domingo, 3 de janeiro de 2016

DEMENCIA

São vários os fatores que podem desencadear esse problema, mas alguns casos são reversíveis
Alterações de comportamento, depressã​o, confusão mental e perda da capacidade de executar tarefas rotineiras. Às vezes tidos como inerentes à velhice, esses sinais jamais devem ser negligenciados, pois podem ser as primeiras ​manifestações de demência, distúrbio caracterizado pela perda progressiva das capacidades cognitivas.
Vários fatores podem desencadear a demência. O mais conhecido – e temido – é o Alzheimer, que responde por mais de 50% dos casos. Associada à deterioração progressiva da memória, a doença evolui para outros prejuízos cognitivos, alterações de comportamento e incapacidades. Trata-se de um problema irreversível, tratado com medicamentos que permitem apenas desacelerar o processo.
Mas há inúmeras outras causas de demência. Depois do Alzheimer, as demências vasculares são as mais prevalentes no Brasil e outros países em desenvolvimento. Associadas aos mesmos fatores de risco cardiovasculares (gordura, diabetes, colesterol, cigarro, sedentarismo etc.), elas derivam do comprometimento da circulação sanguínea no cérebro. O processo pode afetar diversas partes e funções do órgão.
Agir sobre as causas do problema vascular é o caminho para estancar a evolução desse tipo de demência. No entanto, a área cerebral lesionada jamais se recupera. Os danos associados a ela permanecerão, podendo ser minimizados por meio de atividades de reabilitação, principalmente nas fases iniciais.

Medicamentos​

Não há drogas específicas para o tratamento das demências vasculares. Todavia, em vários casos, é comum o emprego das mesmas medicações usadas para o Alzheimer, que melhoram a disponibilidade do neurotransmissor acetilcolina no cérebro. Apesar de terem mecanismos etiológicos diferentes, a demência vascular e o Alzheimer apresentam deficits desse neurotransmissor, que funciona como peça fundamental na comunicação entre os neurônios.
Nos estágios mais avançados, tanto as demências vasculares como o Alzheimer apresentam sintomas semelhantes. Mas a evolução é diferenciada. “O Alzheimer tem uma evolução lenta e progressiva. Já a demência vascular tem patamares de estabilizações e de pioras decorrentes das obstruções dos vasos”, explica o Dr. Ivan Hideyo Okamoto, neurologista e coordenador do Núcleo de Excelência em Memória do Einstein. “No Alzheimer é como se você estivesse descendo uma rampa. Na demência vascular é uma escada. O indivíduo pode ficar estacionado num degrau muito tempo e, de repente, pode descer muito rápido”, compara a Dra. Maysa Seabra Cendoroglo, geriatra do Einstein.
Ela lembra que também é alta a incidência de demências mistas, frutos da ação conjunta do Alzheimer e dos problemas vasculares, o que potencializa os efeitos negativos. “Seria como se o paciente descesse progressivamente uma rampa intercalada por degraus abruptos”.

Outras demências

Dentre as muitas outras causas de sintomas de demência, há algumas reversíveis, como as relacionadas com hipotireoidismo, infecções por sífilis, hidrocefalia de pressão compensada (há aumento da pressão intracraniana) e deficiência de vitamina B12, entre outras. Quanto mais precoce for o tratamento do problema, maiores são as chances de desaparecimento dos sintomas.
Infelizmente, ainda é longa a lista dos quadros demenciais com suas próprias etiologias (muitas delas desconhecidas) e formas de manifestação. A demência de Lewy, por exemplo, de grande incidência nos países desenvolvidos, é caracterizada por um declínio clínico acelerado e pela associação com parkinsonismo precoce, entre outros fatores. Já na demência de Pick (ou doença de Pick) e nas demências frontotemporais, alterações de comportamento e de personalidade são sintomas marcantes.
“As demências frontotemporais são mais comuns em pessoas mais jovens. Em pacientes com menos de 60 anos, ela se torna a segunda causa depois do Alzheimer. Ou seja, afeta indivíduos que ainda têm uma vida profissional e social bastante ativa”, afirma o Dr. Ivan. “Com a doença, começam aparecer alterações de comportamento, como agressividade, apatia, depressão, desinibição... De repente, a pessoa pode tirar a roupa em um local público ou simplesmente ficar horas sentada na frente da televisão mesmo ela estando desligada”, exemplifica o neurologista.

Diagnóstico

Sejam quais forem as etiologias associadas aos quadros demenciais, os médicos contam com critérios clínicos bem definidos para o diagnóstico. São avaliados aspectos cognitivos e comportamentais, que prejudicam as atividades rotineiras, declínio em relação a níveis prévios de funcionalidade e desempenho, e demais sintomas que não são explicados por outras doenças psiquiátricas.
Além do exame e da entrevista (anamnese) do paciente, são importantes as informações fornecidas pelos familiares ou acompanhantes. E quando o breve exame cognitivo realizado pelo médico não for conclusivo, é solicitada uma avaliação neuropsicológica. Para configurar demência, os deficits cognitivos e comportamentais precisam afetar pelo menos dois dos seguintes domínios: memória, funções executivas, habilidades visoespaciais, linguagem e personalidade.
Algumas das ferramentas utilizadas pelos especialistas são a Escala de Atividades Instrumentais de Vida Diária e a Escala de Atividades Básicas de Vida Diária. “Com isso, a queixa do paciente é transformada em números para compararmos se aquilo está dentro ou fora do padrão esperado para a idade”, informa o Dr. Ivan, destacando ainda a importância de conhecer o histórico de evolução da doença para fazer o diagnóstico.
A Dra. Maysa ressalta que, na investigação diagnóstica, um ponto relevante é distinguir demência e depressão, além de saber se os dois males estão associados. A depressão pode, sim, ser uma das primeiras manifestações da demência. Mas o paciente com depressão também pode apresentar sintomas que são confundidos com demência. “O fato de a depressão ter sido diagnosticada não afasta completamente a possibilidade de existência de uma demência. É preciso tratar a depressão e, depois, reavaliar o paciente do ponto de vista da cognição para afastar a suspeita de quadro demencial associado”, afirma a geriatra.
A médica ressalta, ainda, a importância do suporte familiar. “O paciente demenciado não adoece sozinho. A família também precisa ser amparada e contar com o apoio de profissionais para ajudar a assegurar a qualidade de vida do paciente. Pessoas com demência que se sentem seguras e amparadas têm uma evolução da doença menos complicada”, diz a Dra. Maysa.
Qualquer que seja a causa da demência, o diagnóstico precoce faz a diferença. Daí a importância de estar atento a sinais que, absolutamente, não são comuns à idade, e buscar ajuda médica, em geral um geriatra, neurologista ou psiquiatra. Quanto mais cedo identificado o problema, maiores as chances de sucesso no tratamento – seja nos casos reversíveis, seja naqueles em que a medicina, por enquanto, consegue apenas minorar o problema.Demência é um termo que choca a grande maioria dos leigos que o associa à ideia de loucura. Em medicina, porém, a palavra demência tem significado diferente. Ela é empregada para definir quadros que se caracterizam por deficiência cognitiva persistente e progressiva. Essa falta interfere nas atividades rotineiras do indivíduo, embora ele custe a perder a consciência do mundo que o cerca.
Algumas doenças podem apresentar manifestações comportamentais características da demência. Nesse caso, o diagnóstico diferencial é de extrema importância, porque elas são passíveis de tratamento e o indivíduo retoma a vida normal.
Demência ainda não tem cura, mas tem tratamento que pode retardar a evolução do processo.
CONCEITO DE DEMÊNCIA

Drauzio  Qual o conceito de demência em medicina?
Ricardo Nitrini – Demência é uma síndrome resultante do declínio progressivo da capacidade intelectual do indivíduo. Caracteriza-se pela perda da capacidade de memorizar, de resolver os problemas do dia a dia, o que interfere em seus relacionamentos e atividades sociais e profissionais.
Drauzio – De modo geral, as demências não se instalam abruptamente. A instalação pode ser insidiosa e os familiares, às vezes, demoram para perceber o que está acontecendo. Alguns déficits cognitivos que o doente apresenta são interpretados como distração ou sintomas próprios da idade mais avançada. O que deve chamar a atenção da família, quando uma pessoa está entrando num processo demencial? 
Ricardo Nitrini – É relativamente comum o indivíduo, especialmente quando se aposenta ou abandona parte de suas atividades, mostrar-se desinteressado por tudo aquilo que fazia antes. A família encontra explicações para a mudança de atitude no afastamento do trabalho. No entanto, é preciso observar se estão ocorrendo distúrbios na capacidade de formar novas memórias, ou seja, de memorizar fatos novos, uma vez que o sintoma inicial mais comum da Doença de Alzheimer é a dificuldade de memorização: o paciente não retém recados, repete várias vezes a mesma pergunta e não consegue fixar informações.
O caso merece atenção especial e o paciente deve ser levado ao médico quando perde o interesse por tudo, mesmo que a memória não esteja falhando, porque as síndromes depressivas podem confundir-se com as síndromes demenciais. Jovem deprimido perde o interesse sexual, por atividades lúdicas, pelo esporte. O idoso deprimido manifesta fundamentalmente um distúrbio de atenção, de concentração e de memória. Como esses também são sintomas das demências, é bom procurar atendimento para que sejam interpretados adequadamente, pois, como já foi dito, depressão tem tratamento e a pessoa pode voltar à atividade plena.
CAUSAS REVERSÍVEIS DE DEMÊNCIA

Drauzio – Você abordou a semelhança de sintomas nas síndromes depressivas e nas demenciais. Outros problemas clínicos podem provocar quadros difíceis de distinguir das demências? 
Ricardo Nitrini – Existem quadros de demências reversíveis com sintomas semelhantes aos da síndrome demencial que, com tratamento específico, regridem e o paciente volta ao normal. Diversos estudos demonstraram que, num universo de cem pacientes, 10% seriam portadores de demências potencialmente reversíveis, provocadas por fatores como mau funcionamento da tireoide (quer hipertireoidismo, quer hipotireoidismo), traumas de crânio, coágulos de sangue, hematomas ou por carências nutricionais. No idoso, por exemplo, carência da vitamina B12, fato que ocorre com alguma frequência, não só pode ser responsável pela síndrome demencial como pode agravá-la. Se por acaso houver declínio real da cognição e concomitantemente anemia, o desempenho do paciente piorará muito.
Por isso, é muito importante considerar todas as demências como potencialmente reversíveis. O médico tem a obrigação de descartar as causas reversíveis da doença. No passado, a mais comum era a sífilis. No Juqueri, sanatório psiquiátrico de São Paulo, era enorme o número de pacientes internados com quadros de demência provocada pela sífilis. Hoje, esses casos são mais raros, especialmente se o diagnóstico for feito precocemente.
Drauzio – Como os distúrbios da tireoide – tanto o hipotireoidismo quanto o hipertireoidismo – interferem com o funcionamento do cérebro?
Ricardo Nitrini – Seguramente os neurônios, ou seja, as células nervosas, têm receptores para os hormônios circulantes e isso acaba produzindo impacto importante no funcionamento do sistema nervoso central. Entre as manifestações do hipertireodismo, por exemplo, estão as mudanças de humor e as crises de irritabilidade, sintomas que podem ocorrer também nos casos de demência.
USO DE MEDICAMENTOS

Drauzio  Você falou que todo quadro de demência deve ser tratado como reversível até que se prove o contrário. Pessoas de idade, muitas vezes, tomam diversos medicamentos. É remédio para pressão, para diabetes, para o colesterol, etc. Existe alguma relação entre uso de medicação e aparecimento de demências?
Ricardo Nitrini – O uso de alguns medicamentos pode ser causa importante do comprometimento das funções intelectuais. Por exemplo, largamente utilizados pela população idosa, os remédios contra a vertigem exercem forte impacto sobre a memória. A pessoa sente tontura, o médico prescreve um medicamento que ela continua tomando por tempo indeterminado. Da mesma forma, remédios que agem sobre a necessidade premente para urinar podem ter efeito negativo sobre a cognição, sobre a capacidade intelectual.
Outro lado do problema está na quantidade de medicamentos que os idosos acabam tomando. Não é raro passarem por vários especialistas, cada um prescrever um tipo específico de medicação e procurar não mexer na prescrição do colega. Como consequência, os idosos acabam tomando diversos remédios que interagem e podem provocar distúrbios de vários tipos, entre eles o déficit cognitivo.
DEMÊNCIA FRONTOTEMPORAL

Drauzio – Você falou das doenças clínicas que podem estar associadas à demência e que tratadas fazem reverter o quadro e dos medicamentos, que também podem provocar síndromes demências. No entanto, há quadros que se instalam sem que façamos ideia do porquê. É o caso da doença de Alzheimer, responsável pela imagem clássica da pessoa que começa perdendo a memória e, depois, a capacidade de relacionar-se com o meio. Mas, essa não é a única doença que afeta a capacidade cognitiva. Você poderia falar sobre elas?
Ricardo Nitrini – A doença de Alzheimer é a mais comum de todas. Talvez 60% ou 70% dos casos de demência sejam decorrentes dessa enfermidade, mas existem algumas outras, tão graves quanto o Alzheimer e com sintomas parecidos.
Entre elas está a demência frontotemporal, uma doença também degenerativa de causa ignorada, que provoca alterações de comportamento muito próximas daquilo que o leigo entende convencionalmente por demência. O paciente começa a manifestar um comportamento diferente do que tinha até então. É o caso do profissional liberal muito sério e compenetrado, de pouca conversa, que passa a beber, a fazer comentários inadequados e a tomar atitudes inconvenientes até do ponto de vista sexual. Encontrei um familiar que diante desses pequenos deslizes definiu bem a situação: “Quem não o conhecia antes, não percebe nada; mas quem o conhecia, não o reconhece mais tal a mudança de personalidade por que passou”.
Embora as mudanças de personalidade chamem mais atenção, há também um comprometimento intelectual importante. Nesses casos, em geral, os pacientes recorrem a um psiquiatra. O tratamento ajuda a melhorar o comportamento e as relações sociais, mas não consegue interferir na evolução da doença, que lamentavelmente ainda não é bem conhecida.
A doença frontotemporal corresponde de 5% a 10% dos casos de demência. Afeta indivíduos em torno dos 50 ou 60 anos e é muito parecida com a neuro-sífilis, uma doença mais comum no passado, que também afetava as regiões frontotemporais e provocava alterações de personalidade.
DEMÊNCIA COM CORPOS DE LEWY
Drauzio – Você poderia explicar o que é a Demência com corpos de Lewy? 
Ricardo Nitrini – Outra doença frequente é a demência com corpos de Lewy, uma forma de degeneração marcada por grandes oscilações no desempenho do dia a dia. Num momento, o indivíduo aparentemente está bem, mas minutos ou horas depois apresenta estado de confusão mental, mostra-se sonolento ou incapaz de responder perguntas que respondera algumas horas antes. Essas grandes oscilações acompanhadas por alucinações visuais – a pessoa começa a ver coisas que não existem – merecem atenção especial, porque o tratamento é possível, embora difícil e a melhora menos expressiva.
DEMÊNCIA VASCULAR

Drauzio – No passado, quando as pessoas apresentavam sinais de demência, diziam que elas estavam esclerosadas.
Ricardo Nitrini – O conceito de esclerose e esclerosado é antigo e queria dizer que o individuo era tão velho quanto suas artérias. Na verdade, se achava que a origem do fenômeno demencial era vascular, o que de fato pode acontecer.
Hoje se sabe que a demência vascular, depois do Alzheimer, talvez seja a causa mais importante de demência. Ela se caracteriza por múltiplos infartos que vão ocorrendo no cérebro ao longo da vida do indivíduo, que tem uma pequena isquemia, depois outra e mais outra. Essas alterações vão se somando como que em degraus e estão associadas a uma história de declínio da competência cognitiva.
Drauzio – O paciente tem uma crise e estabiliza, porém sempre num patamar mais baixo do que se encontrava antes.
Ricardo Nitrini – Exatamente. Às vezes, os infartos são grandes, evidentes, porque a pessoa fica com um dos lados do corpo paralisado, a boca torta. Às vezes, são pequenos episódios. O indivíduo não se levanta de manhã no horário habitual, passa o dia sonolento, mas vai melhorando e ninguém fica sabendo que a causa daquela indisposição foi uma pequena isquemia, um pequeno derrame cerebral.
É possível evitar a repetição desses episódios que podem ser causa de demência vascular com o controle dos níveis de colesterol e de glicemia, da obesidade, com a prática de atividade física e se a pessoa parar de fumar.
O sistema nervoso central tem capacidade de reorganizar-se depois de uma lesão. Não diria que o problema seja reversível, mas é tratável e há como interferir para que não progrida. Se não mais ocorrerem acidentes vasculares, o indivíduo se estabiliza e pode recuperar-se satisfatoriamente.
Drauzio  Nem sempre a demência tem relação com a arteriosclerose, aliás, na maior parte das vezes não tem relação nenhuma.
Ricardo Nitrini – Na maior parte das vezes, não tem. Portanto, esse conceito de esclerose como sinônimo de demência não tem fundamentação científica, é quase um termo popular.
DIAGNÓSTICO E ORIENTAÇÕES

Drauzio – Por tudo que você disse, estabelecer um diagnóstico diferencial das demências é muito importante.
Ricardo Nitrini – Hoje, a grande preocupação é buscar métodos para fazer o diagnóstico o mais depressa possível. Mesmo para a doença de Alzheimer, cujos recursos para tratamento ainda são pobres, o diagnóstico precoce permite adotar uma série de medidas que retardam a dependência total do indivíduo e mantém sua qualidade de vida por mais tempo.
Drauzio – Como quem apresenta demência acaba se tornando dependente dos familiares, qual a orientação que você dá para as pessoas que têm um caso desses na família?
Ricardo Nitrini – Tudo depende da fase em que o paciente se encontra. Nas fases iniciais em que o distúrbio principal é a memorização, a orientação de um profissional de saúde pode ajudar bastante. Por exemplo, se o paciente anotar na agenda todos os compromissos e atividades do dia a dia, seu desempenho vai melhorar muito. Além dos remédios que deve tomar, ele precisa aprender a conviver com a dificuldade e a contorná-la.
Nas fases mais avançadas, quando se torna dependente, quem precisa de orientação é a família. Ela precisa saber como deve tratar esse indivíduo e como enfrentar uma situação, muitas vezes, dramática. À medida que a doença evolui, a orientação é fundamentalmente de enfermagem visando ao tratamento de um paciente crônico-dependente. São cuidados gerais em relação à pele, ao funcionamento do intestino e da micção, entre outros. Atualmente se considera que o acompanhamento desses pacientes exige o apoio multidisciplinar de enfermeiras, psicólogos, terapeutas ocupacionais que se encarregam de orientar a família com informações que podem melhorar a qualidade de vida dos pacientes.
Drauzio – Vejo esse problema com a maior preocupação. Há famílias que não têm condição de cuidar do parente que envelheceu. São poucos e precisam trabalhar. Você acha que existe infraestrutura clínica para cuidar desses doentes que não podem contar com apoio familiar?
Ricardo Nitrini – Lamentavelmente não existe infraestrutura para isso. O tratamento dessas pessoas fica por conta da própria família. Nem na rede pública, nem na de convênios, é dado atendimento aos portadores de doenças degenerativas o que, na minha opinião, é um grande erro.
Hoje, as famílias estão cada vez menores e não contam com número suficiente de pessoas que poderiam revezar-se nos cuidados ao doente. Na grande maioria, são apenas um ou dois filhos responsáveis pelo tratamento e custa caríssimo manter o idoso numa instituição que se encarregue de alimentá-lo, dar-lhe banho e oferecer-lhe os demais cuidados necessários. Portanto, é preciso que a rede pública e os serviços de saúde estejam informados. Esses pacientes vão exigir cada vez mais atenção e assistência a menos que se descubra, nos próximos anos, alguma coisa que possa, se não impedir a ocorrência, pelo menos retardar o aparecimento dessas doenças.
A tendência atual é que ela se manifeste por volta dos 75/85 anos. Se conseguirmos adiar seu aparecimento por dez anos, teremos um número muito menor de portadores de síndromes demenciais. Enquanto isso não acontece, as entidades médicas, públicas e sociais, têm de preocupar-se porque a prevalência dessas enfermidades vai aumentar. Ao contrário do que acontecia antigamente, as pessoas estão vivendo mais e tendo à disposição recursos que as ajudam a vencer doenças que antes eram fatais.
PREVENÇÃO DAS DEMÊNCIAS 

Drauzio  O pior dessas demências é a sensação de inexorabilidade que as cerca. Posso me defender de um infarto do miocárdio praticando exercícios, não fumando, controlando o nível das gorduras e do açúcar, etc. Em relação às demências , há algo que pode ser feito para impedir ou retardar seu aparecimento? 
Ricardo Nitrini – Alguns estudos recentes têm demonstrado que os cuidados para prevenir o infarto do miocárdio são os mesmos indicados na prevenção de doenças como a de Alzheimer. Sabe-se que indivíduos com níveis baixos de colesterol durante a idade adulta têm menor risco de desenvolver Alzheimer e que a hipertensão é fator que favorece o aparecimento da doença demencial.
Outros estudos mostram que provavelmente a associação de vitamina E com a vitamina C pode retardar o aparecimento da doença de Alzheimer. A esperança é que, no futuro, existam mais recursos à disposição para serem adotados a partir dos 30 anos, uma vez que essas doenças se manifestam tardiamente, mas começam a instalar-se cedo.
ATIVIDADE INTELECTUAL E DEMÊNCIA

Drauzio – Existe relação entre atividade intelectual e demência?
Ricardo Nitrini – Estudos mostram que indivíduos que mantêm a atividade intelectual depois que se aposentam apresentam menor risco de desenvolver essas doenças.
Existe certa dificuldade técnica para fazer essa análise. Quando se diz que uma pessoa a partir dos 65 anos começou a desinteressar-se de tudo, não lia mais nem os jornais e que aos 72 manifestou um quadro de demência, a pergunta é se aos 65 já não teria um comprometimento demencial leve que provocou o desinteresse.
Não temos como saber o que veio primeiro, mas não há dúvida de que a atividade intelectual diminui o risco de demência. O indivíduo bem preparado intelectualmente conta com mais maneiras de resolver um problema. Por exemplo, se não lembra uma palavra durante a conversa, pode valer-se de outra, porque seu repertório é amplo. Já aquele que aprendeu pouco, se esquece uma palavra, não conhece outra para substituí-la e deixa de comunicar-se.
Portanto, pessoas com escolaridade maior, que leram mais ao longo da vida e não só quando ficaram idosos, são de menor risco. Mesmo quando a doença já está instalada, pode demorar anos para ficar evidente nos mais preparados.
No Brasil, o preocupante é o número de analfabetos e analfabetos funcionais, especialmente entre os idosos, que não tiveram a menor chance de aprendizagem sistematizada. Quando se deparam com um problema, como só conhecem uma estratégia de solução, não conseguem contorná-lo. Esses indivíduos correm risco mais sério de demência.

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