domingo, 27 de março de 2016

LOTEAMENTO

As expressões "loteamento", "desmembramento", "desdobro", "loteamento fechado", "condomínio geral", "condomínio edilício", "condomínio horizontal de lotes" e "condomínio urbanístico" têm suscitado grande interesse na comunidade jurídica atuante no ramo do Direito Urbanístico, notadamente em virtude das inovações legislativas e, sobretudo, daquelas operadas na realidade fática. As normas jurídicas, historicamente, vêm a reboque dos fatos, juridicizando-os quando necessário. Daí a iniciativa de escrever o presente artigo, que não tem a pretensão de ser exaustivo, mas sim objetiva aduzir algumas noções básicas e, principalmente, facilitar a diferenciação entre os mencionados institutos.

II. LOTEAMENTO E DESMEMBRAMENTO

Segundo a Lei Federal n.º 6.766/79, o parcelamento do solo urbano somente pode ser levado a efeito mediante loteamento ou desmembramento (artigo 2º, "caput"). O loteamento vem disciplinado no § 1º do seu artigo 2º, que vaticina:"considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes". A diferença básica entre o loteamento e o desmembramento é que neste último há o aproveitamento do sistema viário existente, sem a abertura de novas vias e logradouros públicos, nem prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes (art. 2º, § 2º, da Lei Federal n.º 6.766/79).
De acordo com Rui Geraldo Camargo Viana (in "O Parcelamento do solo urbano". Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1985, p. 51), ao lado do loteamento, caracterizado pelo desenvolvimento ou ampliação de bairros, aumentando o espaço urbano, aparece o conceito de desmembramento. Configura desmembramento o mesmo fenômeno de repartição de terra, desde que operado dentro do sistema urbanístico existente, influenciando, apenas, na densidade de ocupação dos espaços já urbanizados, não afetando, principalmente, o perfil das vias e logradouros preexistentes.Com o loteamento ou o desmembramento, a gleba parcelada perde sua individualidade e gera lotes com acesso direto a via ou logradouro público. Não há, na legislação federal, limite máximo de área a ser objeto de parcelamento do solo. Tal limite, no entanto, poderá ser estabelecido pela legislação estadual ou municipal, modo a atender às peculiaridades regionais e locais (art. 1º, parágrafo único, da Lei Federal n.º 6.766/79).

III. DESDOBRO, FRACIONAMENTO OU DESMEMBRAMENTO

O desmembramento, a seu turno, diferencia-se da figura do desdobro (ou fracionamento), na medida em que este último, espécie de parcelamento não contemplado na Lei Federal n.º 6.766/79 (mas aceito pela Corregedoria-Geral da Justiça/RS – vide art. 1º do Provimento n.º 28/2004, que instituiu o Projeto More Legal 3), é doutrinariamente aceito se previsto em lei municipal de regência. O desdobro, vale dizer, é a divisão da área do lote para formação de novo ou de novos lotes. Estes devem atender às exigências mínimas de dimensionamento e índices urbanísticos para sua edificação.
Admite-se, pois, conceber, ao lado do conceito de desmembramento, a idéia de desdobro, ocorrente em casos de repartição de lote existente, sem preocupações de urbanização ou venda por oferta pública.
Com relação ao desdobro (ou fracionamento), para exemplificar, ocorre o seguinte: se um terreno de 6.000 m² for desmembrado em dez (10) partes iguais, na mesma quadra, cada lote possuirá 600 m² – por óbvio –. Se o mínimo módulo urbano do município for 300 m², por exemplo, admite-se o desdobro de cada lote de 600m² em dois de 300 m². Esta é a diferença entre desmembramento e desdobro: o primeiro é a subdivisão da gleba; o segundo, do lote.
O desdobro, assim como o desmembramento e o loteamento, necessita ser aprovado pela municipalidade, bem como deve estar previsto em lei municipal, pois a Lei Federal n.º 6.766/79 não o disciplina. O registro do desmembramento e do loteamento, diga-se, é sempre obrigatório (art. 18 da Lei Federal n.º 6.766/79). Já com relação ao registro do desdobro (ou desdobramento), o art. 18 da Lei Federal n.º 6.766/79 nada dispõe a respeito, pois trata apenas de loteamento e desmembramento. Com efeito, dispõe o artigo 429 da Consolidação Normativa Notarial e Registral - CNNR (Provimento n.º 32/2006 da Corregedoria-Geral da Justiça/RS):"Art. 429 - Nas hipóteses de desdobramento de imóveis urbanos e rurais, os Oficiais deverão adotar cautelas no verificar da área, medidas, características e confrontações dos imóveis resultantes, afim de evitar que se façam retificações sem o procedimento legal."
A documentação a ser exigida no caso do desdobro é que será mais flexível, pois o imóvel a ser desdobrado já passou pelo crivo da administração pública quando do anterior desmembramento.
De notar que não tipifica infração penal a realização de desdobro (ou desdobramento), pois os tipos penais previstos no artigo 50 da Lei Federal n.º 6.766/79 dizem apenas e tão somente com o parcelamento em sentido estrito (loteamento e desmembramento), e não com o desdobro, subdivisão de lotes já parcelados. É vedada, como é cediço, a interpretação ampliativa de tipo penal.
Realmente, afigura-se difícil estabelecer, em certos casos, a precisa distinção entre caso de desmembramento, sujeito às formalidades da lei, e o desdobro (ou desdobramento), simples divisão de lote preexistente para a anexação a outro ou formação de nova área. A lei federal, repita-se, não disciplinou o desdobro de lote, embora o admita, tendo deixado ao alvitre do município a fixação das normas e critérios de sua aprovação. Como do desdobro do lote resultam dois ou mais novos lotes, a lei municipal deverá levar em conta a área mínima permissível do lote, fixada na Lei Federal n.º 6.766/79 (art. 4º, inciso II). Assim, por exemplo, a hipótese de um lote cuja área, após o desdobro, resultar em dois lotes com área inferior a 125m², não poderá ser contemplada por Lei Municipal, salvo se for destinada à urbanização específica ou a edificação de conjuntos habitacionais de interesse social, previamente aprovados pelos órgãos públicos competentes. A inobservância do limite mínimo de área dos lotes também poderá ocorrer na hipótese de regularização fundiária pelas regras do Projeto More Legal 3 (artigos 1º e 5º do Provimento n.º 28/2004 da CGJ/RS).

IV. LOTEAMENTO FECHADO

loteamento fechado, figura também não contemplada na Lei Federal n.º 6.766/79 (e em nenhum outro diploma normativo federal), vem surgindo como uma nova realidade no nosso país, sendo admitido se previsto em lei municipal. A doutrina de Hely Lopes Meirelles admite a formação de loteamentos fechados:
"‘Loteamentos especiais’ estão surgindo, principalmente nos arredores das grandes cidades, visando a descongestionar as metrópoles. Para esses loteamentos não há, ainda, legislação superior específica que oriente a sua formação, mas nada impede que os Municípios editem normas urbanísticas locais adequadas a essas urbanizações. E tais são os denominados ‘loteamentos fechados’, ‘loteamentos integrados’, ‘loteamentos em condomínio’, com ingresso só permitido aos moradores e pessoas por eles autorizadas e com equipamentos e serviços urbanos próprios, para auto-suficiência da comunidade. Essas modalidades merecem prosperar. Todavia, impõe-se um regramento legal prévio para disciplinar o sistema de vias internas (que em tais casos não são bens públicos de uso comum do povo) e os encargos de segurança, higiene e conservação das áreas comuns e dos equipamentos de uso coletivo dos moradores, que tanto podem ficar com a Prefeitura como com os dirigentes do núcleo, mediante convenção contratual e remuneração dos serviços por preço ou taxa, conforme o caso" (in "Direito Municipal Brasileiro", 11ª ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 468/469).
No Estado do Rio Grande do Sul, há apenas um precedente sobre o tema, em virtude da Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Procurador-Geral de Justiça em face da Lei Complementar n.º 246, de 06 de dezembro de 2005, do Município de Caxias do Sul, que, no seu Capítulo VIII, prevê a figura do loteamento fechado. O referido precedente jurisprudencial admite a instituição de loteamento fechado, quando previsto em lei municipal, como uma nova espécie de loteamento, produto híbrido resultante do "cruzamento" do condomínio edilício horizontal do artigo 8º da Lei Federal n.º 4.591/64, com o parcelamento regulado pela Lei Federal n.º 6.766/79. Refiro-me à Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 70.014.703.193, julgada no dia 02 de outubro de 2006 pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. O "decisum" já transitou em julgado, diga-se, e restou assim ementado:

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