domingo, 1 de novembro de 2015

CONSUMISMO

Ninguém nasce consumista. O consumismo é uma ideologia, um hábito mental forjado que se tornou uma das características culturais mais marcantes da sociedade atual. Não importa o gênero, a faixa etária, a nacionalidade, a crença ou o poder aquisitivo. Hoje, todos que são impactados pelas mídias de massa são estimulados a consumir de modo inconsequente.
As crianças, que vivenciam uma fase de peculiar desenvolvimento e, portanto, mais vulneráveis que os adultos, não ficam fora dessa lógica e infelizmente sofrem cada vez mais cedo com as graves consequências relacionadas aos excessos do consumismo: obesidade infantil, erotização precoce, consumo precoce de tabaco e álcool, estresse familiar, banalização da agressividade e violência, entre outras. Nesse sentido, o consumismo infantil é uma questão urgente, de extrema importância e interesse geral.
De pais e educadores a agentes do mercado global, todos voltam os olhares para a infância − os primeiros preocupados com o futuro das crianças, já os últimos fazem crer que estão preocupados apenas com a ganância de seus negócios. Para o mercado, antes de tudo, a criança é um consumidor em formação, consumidor de hoje e do amanhã, e uma poderosa influência nos processos de escolha de produtos ou serviços.
As crianças brasileiras influenciam 80% das decisões de compra de uma família (TNS/InterScience, outubro de 2003). Carros, roupas, alimentos, eletrodomésticos, quase tudo dentro de casa tem por trás o palpite de uma criança, salvo decisões relacionadas a planos de seguro, combustível e produtos de limpeza que têm pouca influência dos pequenos.
No Brasil, a publicidade na TV é a principal ferramenta do mercado para a persuasão do público infantil, que cada vez mais cedo é chamado a participar do universo adulto quando é diretamente exposto às complexidades das relações de consumo sem que esteja efetivamente preparado para isso.
As crianças são um alvo importante, não apenas porque escolhem o que seus pais compram e são tratadas como consumidores mirins, mas também porque impactadas desde muito jovens tendem a ser mais fiéis a marcas e ao próprio hábito consumista que lhes é praticamente imposto.
Nada, no meio publicitário, é deliberado sem um estudo detalhado. Em 2006, os investimentos publicitários destinados à categoria de produtos infantis foram de R$ 209 milhões(Ibope Monitor, 2005x2006, categorias infantis). No entanto, a publicidade não se dirige às crianças apenas para vender produtos infantis. Elas são assediadas pelo mercado como eficientes promotoras de vendas de produtos direcionados também aos adultos.
O Ibope Mídia, que anualmente divulga os dados de investimento publicitário no Brasil, constatou que foram movimentados cerca de R$ 112 bilhões em 2013 com publicidade. A televisão permanece a principal mídia utilizada pela publicidade, representando 70% do investimento. Ao cruzar essa informação com o fato de a criança brasileira passar em média cinco horas 22 minutos e 11 segundos por dia assistindo à programação televisiva (Painel Nacional de Televisores, Ibope 2012) é possível imaginar o impacto da publicidade na infância.
Apesar de toda essa força, a publicidade veiculada na televisão é apenas um dos fatores que contribuem para o consumismo infantil. A TNS, instituto de pesquisa que atua em mais de 70 países, divulgou dados em setembro de 2007 que evidenciaram outros fatores que influenciam as crianças brasileiras nas práticas de consumo. Elas sentem-se mais atraídas por produtos e serviços que sejam associados a personagens famosos, brindes, jogos e embalagens chamativas. A opinião dos amigos também foi identificada como uma forte influência.
No âmbito da alimentação, a publicidade é um fator que estimula a disseminação da maior epidemia infantil da história: a obesidade. A pesquisa Targeting Children With Treats (Alvejando crianças com guloseimas, em livre tradução do inglês) de 2013 aponta que as crianças que já têm sobrepeso aumentam em 134% o consumo de alimentos com altos teores de sódio, gorduras trans e saturadas e açúcar, quando expostas à publicidade destes produtos.
O consumismo está relacionado à ideia de devorar, destruir e extinguir. Se agora, tragédias naturais, como queimadas, furacões, inundações gigantescas, enchentes e períodos prolongados de seca, são muito mais comuns e frequentes, é porque a exploração irresponsável do meio ambiente prevaleceu ao longo de décadas.
Concentrar todos os esforços no consumo é contribuir, dia após dia, para o desequilíbrio global. O consumismo infantil, portanto, é um problema que não está ligado apenas à educação escolar e doméstica. Embora a questão seja tratada quase sempre como algo relacionado à esfera familiar, crianças que aprendem a consumir de forma inconsequente e desenvolvem critérios e valores distorcidos são de fato um problema de ordem ética, econômica e social.
O Projeto Criança e Consumo, do Instituto Alana, combate qualquer tipo de comunicação mercadológica dirigida às crianças por entender que os danos causados pela lógica insustentável do consumo irracional podem ser minorados e evitados, se efetivamente a infância for preservada em sua essência como o tempo indispensável e fundamental para a formação da cidadania. Indivíduos conscientes e responsáveis são a base de uma sociedade mais justa e fraterna, que tenha a qualidade de vida não apenas como um conceito a ser perseguido, mas uma prática a ser vivida.
Entre 2010 e 2012, o projeto manteve um blog, com o objetivo de discutir os principais impactos do consumismo e da publicidade na formação da infância. Nele há diversos textos sobre cidadania e mobilização, comportamento, política e legislação, saúde e sustentabilidade.

Como proteger as crianças do consumismo

Até os 12 anos, a criança não possui senso crítico para entender o significado da publicidade. Em casos extremos, o consumismo pode levar a problemas como obesidade infantil e erotização precoce

06/04/2015 10:19
Texto Camilo Gomide
Educar
Foto: Aline Casassa
Criança com presentes
Por estarem mais próximos, pais e educadores são os principais atores para orientar as crianças na hora das compras
Fazer compras na companhia das crianças já é difícil. No Dia das Crianças ou no final de ano, então, é quase impossível. As indústrias de brinquedo se programam para lançar novidades nessas datas justamente para conquistar o desejo dos pequenos, que encaminham suas demandas aos pais. Além das lojas cheias, a insistência dos filhos em comprar tudo e mais um pouco pode fazer alguns pais quererem desistir.
Faça o teste!Você protege seu filho do consumismo?
Descubra se você educa seu filho a lidar com o consumo de maneira equilibrada.
Uma família é incapaz de combater essa indústria que gasta anualmente bilhões de dólares para manipular seus filhos. Fato. A soma delas, no entanto, pode lutar por uma abordagem mais ética desse sistema que induz indivíduos desprovidos de senso crítico a comprar compulsivamente. Além disso, é possível adotar dentro de casa e na escola atitudes para proteger as crianças dos males causados pelo bombardeio publicitário. Impor limites, dialogar e refletir sobre a própria postura como consumidor são algumas das possibilidades.
O que você pode fazer

Toda a sociedade pode contribuir de alguma forma, mas pais e educadores são os principais atores dessa causa por estarem envolvidos diretamente com as principais vítimas dos abusos da publicidade.

Para ler, clique nos itens abaixo:
1. Reflita sobre a própria relação com o consumo
2. Imponha limites e controle o uso da televisão e internet
3. Façam programas juntos que não envolvam consumo
4. Converse com ele sobre a verdadeira função da publicidade
5. Estimule hábitos de alimentação saudáveis
O que a escola pode fazer
Há cinco anos, em meio ao frenesi causado pela proximidade do dia das crianças, a direção da Escola Stagium, de Diadema, São Paulo, sentiu a necessidade de trabalhar o problema do consumismo infantil com seus alunos do ensino infantil e fundamental. 
Para ler, clique nos itens abaixo:
1. Prepare os professores
2. Faça análises em sala de aula para explicar como a publicidade aparece no dia a dia
3. Proponha trabalhos que estimulem o consumo conscienteO modelo de sociedade consumista evoca o pensamento crítico sobre a atuação deste modelo, o público atingido e, portanto, as consequências no desenvolvimento psíquico, social e fisiológico do ser humano como um todo, especificamente na criança, como trata o projeto presente.
O documentário “Criança, a alma do negócio” de Estela Renner, demonstra de forma clara e precisa a realidade do consumismo infantil no cenário brasileiro. Com entrevistas e dinâmicas com pais, professores, especialistas e crianças de diferentes faixas etárias e classes sociais mostra como as crianças são influenciadas pela mídia, como pais e professores sentem e pensam sobre o assunto e como os especialistas avaliam este modelo social. Em uma das dinâmicas com algumas crianças, a entrevistadora coloca duas folhas no chão, cada uma com as palavras: Brincar e Comprar, e a seguir pede para que eles coloquem a mão naquela que mais gosta, e o resultado é a maioria das mãos na folha “Comprar” e uma na outra folha, dizendo: Ninguém gosta de brincar? O documentário se propõe a discutir e avaliar o consumismo infantil, como as crianças são expostas a propagandas (e a mídia em geral) e o quanto são influenciadas por esses meios de comunicação. Demonstra inversão de valores, explicitado por Yves de La Taille, Professor titular do curso de Psicologia da USP, em sua participação no documentário, diz:
“As bonecas de hoje, chamo de boneca, mas deveria ter outro nome porque a boneca de antigamente era um trabalho de maternagem, a menina era mãe da boneca, cuidava como se fosse um filho, um bebê. E hoje em dia, muita das bonecas não é, é projeção, você não é mãe da Barbie”.
Elaine dos Santos, Professora do Ensino público, também no documentário afirma que com a mídia desenfreada, e com a ideologia do “compre, que você será melhor” a criança vai deixando de ser criança, deixa de brincar, de percorrer espaços, construir, imaginar e criar. As meninas vão maquiadas à escola desde os três anos de idade, vão com roupas que não são mais infantis, são roupas que valorizam o corpo, segundo relato de uma aluna. Claudia Armando, pedagoga, relata que as meninas vão de salto alto á escola, que não permitem que elas corram e brinquem naturalmente.
Piaget escreve sobre a importância da brincadeira infantil, dos jogos lúdicos e o quanto são fundamentais para o desenvolvimento intelectual da criança. Ele afirma:
"O jogo é, portanto, sob as suas duas formas essenciais de exercício sensório-motor e de simbolismo, uma assimilação da real à atividade própria, fornecendo a esta seu alimento necessário e transformando o real em função das necessidades múltiplas do eu. Por isso, os métodos ativos de educação das crianças exigem todos que se forneça às crianças um material conveniente, a fim de que, jogando, elas cheguem a assimilar as realidades intelectuais que, sem isso, permanecem exteriores à inteligência infantil" (PIAGET, 1976).
Com isto, percebemos que a ideologia consumista rouba a infância, tira da criança uma parte fundamental do seu desenvolvimento. As crianças expostas a este consumo desenfreado deixam de brincar, se comportam como se fossem adultos, e assim são imaturas e seu desenvolvimento é retardado.
A escola, assim como para Piaget e Vygotsky, é a instituição fundamental para todo o desenvolvimento infantil, é o meio de interação e de avanço no desenvolvimento intelectual, afetivo e social da criança. A competição e a desigualdade social são presentes no contexto escolar, aqueles que não se inserem, não se encaixam no imposto pela sociedade é excluído. A criança exposta a este modelo consumista acredita, inconscientemente, que necessita de um objeto para se inserir num grupo. Paradoxalmente, este mesmo objeto é também utilizado como diferenciador entre as pessoas, causando assim exclusão daqueles que não possuem determinado objeto e competição entre os iguais.
Segundo a Associação Dietética Norte Americana Borzekowiski Robinson, bastam apenas trinta segundos para uma marca influenciar uma criança. No Brasil, diferentemente de outros países como Suécia, Inglaterra, Bélgica, Estados Unidos, Alemanha, Canadá, Dinamarca, Irlanda, Holanda, Áustria, Itália, Grécia, Portugal e Noruega, não há nenhum regulamento que limite a publicidade dirigida ás crianças. Não há nenhum controle, ou seja, a publicidade é livre para visar apenas os lucros, sem ética e sem proteção á criança.
João José Werzbitzki escreve em seu blog (Blog do JJ Publicidade & Marketing) sobre o Neuromarketing, e conceitua: O Neuromarketing é um novo campo do marketing que visa compreender o comportamento do consumidor, os desejos, impulsos e motivações das pessoas através do estudo das reações neurológicas a determinados estímulos externos. É ainda uma nova ciência que busca, ainda mais, prever e controlar o comportamento do homem diante da publicidade.
Diante de pesquisas, como a do jornal acadêmico Neuron, da Baylor College of Medicine, em Houston, Texas. Realizaram um experimento com os refrigerantes Pepsi e Cola-Cola, que consistia em dois momentos distintos, o primeiro os experimentadores beberam os refrigerantes sem saber a marca das bebidas, e depois foi perguntado qual era o melhor, e a maioria respondeu Pepsi. Já em outro momento, no qual tinham conhecimento da marca, a maioria respondeu que Coca-Cola era o melhor. Ou seja, o resultado leva a crer que a preferência estava relacionada com a identificação da marca e não com o sabor. Diante deste exemplo, compreendemos as embalagens de bolachas, salgadinhos, refrigerantes, entre outros, que são dirigidos para as crianças, com desenhos animados, coloridos, etc. Estes alimentos chamam a atenção da criança não só pelo sabor, mas principalmente pela sua embalagem, pela sua marca.
O cenário brasileiro se encontra em completa inversão de papeis, a realidade adulta torna-se também realidade infantil, e assim segue roubando a infância ou tornando-a mais complexa e dificultando seu desenvolvimento, como por exemplo, estimulando a obesidade infantil, erotização precoce, consumo precoce de tabaco e álcool, estresse familiar, banalização da agressividade e violência, estimulando a competição e a desigualdade social. De acordo com a perspectiva sócio-histórica de Vygotsky, o homem é produto da interação social. É preciso, portanto, de uma reestruturação no cenário social brasileiro.

Fonte: https://psicologado.com/psicologia-geral/desenvolvimento-humano/consumismo-infantil © Psicologado.com

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