TRISTE PARTIDA EM TODOS OS PROGRAMAS DAS RÁDIOS DA NOSSA REGIÃO.
LOGO ESTA MÚSICA SI ESPALHOU PELA REGIÃO; E UM DIA LUIZ GONZAGA, ESCUTOU UM VIOLEIRO CANTANDO NA FEIRA DE CAMPINA GRANDE NA PARAÍBA, E GOSTOU E PERGUNTOU DE QUEM ERA A MÚSICA E FOI INFORMADO QUE ERA DE PATATIVA DO ASSARÉ, ELE VEIO DIRETO DE CAMPINA GRANDE PARA A CASA DE PATATIVE NO ASSARÉ-CE. PARA PEDIR AUTORIZAÇÃO PARA GRAVAR.
FOI NESTA SEMANA QUE HOUVE A INAUGURAÇÃO DA RÁDIO EDUCADORA DO CARIRI, LÁ NO CRATO, ONDE NO MEIO DO SHOW, ELE TOCOU NA SANFONA A MELODIA DESTA MÚSICA E PERGUNTOU PARA O POVO SI AQLGUEM CONHECIA, A RESPOSTA FOI GERAL: É A TRISTE PARTIDA DE PATATIVA DO ASSARÉ, LUIZ GONZAGA DEVE DIFICULDADE DE GRAVAR ESTA MÚSICA POR QUE É GRANDE E A GRAVADORA NÃO QUERIA GRAVAR COMPLETA, E ELE NÃO ACEITAVA, SÓ EM 1964 ELA FOI GRAVADA POR LUIZ GONZAGA, E FOI MUITO DIVULGADA PELAS EMISSORAS DO NORDESTE, E ELA CHEGOU NO SUL DO BRAZIL. SÓ HOUVE UM DESGOSTO DO VIOLEIRO JOÃO ALEXANDRE, POR QUE A RCA, NÃO COLOCOU O NOME DELE COM O AUTOR DA MELODIA.
MAS A TRISTE PARTIDA É UMA BIOGRAFIA DE TODOS NORDESTINO QUE FORAM PARA O SUL E NUNCA ESQUECERAM DA TERRA QUE NASCERAM.
EU FUI AMIGO PESSOALMENTE DE PATATIVA DO ASSARÉ, E JOÃO ALEXANDRE.
JA FUI RADIALISTA,
HJE SOU APOSENTADO,
SOU RADIO AMADOR PT7JLN
SOU VIOLONISTA, E SANFONEIRO INSTRUMENTISTA.
PERTENSO A AS FAMILIAS LOBO E JANUÁRIO,
MEU NOME ARTISTICO É JOSÉ LÔBO JANUÁRIO,
ME VEJAM NO YOUTUBE. EU E JOAQUIM E MIGUEL JANUÁRIO DA COSTA, TOCANSO SANFONE, E ACESSE JANUÁRIO NOITE E DIA, TAMBÉM NO YOUTUBE
ESTOU ANUVERSARIANDO COMPLETANDO 63 ANOS TERÇA FEIRA DIA 15 DE FEVEREIRO DE 2011

Pior seca dos últimos 50 anos no nordeste brasileiro confirma estatísticas da ONU sobre escassez

8 de abril de 2013 · Destaque
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Secas se repetem no Brasil e no mundo. Imagem TV ONU.
O nordeste brasileiro enfrenta em 2013 a maior seca dos últimos 50 anos, com mais de 1.400 municípios afetados. A informação foi anunciada nesta segunda-feira (8) pelo Governo brasileiro. A seca deste ano já é pior do que a do ano passado, também recorde.
Essa realidade, no entanto, não é isolada. A previsão das Nações Unidas é de que até 2030 quase metade da população mundial estará vivendo em áreas com grande escassez de água.
“Já identificamos a tendência de que as temperaturas se elevam no mundo acima do normal. Em novembro de 2012 tivemos o mês de número trezentos e trinta e três em que as temperaturas subiram, seguidamente, acima do normal no século”, diz a Chefe da Equipe de Apoio da ONU sobre Mudança Climática, Marcela Main.
Assista ao vídeo abaixo com imagens da seca no mundo, incluindo o nordeste brasileiro:
Ela acrescenta que se trata de um problema que ocorre em todos os lugares, sejam países pobres ou ricos. Nos Estados Unidos, 2012 foi considerado o ano mais quente já registrado, enquanto na região do Sahel, na África, repetidas secas causam a escassez de alimentos. “É uma questão para a comida, para a água, para a segurança, para a energia, para tudo”, diz a pesquisadora.
As secas têm afetado principalmente as regiões do Chifre de África e do Sahel, EUA, México, Brasil, partes da China e da Índia, Rússia e o sudeste da Europa. Além disso, 168 países afirmam ser afetados pela desertificação, um processo de degradação do solo em terras secas que afeta a produção de alimentos e é agravado pela seca.
Desde 1950, terras secas aumentaram quase 2% em todo o mundo por década, segundo dados de um declaração conjunta, feita em março deste ano, pelos chefes da Organização Meteorológica Mundial (OMM), da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (UNCCD).


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Alexandre Mazzo
Alexandre Mazzo / Família de Domingos tem TV e parabólica, mas recebe água a conta gotas, em Serra Talhada, Per­­nam­bucoFamília de Domingos tem TV e parabólica, mas recebe água a conta gotas, em Serra Talhada, Per­­nam­buco
ORFÃOS DA SECA

O Brasil dos sem-água

Gazeta do Povo percorre 2 mil km pelo semiárido brasileiro, castigado há 3 anos pela pior estiagem em 5 décadas, num cenário de desolação e morte
Publicado em 05/05/2013 | 
Homem rústico, aspecto andrajoso, Domingos José dos Santos leva nas órbitas um olhar profundo e triste. A pátina do tempo deu-lhe as rugas antes do previsto, algumas de tristeza, outras de desamparo e umas quantas de desilusão. Mimetizar-se à árida realidade não foi o bastante. Parecia não haver lugar mais seco e rançoso do que o sertão pernambucano, e assim o produtor rural fugiu há 10 anos buscando a sorte no sertão baiano. Foi no desespero atrás de algo tão prosaico quando essencial: a água. Deu com os burros na falta dela. A seca tem o condão de dissolver sonhos em rigores extremos, e Domingos voltou.
 O velho sertanejo de 71 anos foi traído pela tal “tirania das contingências”. Vê-se agora em condição pior do que antes da estiagem de três anos a fio no semiárido nordestino. Abandonou no povoado de Lajeto de Pau d’Arco tudo o que tinha: dois terrenos e duas casas de alvenaria – “só uma delas levou 40 sacos de cimento”. Ninguém compra, ninguém tem dinheiro, “tá todo mundo indo embora”. No regresso, há um ano, ergueu uma casa de taipa, feita de ripas e barro, nos costados do terreno que a filha, Maria de Lurdes, 37 anos, ganhou em 2006 num assentamento rural de Serra Talhada (PE).
Domingos e sua família fazem parte de um paradoxo brasileiro, menos pelo fenômeno natural nele subjacente e mais pela incapacidade coletiva de lidar com ele. O sertanejo e a mulher, Maria da Penha, de 69 anos, moram na tapera de barro; a filha, o genro e três netos vivem na residência de alvenaria ao lado. As reuniões familiares se dão na casa de taipa, de frente para a televisão, com sinal da parabólica. A energia elétrica e alguns confortos por ela proporcionados chegaram muito antes do que a água tão procurada por Domingos nos sertões de Pernambuco e da Bahia.
Riqueza sob os pés
Há razões para acreditar em água boa sob os pés, pela abundância no poço artesiano a 300 metros. O vizinho não dá nem vende uma gota, e Domingos não tem dinheiro para uma perfuração. O carro-pipa tarda dois meses para voltar, e abastece só oito dos 16 mil metros cúbicos da cisterna. Se terminar antes, azar. O racionamento priva as crianças de uma brincadeira tão trivial quanto divertida: banho de mangueira. Sentiriam o peso do remorso por se darem o luxo de uma distração quando mal se tem para beber. Entre a sorte de ter uma parabólica e o azar de não ter água, Maria de Lurdes prefere uma inversão. “A água faz mais falta.”
Eles não estão sós. A seca avançou sobre outros 280 municípios além dos 1.135 que compõem o semiárido bra­­sileiro, região mais castigada pela pior estiagem em 50 anos, forjando dias instáveis a 22 milhões de pessoas. A Secretaria Nacional de Defesa Civil decretou situação de emer­­gência e estado de calamidade pública em 1.046 cidades. O saldo é aterrador. Pelas contas do Conselho Nacional de Pe­­cuária de Corte, a seca já levou um milhão de cabeças de gado. Metade morreu e a outra metade foi abatida antes da hora ou mandada para outras regiões.
Há um mês o governo brasileiro anunciou R$ 9 bilhões para o combate emergencial à seca e R$ 32 bilhões em barragens, canais, adutoras e estações elevatórias para garantir o permanente abastecimento de água no Nordeste. Porém, os projetos suscitam dúvidas. “Falta colocar foco no sujeito mais desassistido, que está no campo. Muitos têm energia elétrica, têm parabólica, alguns têm telefone, têm acesso à internet. Mas está faltando água”, destaca o professor de recursos hídricos da Uni­­versidade Federal do Rio Grande do Norte, João Abner Guimarães Júnior.
Doutor em hidráulica e saneamento pela Universidade de São Paulo, Abner joga areia na transposição da Bacia do Rio São Francisco, o grande orgulho do governo brasileiro no combate à seca. Para ele, não passa de um programa inócuo (leia mais na edição de quinta-feira). O problema não é a falta de água, mas a má distribuição. Grandes obras não darão cabo do sofrimento imposto pela estiagem, diz o agrônomo e pesquisador da Fundação Joaquim Na­­buco João Suassuna. As 70 mil represas do Nordeste acumulam mais de 10 bilhões de metros cúbicos de água. “Mas não existe uma política para captar e levar para quem precisa”.
História árida
A chuva tem por hábito de­­saparecer com frequência, às vezes com mais insistência. O Nordeste brasileiro enfrentou 34 significativas secas desde 1583, ano do primeiro registro feito pelo padre Fernão Cardin. Desta vez, no entanto, a situação se presta a dar livre curso à preocupação de uma gente cansada de promessas nunca cumpridas. Quanto mais esperar por soluções que nunca chegam? O que se deve esperar desse canal de transposição que representa a opulência do dinheiro gasto sem restrição? E ninguém pode alegar que foi pego de surpresa.
O Centro Técnico Aeroes­­pacial, de São José dos Campos (SP), fez em 1978 um estudo estatístico a partir das secas dos úl­­timos séculos. Descobriu que as grandes estiagens ocorrem em intervalos de 26 anos, entremeados por outras menores. Nesse estudo prospectivo, a seca que ora castiga o semiárido era previsível. “O triste é que, mesmo sabendo da previsibilidade, não se faz nada de ações estruturadoras para tornar possível a convivência do homem nesse período seco”, diz Suassuna. E a seca vai persistir no sertão até o fim de 2014, segundo pesquisas climáticas.
Essas previsões quase foram desmentidas há uma semana. As chuvas voltaram a cair em parte de Pernambuco, mas concentradas no litoral, na Zona da Mata e no Agreste. No sertão, mais para o interior do estado, as precipitações foram tão esparsas que nem de longe permitiriam uma recuperação dos leitos dos rios secos, dos rebanhos bovinos e das plantações já devastadas. As dezenas de rios efêmeros do Nordeste, transformados em leito de morte do gado, retratam a agonia de uma região órfã da seca.
 Levar água é mais barato do que levar luz
Levar água para o sertão custa menos do que levar eletricidade, nas contas do professor de recursos hídricos da Uni­­versidade Federal do Rio Grande do Norte, João Abner Gui­­marães Júnior. O parâmetro é o Programa Luz para Todos, lançado há dez anos pelo governo federal para eliminar a exclusão elétrica no país levando energia gratuita a dez milhões de brasileiros do meio rural. Um programa similar, trocando a luz pela água, poderia evitar a fome, a sede e as perdas agrícolas enfrentadas por 22 milhões de nordestinos no semiárido.
O programa federal Água para Todos tem limitações porque o foco está na construção de cisternas para captar a água das chuvas nos telhados das casas. Em longas estiagens, as famílias voltam a depender do oneroso carro-pipa. No semiárido, sete entre dez pessoas estão nas cidades, 92% delas com sistema público de abastecimento de água. O problema está no meio rural, onde vivem os outros 30%. O sistema de Abner, doutor em hidráulica e saneamento pela Universidade de São Paulo, chegaria a eles e evitaria os impactos com secas mais prolongadas.
“Dizer que falta água é mentira”, diz Abner. Sobra água para consumo hu­­mano e animal mesmo em época de seca, ele assegura. “São 10 bilhões de metros cúbicos armazenados em grandes reservatórios acima do Rio São Francisco.” Só o Ceará tem 80% desse manancial. O problema está na democratização do acesso à água. Nesse ponto entra a proposta de Abner, um sistema adutor com capilaridade suficiente para atender a toda a necessidade do semiárido usando um quinto do volume armazenado nos reservatórios. Parece tão lógico que assusta imaginar porque não está em prática.
Custo menor
Nesse sistema capilar, adutoras captam água de reservatórios regionais, que por sua vez podem pegar de outros maiores. À média de um reservatório a cada 30 quilômetros, ela teria um custo per capita de R$ 20 por ano, com amortização do investimento em 50 anos. Com menos de mil reais por mês, uma adutora de três polegadas de diâmetro atenderia de 3 a 4 mil pessoas. Abner, ele próprio um sertanejo da região central do Rio Grande do Norte, lembra que quatro entre dez habitantes do seu estado consomem água de adutora. Uma prova, portanto, de que é possível.
Os 70 mil açudes existentes no Nordeste destinam-se hoje para consumo humano, mas 95% da água se perde em evaporação. Para Abner, um sistema integrado que traga água das grandes barragens para o abastecimento humano liberaria os pequenos açudes para a produção de alimento para o gado e outras atividades rurais. O principal insumo para a distribuição da água, a energia elétrica, já está disponível. O custo de R$ 20 per capita por ano com esse sistema capilar representa um terço do valor da transposição da Bacia do Rio São Francisco.
Ela própria, a transposição, é uma prova de que recursos existem. Os governos, de FHC a Lula e Dilma, apostaram num programa de desenvolvimento regional a partir da transposição do São Francisco. Onde está o erro? Abner aponta dois. Primeiro: alcance restrito, a área de influência chega a apenas 5% do semiárido. Segundo: na prática a obra só irá transferir estoques de água do rio para grandes reservatórios já abastecidos. “É chover no molhado”, avalia. “A transposição é um programa inócuo. O governo precisa se libertar dos lobbies das grandes obras”, diz.
Um exemplo de que a adutora funciona está em Serra Talhada (PE). A água que tirou o município de 80 mil habitantes do colapso no abastecimento vem do rio São Francisco, transportada pela adutora do Pajeú nos 112 quilômetros concluídos pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs). A água é transportada numa vazão de mais de 100 metros cúbicos por segundo desde a captação no lago Itaparica, no município de Floresta, até a estação da Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa) em Serra Talhada.
Sertanejo, esse bravo
O homem que maneja o facão na plantação de palma é um tanto gasto em anos, mas mantém a altivez de sertanejo. É sobre gente como ele que recaem os refluxos da seca. No curso de seus 75 anos, Luís Vieira de Souza guarda na memória os vários períodos de estiagem. E ela sempre volta. “Três anos enrabado um no outro, nunca vi na minha vida”, diz com a vivência que não se aprende na escola. Sabe como poucos ler os sinais do tempo, o que o autoriza, por sinestesia, a afirmar com propriedade que a seca de agora supera aquela histórica que perseverou de 1979 a 1984.
Seu Luís e quatro filhos criam 186 cabeças de gado e plantam milho e feijão na propriedade de 600 mil metros quadrados, em Cabrobó, tendo ao fundo as obras do canal de transposição do Rio São Francisco. Tão perto do rio e a plantação resseca. A irrigação esporádica pouco adianta. Gasta R$ 900 por mês em energia elétrica puxando água para o consumo da família depois de tratá-la com cloro, para dar de beber aos animais e irrigar umas poucas plantas. Não rega tudo porque uma conta de R$ 2 mil seria inviável.
Seu Luís se põe a cortar mais palma. A agrura da seca chegou inclusive para essa que é a mais resistente das plantas do sertão, último recurso de alimento para o gado. “Até o mandacaru tá difícil de achar”, diz o velho sertanejo com o desalento que se adquire com sucessivas frustrações. Está ruim até para os cactos. Seu Luís olha para as folhas murchas e experimenta uma sensação de vazio. Mas não pode simplesmente ignorar suas obrigações. Ao fundo, um gado esquálido aguarda a refeição.
Reina o odor de estrume no modesto curral quando o sertanejo retorna. Reserva dois terços de sua atenção ao filho e à nora que acompanham a movimentação dos dois estranhos com câmeras e canetas. Seu Luís se dirige ao cocho tomado pela desolação. O filho, parado à sua frente para ajudar, parece igualmente desolado. O velho empunha o facão e pica a palma em gestos mecânicos dentro do chocho, atraindo a atenção das rezes amarradas ao redor. Ele suspende a cabeça e divisa ao fundo o animal suspenso na UTI improvisada na estrebaria.
A vaca de 5 anos e duas crias está faz dois meses dependurada em cordas para se manter de pé. Se cair não levanta, não se sustenta nas pernas. Morte certa. Efeitos da fome. Seu Luís guarda esperança; há pouco salvara outra vaca no mesmo sistema, depois de um mês no pêndulo, água e comida na boca. Requer paciência. Diante desse homem crispado em sua rusticidade e honra de sertanejo, resta a impressão de que às provações impostas pela seca acrescenta-se uma cota adicional de humanidade. Antes fosse o único, a despeito da nobreza do gesto.
A mortandade se espraia de forma a fazer das carcaças parte integrante da paisagem da caatinga. A proporção é aterradora. Só o estado de Seu Luís, Pernambuco, perdeu 800 mil animais – 150 mil morreram, o restante abatidos precocemente. A bacia leiteira pernambucana também perdeu sete dos dez litros que produzia antes da estiagem.
Os novilhos definham diante dos olhos e as últimas vacas leiteiras não se aguentam mais em pé. O gado que dá a sorte de tombar perto da sede do sítio tem alguma chance. UTIs iguais às de Seu Luís se tornaram comuns no Polígono das Secas, uma área que abrange o norte de Minas Gerais e oito estados nordestinos: Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Sergipe e Rio Grande do Norte. Mas esses arranjos não adiantam quando não se tem o que dar de comer para o gado.
Uma vizinha de Seu Luís acaba de vender 83 bois por R$ 16 mil. Ou, R$ 192 a cabeça, o equivalente a um churrasco de fim de semana para 10 pessoas em qualquer outra região do país não castigada pela seca. O estoque de ração acabou e o preço do milho subiu. Ela vendeu mais para não vê-los morrer do que para evitar prejuízo maior. Em condições normais, receberia pela boiada 10 vezes esse valor. Não quis repetir a história de tantos outros sertanejos que acreditaram na proximidade da chuva.
Até os mais afortunados, os que têm água no subsolo na propriedade, veem o rebanho definhar. Ires Pereira de Mendonça, 59 anos, extrai água de dois poços artesianos para vender para consumo humano. Ele perdeu 100 cabeças de gado desde o fim de 2012. Os animais morreram de inanição. A água mata a sede, não a fome. Mesmo com tanto recursos hídricos disponíveis, Ires não soube e não teve orientação de forma a aproveitá-los para irrigar a plantação que poderia salvar seu rebanho. Por ironia, o leito de morte do gado foi o leito seco do Rio do Imbé, no distrito de Mimoso, no município pernambucano de Pesqueira.
Polígono das Secas
O semiárido brasileiro estende-se por oito estados do Nordeste (Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe), além do Norte de Minas Gerais, totalizando uma extensão territorial de mais de 980 mil quilômetros quadrados. As principais causas da seca são naturais.
A região recebe pouca influência de massas de ar úmidas e frias vindas do Sul. Logo, permanece durante muito tempo no sertão nordestino uma massa de ar quente e seca. Também contribuiu para agravar o quadro os quase cinco séculos de queimadas e corte intensivo da floresta, além da exploração da monocultura da cana-de-açúcar.
 A SECA DE 2012 ENTRA PRA HISTÓRIA!
A estiagem que acomete o Nordeste em 2012 não é comum. De acordo com especialistas, esta é mais intensa e acontece de 30 em 30 anos, em média. Assim como a seca deste ano, outras também marcaram a história do Nordeste. As mais famosas são as de 1983/84, 1935 e 1887, que provocaram a morte de quase 500 mil nordestinos.
Desmatamento e polítcas ineficazes são agravantes
A seca no sertão nordestino, está entre as questões mais graves do Brasil. Há séculos os governos têm tentado resolvê-la, sem sucesso.
As políticas de combate à seca no Nordeste remontam à época do Império. D. Pedro 2º determinou a construção de açudes, entre outras ações, para diminuir os efeitos da estiagem, entre os anos 1877 e 1879.
O próprio imperador declarou: "Não restará uma única jóia na Coroa, mas nenhum nordestino morrerá de fome".
Em 1951, um grupo de estudiosos determinou os limites da região atingida por estiagens periódicas, que passou a ser chamada Polígono das Secas. Veja o mapa com as áreas atingidas pela seca, na época: O Polígono das Secas
A área abrangia os quase todos os estados do Nordeste, menos o Maranhão, além do norte de Minas Gerais.
Causas da seca
Mas o Polígono das Secas aumentou de tamanho. O Maranhão, que estava "fora" da área de ocorrência de secas longas, vem enfrentando o problema nos últimos 25 anos.
Nas regiões atingidas, é comum a estiagem se prolongar por dois ou três anos. Isso gera uma situação de calamidade para milhões de sertanejos.
A ampliação da área da seca está relacionada à forma de ocupação humana nessa região, desde o século 16. Trata-se do uso predatório da terra, tirando dela o máximo possível em produtividade sem preocupação com o esgotamento.
O principal fator foi desmatamento excessivo que deu fim à vegetação em torno das nascentes dos rios. Isso mesmo: sem as árvores, secam o rio e a fonte de onde vem a água. Sem a proteção do verde, o solo frágil e arenoso não resiste e a região torna-se árida. Com isso, o clima muda: há menos chuvas. E o lugar é ocupado pela caatinga, ou se transforma em deserto.
Indústria da seca
O primeiro órgão de combate à seca foi criado em 1909, chamava-se Inspetoria de Obras Contra as secas (IOCS). Em 1919 tornou-se a Inspetoria Federal de Obras Contra a Secas (IFCOS). Em 1945 ganhou novo nome: Departamento Nacional de Obras Contra a Secas (DNOCS).
Todos esses órgãos procuram definir metas e solucionar o problema com obras para armazenar água e suprir a população, a agricultura e a pecuária.
Mas tem sido insuficiente, como se vê pelo aumento da área atingida. Além do desmatamento, a seca do Nordeste está ligada à falta de políticas que realmente funcionem em benefício da população.
Durante a estiagem, o governo federal socorre os estados atingidos com envio de dinheiro para ser aplicado nessas áreas, cestas básicas para a população, perdão total ou parcial das dívidas de empréstimos tomados por empresários e fazendeiros. Estudiosos declaram que existe uma "indústria da seca", da qual alguns se beneficiariam de forma política e financeira.
 A Triste Partida
(Patativa do Assaré)
Canta: Luíz Gonzaga e Gonzaguinha
Meu Deus, meu Deus
Setembro passou
Outubro e Novembro
Já tamo em Dezembro
Meu Deus, que é de nós,
Meu Deus, meu Deus
Assim fala o pobre
Do seco Nordeste
Com medo da peste
Da fome feroz

A treze do mês
Ele fez experiênça
Perdeu sua crença
Nas pedras de sal,
Meu Deus, meu Deus
Mas noutra esperança
Com gosto se agarra
Pensando na barra
Do alegre Natal

Rompeu-se o Natal
Porém barra não veio
O sol bem vermeio
Nasceu muito além
Meu Deus, meu Deus
Na copa da mata
Buzina a cigarra
Ninguém vê a barra
Pois barra não tem

Sem chuva na terra
Descamba Janeiro,
Depois fevereiro
E o mesmo verão
Meu Deus, meu Deus
Entonce o nortista
Pensando consigo
Diz: "isso é castigo
não chove mais não"

Apela pra Março
Que é o mês preferido
Do santo querido
Sinhô São José
Meu Deus, meu Deus
Mas nada de chuva
Tá tudo sem jeito
Lhe foge do peito
O resto da fé

Agora pensando
Ele segue outra tria
Chamando a famia
Começa a dizer
Meu Deus, meu Deus
Eu vendo meu burro
Meu jegue e o cavalo
Nóis vamo a São Paulo
Viver ou morrer

Nóis vamo a São Paulo
Que a coisa tá feia
Por terras alheia
Nós vamos vagar
Meu Deus, meu Deus
Se o nosso destino
Não for tão mesquinho
Ai pro mesmo cantinho
Nós torna a voltar

E vende seu burro
Jumento e o cavalo
Inté mesmo o galo
Venderam também
Meu Deus, meu Deus
Pois logo aparece
Feliz fazendeiro
Por pouco dinheiro
Lhe compra o que tem

Em um caminhão
Ele joga a famia
Chegou o triste dia
Já vai viajar
Meu Deus, meu Deus
A seca terrívi
Que tudo devora
Ai,lhe bota pra fora
Da terra natal

O carro já corre
No topo da serra
Oiando pra terra
Seu berço, seu lar
Meu Deus, meu Deus
Aquele nortista
Partido de pena
De longe acena
Adeus meu lugar

No dia seguinte
Já tudo enfadado
E o carro embalado
Veloz a correr
Meu Deus, meu Deus
Tão triste, coitado
Falando saudoso
Com seu filho choroso
Iscrama a dizer

De pena e saudade
Papai sei que morro
Meu pobre cachorro
Quem dá de comer?
Meu Deus, meu Deus
Já outro pergunta
Mãezinha, e meu gato?
Com fome, sem trato
Mimi vai morrer

E a linda pequena
Tremendo de medo
"Mamãe, meus brinquedo
Meu pé de fulô?"
Meu Deus, meu Deus
Meu pé de roseira
Coitado, ele seca
E minha boneca
Também lá ficou

E assim vão deixando
Com choro e gemido
Do berço querido
Céu lindo e azul
Meu Deus, meu Deus
O pai, pesaroso
Nos fio pensando
E o carro rodando
Na estrada do Sul

Chegou em São Paulo
Sem cobre quebrado
E o pobre acanhado
Percura um patrão
Meu Deus, meu Deus
Só vê cara estranha
De estranha gente
Tudo é diferente
Do caro torrão

Trabaia dois ano,
Três ano e mais ano
E sempre nos prano
De um dia voltar
Meu Deus, meu Deus
Mas nunca ele pode
Só vive devendo
E assim vai sofrendo
É sofrer sem parar

Se arguma notícia
Das banda do norte
Tem ele por sorte
O gosto de ouvir
Meu Deus, meu Deus
Lhe bate no peito
Saudade de móio
E as água nos óio
Começa a cair

Do mundo afastado
Ali vive preso
Sofrendo desprezo
Devendo ao patrão
Meu Deus, meu Deus
O tempo rolando
Vai dia e vem dia
E aquela famia
Não vorta mais não

Distante da terra
Tão seca, mas boa
Exposto à garoa
A lama e o paú
Meu Deus, meu Deus
Faz pena o nortista
Tão forte e tão bravo
Viver como escravo
No Norte e no Sul.
Súplica Cearense
Luíz Gonzaga
Oh! Deus, perdoe este pobre coitado
Que de joelhos rezou um bocado
Pedindo pra chuva cair sem parar
Oh! Deus, será que o senhor se zangou
E só por isso o sol arretirou
Fazendo cair toda a chuva que há
Senhor, eu pedi para o sol se esconder um tiquinho
Pedir pra chover, mas chover de mansinho
Pra ver se nascia uma planta no chão
Oh! Deus, se eu não rezei direito o Senhor me perdoe,
Eu acho que a culpa foi
Desse pobre que nem sabe fazer oração
Meu Deus, perdoe eu encher os meus olhos de água
E ter-lhe pedido cheinho de mágoa
Pro sol inclemente se arretirar
Desculpe eu pedir a toda hora pra chegar o inverno
Desculpe eu pedir para acabar com o inferno
Que sempre queimou o meu Ceará.
 Seca do Nordeste

(Clara Nunes)
Ô sol! escaldante
Terra poeirenta
Dias e dias, meses e meses sem chover
E o pobre lavrador com a ferramenta rude
Bate forte no solo duro
Em cada pancada perece gemer
Hum, hum, hum, hum, hum, hum, hum
Geme a terra de dor ô ô ô ô
Não adianta o meu lamento meu senhor
Ô ô ô ô e a chuva não vem
E o chão continua seco e poeirento
No auge do desespero uns se revoltam contra Deus
Outros rezam com fervor
Nosso gado está sedento meu Senhor
Nos livrai dessa desgraça
O céu escurece
As nuvens parecem grandes rolos de fumaça.
Chove no coração do Brasil
E o lavrador retira o seu chapéu
E olhando o firmamento suas lágrimas se unem
Com as dádivas do céu
O gado muge de alegria
Parece entoar uma linda melodia.


A Cruz da Menina

Eu vou contar pra vocês
a história d´uma menina
que nasceu lá no sertão
uma alma nordestina
e que teve sua infância
tirada na ignorância
de uma madrasta malina.

Seu nome era Francisca
Chiquinha devia ser
uma menina querida
com as irmãs a crescer
quando uma seca maldita
lhe fez a pior desdita
botando tudo a correr.

Foi aqui na Paraíba
que o ocorrido se deu
lá em Patos de Espinharas
foi bem lá que aconteceu
essa história interessante
dessa família penante
e que até já morreu.

Quem nasce lá no sertão
duas coisas pode ter
ou ser muito abençoado
ou ter vindo pra sofrer
ter vindo viver uma graça
ou pagar uma desgraça
na medida do viver.

Lá se conta uma história
de uma nordestinada
que nasceu só pra sofrer
desde o dia da chegada
a seca tirou-lhe o brilho
e a dor foi o seu trilho
de inocência apagada.

Uma família sem nome
sofrendo uma seca cruel
passando de arretirada
a pé debaixo do céu
confiou em adoção
uma filha do coração
a um casal bem fiel.

Para não morrer de fome
essa menina foi dada
a esse casal de nome
foi assim tão confiada
e partiram pelo mundo
o primeiro e o segundo
sem saber qual das estradas.

Neste sertão sem porteira
o sol faz sua seara
o mundo nos apresenta
dizendo logo de cara
que a vida nasce de cacho
quem quiser saia de baixo
em Patos das Espinharas.

Nessa ribeira querida
onde a beleza existe
na fulorada da terra
na vida que sempre insiste
sou obrigado a contar
no decorrer do narrar
uma história bem triste.

Em pleno século XX
no ano de 23
arreparem a tragédia
em outubro, 11 do mês
numa noite escurecida
Francisca perdeu a vida
vou contar só pra vocês.
Nasceu em família pobre
fugida de seca braba
um casal de arretirante
por amor a filha salva
e dando por doação
a filha do coração
para outras duas almas.

Domila e Absalão
o casal agraciado
em vez de criar Francisca
com amor e com cuidado
aproveitaram a questão
usaram da escravidão
cometeram esse pecado.

Francisca, pobre coitada
não podia nem brincar
vivia sua infância
somente pra trabalhar
olhando pela janela
c´uns olhos brincava ela
com as crianças do lugar.

Domila saiu à noite
foi buscar Absalão
deixando Francisca em casa
ainda lavando o chão
que depois de terminado
devia dar por fechado
janela, porta e portão.

Francisca se esqueceu
de fechar a tal janela
Domila quando chegou
estufou logo a titela
pensando qu´era ladrão
depois de buscar em vão
se lembrou loguinho dela.

Acordou a pequenina
debaixo de cacetada
com a trave da janela
lhe castigou de pancada
e sem a menor razão
tentada lá pelo cão
matou Francisca a paulada.

Embrulharam a menina
ainda de madrugada
e lá fora da cidade
entre pedras foi jogada
encontrada noutro dia
foi aquela agonia
e a Deus encomendada.

Botaram ali uma cruz
enfeitaram c´umas fitas
Justiniano passava
sofrendo uma seca maldita
e se botou a pedir
numa oração pr´ela ouvir
numa promessa bendita.

O pedido era de água
pro mundo não padecer
o que já vinha sofrendo
não deu outra, pode crer
água veio de montão
um mar saía do chão
o milagre era de ver.

Pelo milagre alcançado
necessidade suprida
Justiniano agradece
fazendo ser construída
uma Capela formosa
para a menina bondosa
por sua prece atendida.

Por conta dessa Capela
um parque ali se formou
abriu-se a boca do céu
pra terra esse anjo olhou
intercedendo por quem
rezando dizendo amém
precise do Criador.
Quem recebe um milagre
pedido numa oração
sabe do qu´estou falando
sabe dessa emoção
pois quem tem crença na terra
esperança não enterra
enquanto for um cristão.

Cheio dessa devoção
o romeiro agradecido
vem no parque humildemente
vem trazer em seu sentido
e assim como eu boto
deposita seu ex-voto
do milagre merecido.

Tem um dia todo ano
calendário da Igreja
que todo romeiro sonha
todo coração almeja
enfeitar todos os postes
festejar o Pentecostes
o fiel assim deseja.

A festa começa cedo
entra pela madrugada
procissão levando a Santa
o luzeiro na estrada
o romeiro agradecido
reza o terço no sentido
de Francisca abençoada.

A menina dessa cruz
inda não reconhecida
hoje é Santa do Povo
é fiel e é querida
e ao lado do sacrário
ilumina o santuário
de Maria concebida.

Foi escrava nessa terra
mas ganhou o paraíso
fulorou nosso sertão
aguou o mais preciso
deu perfume a nossa vida
nesse chão de tanta lida
com o ar de seu sorriso.

Francisca, nossa menina!
ajude nossos irmãos
rogai pelos desprovidos
amansai nosso patrão
enchei a vida de flores
recebei nossos amores
em troca desse sertão.


divisão para o texto explicativo

Construído pelo Estado em 1993, com o apoio da 
Prefeitura de Patos-PB e sua Diocese, o Santuário da 
Cruz da Menina se presta a lembrar a pequena
Francisca, morta no ano de 1923, adorada e vene-
rada nos dias de hoje como uma Santa do Povo.


A força que nunca seca

Populações da Amazônia e do sertão nordestino enfrentam novos desafios trazidos pela intensificação das estiagens

Por Carolina Cantarino
A força que nunca seca
15/11/2011
Lá se pode ver ao longe/ A senhora com a lata na cabeça/ E a força que nunca seca/ Pra água que é tão pouca... Os versos criados por Chico César e Vanessa da Mata, e cantados por Maria Bethânia, ecoam um universo de imagens em torno da seca e do sertão brasileiro, que tende a ser associado ao Semiárido nordestino. Mas estiagens extremas e grandes variações nas precipitações de chuva começam a afetar paisagens insuspeitadas, como aquela onde se concentra grande parte da água doce do mundo.
Recentemente, a Amazônia atravessou dois períodos de intensa seca, intercalados por graves enchentes: as estiagens de 2005 e 2010 e, entre elas, as inundações de 2009. Desde o início do século XX, quando eventos climáticos começaram a ser registrados no Brasil, não se tinha notícia de secas e inundações tão graves. A ocorrência desses fenômenos confirma a sensação de intensificação de eventos climáticos aos quais as populações locais já estão habituadas a conviver, mas cuja magnitude as surpreende e aumenta sua vulnerabilidade.
"As pessoas que vivem no interior da Amazônia estão acostumadas com a principal característica da região: o tempo da cheia (principalmente os meses de maio e junho) e o tempo da seca (setembro, outubro e novembro). Por isso, as comunidades se organizam territorialmente para conviver com essa alternância. Mas tanto a cheia quanto a seca tornam-se um problema quando são excessivos", constata Raquel Wiggers, antropóloga e professora da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Projeções apresentadas no documento Riscos das Mudanças Climáticas no Brasil, divulgado pelo Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) em maio desse ano, alertam para a possibilidade de aumento significativo da seca em várias regiões do Brasil. No caso da Amazônia, o desmatamento pode acelerar as mudanças climáticas por conta da quantidade de carbono liberado na atmosfera quando a floresta é derrubada e queimada. O desmatamento - provocado, principalmente, pela expansão das plantações de soja e das pastagens - eleva as temperaturas e diminui as chuvas em razão da rápida evaporação; e o aumento da seca na região poderá provocar a substituição da floresta por uma vegetação do tipo savana (a chamada "savanização da Amazônia").
Outra área que sofrerá com a possibilidade de aumento significativo das condições de seca, segundo as projeções realizadas pelo Inpe, é o Semiárido, região que compreende partes dos Estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e Minas Gerais. "Mudanças climáticas no Brasil ameaçam intensificar as dificuldades de acesso à água. A combinação das alterações do clima - na forma de falta de chuva ou pouca chuva acompanhada de altas temperaturas e altas taxas de evaporação -, com a competição por recursos hídricos, pode levar a uma crise potencialmente catastrófica, sendo os mais vulneráveis os agricultores pobres, como os agricultores de subsistência na área do Semiárido do Nordeste", escreve José A. Marengo, pesquisador titular do Inpe, em artigo sobre os prováveis impactos das mudanças climáticas no sertão nordestino.
A maior frequência das secas nessa região, conforme o pesquisador, poderá provocar um maior deslocamento da população rural para as cidades ou para áreas onde seja capaz de desenvolver agricultura irrigada, gerando "ondas de refugiados ambientais do clima" e "aumentando os problemas sociais já presentes nas grandes cidades", repetindo-se o que já teria sido observado nas grandes secas de 1777-1778, 1876 e 1983, e 1998, ano em que a seca provocou a queda de 72% da produção de feijão, milho, arroz e algodão - produtos que compõem a agricultura de subsistência marcando a economia da região, assim como a pecuária extensiva.
As previsões do Inpe em relação ao Semiárido, num cenário de aquecimento global (ou seja, sem redução significativa da emissão de gases de efeito estufa), são a de que, até o final do século XXI, o aumento de 3% da temperatura média do planeta fará com que o Semiárido se transforme num deserto, já que a curta estação chuvosa que caracteriza a região poderá desaparecer completamente. Nessa "desertificação do Semiárido", estiagens que duram de seis a sete meses se estenderiam pelo ano todo.
O rio
Se a possibilidade de um futuro catastrófico de "savanização da Amazônia" e "desertificação do Semiárido", criado pelas modelagens climáticas, assusta e faz pensar na gravidade das mudanças do clima, a comoção causada pelos dramáticos desastres naturais que estão acontecendo no presente, muitas vezes, obscurece um elemento crucial sobre o tema: a situação de catástrofe não é um problema causado unicamente pela natureza, mas também resulta da vulnerabilidade da população (ver reportagem). E alguns grupos sociais são mais vulneráveis aos desastres ambientais do que outros. A combinação de fatores naturais e sociais, portanto, é que define o desastre, de acordo com alguns especialistas: se as características físicas do evento determinam a probabilidade de ocorrência do fenômeno, serão as condições sociais de vulnerabilidade da população que determinarão, por sua vez, a severidade dos impactos sofridos.
As comunidades ribeirinhas da Amazônia, por exemplo, estão habituadas à convivência com os rios, lembra Raquel Wiggers. As casas geralmente são construídas em terra firme e sobre palafitas, para que as águas, quando subirem, não as atinjam nos tempos de cheia. Essa estratégia possibilita que essas mesmas casas possam ter seus terrenos alagados no inverno, mas não fiquem muito distantes do rio nos períodos de seca, no verão. Existem também "casas flutuantes" (comércios, restaurantes, escolas, hotéis), construídas em cima de grandes troncos de madeiras e que chegam a formar comunidades inteiras.
Ao relatar as viagens que tem feito pelo interior da Amazônia, Raquel Wiggers informa que, com a ocorrência das secas excessivas como as dos anos 2005 e 2010, muitas comunidades ficaram isoladas e inacessíveis, uma vez que o rio é o principal meio de transporte e circulação. "Alguns 'braços de rio' secam e é preciso caminhar na lama, às vezes por muitos quilômetros, para conseguir se chegar às casas. Todas as atividades que necessitam de deslocamento ficam comprometidas. As casas flutuantes, por sua vez, atolam na lama, já que geralmente estão localizadas em pequenos rios, onde estão seguras do vento e do chamado 'banzeiro', ondulações e redemoinhos que acontecem nos grandes rios por ocasião de temporais e ventanias", descreve.
Há municípios do interior do Amazonas nos quais somente se chega pelo rio (não há rodovias ou estradas disponíveis), e a geração de energia é feita por termoelétricas movidas a diesel ou gasolina. Com a seca, o abastecimento de combustível torna-se limitado ou mesmo impossível, e várias atividades veem-se prejudicadas, até mesmo aquelas relacionadas às necessidades consideradas mais básicas, como o consumo de água e a alimentação, já que o funcionamento dos poços artesianos e a refrigeração de alimentos dependem de energia. As famílias precisam recorrer aos rios para obtenção de água, para beber e cozinhar, e os altos índices de coliformes fecais nas águas dos rios próximos das comunidades podem provocar doenças, como hepatite e diarreias.
A alimentação, por sua vez, baseada no peixe (e na farinha de mandioca), também fica bastante prejudicada. "Durante os meses de vazante, formam-se lagos bastante piscosos; são os meses de maior fartura para essas comunidades ribeirinhas. Nos anos com seca excessiva, muitos lagos secam, provocando a morte rápida de peixes. Como não há possibilidade de refrigeração, porque muitas comunidades rurais no Amazonas não dispõem de energia elétrica, o quadro de desolação da população aumenta ainda mais", dimensiona Wiggers.
Se a história dessas comunidades ribeirinhas é tecida na convivência com os diferentes tempos (de seca, de cheia), que marcam sua relação com os rios, a magnitude das secas e das cheias dificulta o enfrentamento da situação, a "adaptação" ou a "resiliência", termos utilizados pelos estudiosos dos chamados hazards (riscos) para se referir à capacidade de resposta ao desastre por parte das comunidades afetadas por eles.
O sertão
O debate sobre os riscos da intensificação da seca no Semiárido brasileiro traz também o perigo de se recair em estereótipos sobre o Nordeste, que tendem a restringi-lo às mazelas provocadas pela seca e às ideias de escassez, fome e falta. O Nordeste é uma região vulnerável às mudanças climáticas porque nele a água já é um problema há muito tempo. E não se trata somente de escassez, mas de concentração de renda, de terra e também de água, questão que veio à tona na mídia, há alguns anos, com as obras detransposição do rio São Francisco.
A irregularidade das chuvas no Nordeste foi verificada, mais uma vez, num estudo divulgado no mês passado pela Revista Pesquisa Fapesp, que analisou dados diários sobre precipitações pluviométricas levantados por 600 estações meteorológicas, ao longo dos últimos 30 anos, em nove Estados nordestinos. Constatou-se o ritmo bastante oscilante das chuvas, o que implicaria, como possível "solução", numa preparação para a sua chegada, que permita armazenar água e garanti-la para o período de estiagem.
A aposta nessa preparação, como forma de defender o direito de todos à água, é a proposta da Articulação no Semiárido (ASA), uma rede que reúne centenas de organizações que trabalham com tecnologias sociais voltadas para a agroecologia e para a captação e armazenamento de água. A principal aposta desses grupos é a de que é possível conviver com a seca, através da criação de alternativas para a permanência das populações rurais no campo. Um dos projetos da rede é o Programa Um Milhão de Cisternas, destinado às famílias que residem na zona rural e que não têm acesso ao sistema público de abastecimento de água. Em vez de caminhar quilômetros para buscar água nos barreiros, variados tipos de cisternas permitem captar água das chuvas (através de calhas instaladas nos telhados das moradias) e abastecer reservatórios que possibilitarão que haja água perto de casa para beber, cozinhar e produzir alimentos, durante os meses de estiagem. Vencidas as dificuldades com a água e a irrigação, surgem novas perspectivas de renda para as famílias rurais baseadas, principalmente, na diversificação da agricultura, indo além da roça de milho e feijão, com o plantio de verduras, hortaliças e frutas - economia que, aliás, numa outra escala, voltada para o mercado de exportação, já se mostrou viável no Nordeste, como no caso da produção de uvas e mangas nos municípios de Petrolina (PE) e Juazeiro (BA).
Mas a criação de alternativas para a permanência no campo não pode desconsiderar a migração também como uma estratégia válida para se resistir às condições de vida trazidas pela seca. É preciso lembrar que a migração e a mobilidade sempre marcaram a história das populações rurais no Brasil, nas figuras nômades, por exemplo, do vaqueiro, do mascate e do tropeiro. "Migrar, em última instância, é dizer não à situação em que se vive, é pegar o destino com as próprias mãos, resgatar sonhos e esperanças de uma vida melhor ou mesmo diferente", afirma Isabel Guillem, historiadora e pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco, ao escrever sobre a banalização da história da seca e da migração no Nordeste.
Essa banalização, comenta Guillem, pode ser notada no clichê que diz que "o problema da seca e da migração no sertão nordestino é histórico". "Histórico", define a pesquisadora, sugeriria dois sentidos: o que ocorre com frequência e o que não tem solução. Essa forma de encarar o problema resultaria numa naturalização da história, que resume as histórias do sertão à seca. Semiárido terminaria assim, sendo transformado numa região que parou no tempo porque nele, supostamente, nada mudaria por causa da permanência e repetição dos problemas.
Nas conhecidas palavras do escritor Euclides da Cunha, o sertanejo é, antes de tudo, um forte. Capacidade de resiliência e adaptação, diriam, por sua vez, os especialistas em estudos sobre vulnerabilidade e desastres. Ou, ainda, voltando à música de Chico Cesár e Vanessa da Mata cantada por Bethânia: A lata não mostra/ O corpo que entorta/ Pra lata ficar reta...
 



Sertão e literaturaO sertão (em oposição ao litoral) já funcionou como síntese ou interpretação do Brasil em obras como Os Sertões (1902), de Euclides da Cunha, Geografia da Fome (1946), de Josué de Castro,Vidas Secas (1938), de Graciliano Ramos, ou Menino de Engenho (1932), de José Lins do Rego. Um sertão símbolo de atraso, injustiça, miséria, fome, seca, cangaço, coronelismo, fanatismo religioso... Um sertão que precisaria acabar, como nas promessas de desenvolvimento e modernização do governo Juscelino Kubitschek (1956-1961), e na construção de uma cidade no "interior" do Brasil, de uma nova capital para o País em pleno... sertão. Mas eis que poucos anos antes da inauguração de Brasília, em 1960, nasce outro sertão, diferente de todos os anteriores: o livro Grande Sertão: Veredas (1956), de Guimarães Rosa.
O sertão de Rosa é diferente porque é maior do que uma região ou espaço geograficamente localizável. Ele está em toda parte, menciona o escritor. Num filme recente do cinema brasileiro,Mutum (2007), de Sandra Kogut, inspirado na novela Campo Geral, de Rosa, o drama do menino Miguilim é recriado através dos grandes olhos do menino Thiago: da alegria das simples e pequenas coisas do cotidiano (a amizade com o irmão mais velho, as brincadeiras com os
animais de estimação, receber carinhos da mãe, ouvir e contar histórias) à tristeza pela morte do irmão tão querido, ou do próprio pai. A alegria pela possibilidade de partir para a cidade, estudar, sonhar com as possibilidades de uma nova vida, mas também a tristeza por deixar a mãe, os bichos, o sertão...
O sertão está em toda parte, por que quanta gente, em quantos lugares, não terá enfrentado
esse misto de alegrias e tristezas como os meninos sertanejos Miguilim e Thiago? "Mutum
conta a história de Miguilim, de 'Campo Geral' e, como a novela, conta a história de muitos
outros meninos, brasileiros ou não, vivendo nas mesmas condições sociais e, acima de tudo, experimentando as mesmas dores e alegrias das brincadeiras, dos afetos, das incertezas, das perdas", lembra Davina Marques, mestre em educação, escrevendo sobre as relações entre filosofia, cinema e a literatura.
Não apenas o Nordeste e o Brasil, a seca e a fome, a desigualdade e a luta pela sobrevivência,
o sertão está em todo lugar porque nele estão presentes os dramas, questionamentos, sentimentos e afetos que marcam a existência de todos nós, a própria condição humana, nos lembra o historiador Durval Muniz de Albuquerque Júnior, no artigo sobre o sertão rosiano. "Em todo o livro [Grande Sertão: Veredas] as perguntas: O que é o sertão? Onde ele se localiza?
Como circunscrevê-lo física e sociologicamente? Como dizê-lo, como contá-lo, como descrevê-lo, como significá-lo, como nomeá-lo, como entendê-lo? Como definir o ser do sertão? Defini-lo não seria definir o ser do Brasil? Ou não? Ver o sertão era ver o Brasil do presente ou do passado?
Ou ver o futuro? O grande sertão, uma incógnita, como seus habitantes: os sertanejos".

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