A farinha de mandioca é um dos componentes essenciais da dieta da população brasileira, notadamente das regiões Norte e Nordeste. A partir da raiz da mandioca (Manihot esculenta) são produzidas as farinhas seca, d'água e mista, a goma ou fécula, o tucupi e a farinha de tapioca. O processamento da raiz da mandioca é frequentemente realizado segundo métodos tradicionais, herdados dos indígenas, que foram os primeiros cultivadores da espécie. No entanto, a transformação industrial vem aumentando.[1]
Índice
[esconder]História[editar | editar código-fonte]
Datam de dois mil anos os primeiros vestígios de pilões para moagem de mandioca no Brasil. A tecnologia de transformação de raízes de mandioca em farinha é tradicional no Brasil e se mantém sobretudo na região Amazônica e no Nordeste. É realizada em pequenas unidades artesanais rurais, conhecidas como casas de farinha, com a utilização de equipamentos rústicos e mão de obra familiar ou de colaboradores locais.[2]
A farinha de mandioca é ingrediente usado na fabricação de vários alimentos, entre os quais o beiju, conhecido pelos índios como mbyú, muito apreciado na região Nordeste do Brasil, farofa, pirão e em uma grande quantidade de receitas da culinária brasileira. Já em 1551, o padre jesuíta Manuel da Nóbrega, escrevendo sobre sua visita a Pernambuco, referia-se ao beiju e às farinhas fabricados pelos indígenas. Noperíodo colonial, a farinha de mandioca tornou-se parte da alimentação dos escravos e criados das fazendas e engenhos, além de usualmente compor o farnel dos viajantes portugueses. Em algumas regiões, objetivando tornar o alimento menos perecível, misturava-se a farinha de mandioca com a farinha de peixe seco, socada em pilão.[3]
A casa de farinha[editar | editar código-fonte]
Depois da colheita da raiz, a mandioca é levada direto da roça para a casa de farinha, onde é descascada e colocada na água para amolecer e fermentar ou pubar. Em seguida, é triturada ou ralada em pilão ou no ralador (caititu). A mandioca ralada vai caindo em um cocho, sendo depois prensada no tipiti (tipi = espremer e ti = líquido, na língua tupi) para retirar um líquido venenoso chamado manipuera ou manipueira, resultante da fermentação. Depois de peneirada e torrada, a farinha está pronta para o consumo.[3]
Já a massa da mandioca, que decanta durante a pubagem (fermentação), é utilizada como goma, para passar roupas, ou para a fabricação de alimentos, como mingaus, papas, sequilhos, bolos e tapioca.
Na casa de farinha as tarefas são divididas: geralmente, os homens são responsáveis pelo processo de arrancar a mandioca da roça e transportá-la para a casa de farinha. As mulheres e as crianças raspam os tubérculos e extraem o amido ou polvilho. O trabalho se estende pela noite, quando acontecem as chamadas farinhadas. Aparecem os sanfoneiros, violeiros, dançadores e entre goles de cachaça, café com beiju e muita alegria, o trabalho continua a noite inteira.[3]
Fases da fabricação da farinha de mandioca[editar | editar código-fonte]
Pode-se dividir em nove fases a fabricação da farinha: plantação; colheita; transportes; limpeza; ralação; prensagem; esfarelamento; peneiração; torragem.
Plantação: a melhor época para o plantio é o início da época mais chuvosa. Na maioria da região sudeste brasileiro deve-se plantar a muda no início do mês de janeiro;
Colheita: para o melhor rendimento e para a melhor qualidade da mandioca, a colheita deve ocorrer entre 1 ano e 4 meses até 1 ano e 8 meses após o plantio.
Transportes: a mandioca fermenta com grande facilidade em temperatura ambiente após a colheita e sendo usado a torragem ou a refrigeração para evitar a fermentação. O prazo limite para evitar o início da fermentação é de 48 horas, pois em condições de maior calor ou umidade o prazo pode ser reduzido, e a mandioca escurece (início da fermentação).
Sendo que este prazo tem grande peso nos cálculos de logística, necessitando uma reflexão mais profunda sobre as distâncias entre o local da colheita, o local da distribuição (feira livre) e do processamento (casa de farinha).
A higiene do local de trabalho, das ferramentas e implementos, dos trabalhadores e do local de armazenamento e transporte são necessários para obter uma farinha de qualidade, lembrando que em áreas ruraisdeve-se redobrar a preocupação com os roedores e insetos.
Limpeza: a raiz necessita de limpeza por dois motivos principais, para a diminuição dos agentes produtores de ácido cianídrico (HCN) e para a retirada de terra.
A lavagem com água corrente e limpa é necessária para a retirada da terra encrostada na raiz e de possíveis contaminações vinda do solo.
Após a lavagem, deve-se descascar a mandioca, para a retirada das fibras da casca e de parte do veneno. A linamarina e a etil-metil-cetona-cianidrina encontrados na principalmente na casca da raiz e na folha da mandioca, sofrem hidrólise durante a digestão, transformando-se no veneno ácido cianídrico.
Ralação: após a limpeza, as raízes são raladas, formando muitas vezes uma massa empapada.
Prensagem: a massa depois de ralada é comprimida, geralmente com o uso de um tipiti ou com uma prensa de madeira. Nesta fase, o líquido extraído da massa (manipuera ou manipueira ou manipeira), é altamente poluente e tóxico.
Esfarelamento: para evitar a fermentação e o escurecimento da farinha, a prensagem deve ocorrer o mais rápido possível após a ralação, e em seguida deve-se, pelo mesmo motivo, esfarelar a massa compactada o mais rápido possível.
Peneiração: a peneiração separa os fragmentos menores dos maiores, homogenizando a gramatura da farinha, assim proporcionando melhor qualidade. Os fragmentos retidos na peneira são chamados decrueira.
Torragem: A massa após passar pela peneiração é colocada no forno para a retirada da umidade, sendo mexida constantemente pelo forneiro (farinheiro).
Para evitar a contaminação e a fermentação, aconselha-se que as fases de limpeza, ralação, prensagem, esfarelamento, peneiração e torragem sejam no mesmo ambiente.
A granulação da farinha, a temperatura do forno, o tempo de exposição da farinha no forno, e a técnica de mexer a farinha são os principais fatores que influenciam o tipo produzido. O sabor e a consistência de cada tipo variam principalmente pela granulação da farinha, pela quantidade de amido e pelo estado de secagem (torração) da farinha.
Equipamento[editar | editar código-fonte]
Os utensílios mais comumente utilizados na fabricação da farinha são:
- Caçuá: grande cesto de vime ou de cipó, sem tampa e com alças, que são presos às cangalhas para transportar a mandioca da plantação até a casa de farinha;
- Cangalha ou cambito: anteparo de madeira usado no lombo de animais de carga para fixar os caçuás;
- Caititu : a peça principal dos aparelhos de ralar mandioca. Trata-se de um cilindro com pequenas dentes ao qual se adaptam serrilhas metálicas e que tem uma das extremidades em forma de roldana, para, através dela, se imprimir movimento de rotação. Geralmente a massa ralada cai diretamente no cocho;
- Cocho: pedaço de madeira cavada como uma canoa, usado para guardar raízes descascadas, para esmagar a massa antes de passá-la pela prensagem, para guardar a massa ralada e para colocar a farinha torrada.
- Paneiros: cestos de vime ou de cipó usados para guardar a massa ralada;
- Pilão: tipo de cuia grande de madeira onde se coloca a mandioca para ser socada até completar o processo de ralação;
- Prensas: utilizadas para separar o líquido (manipuera) da massa, são geralmente de madeira e acionadas por alavanca ou parafuso;
- Raspador e facas: instrumentos usados para descascar a mandioca;
- Tacho para torragem: grandes pratos ou alguidares de barro ou de ferro colocados dentro do forno para a secagem da massa;
- Tipiti: tipo de cesto comprido, trançado em fibras vegetais, usado para espremer, ao ser fortemente esticado, a massa;
A manipuera[editar | editar código-fonte]
A manipuera, líquido resultante da fermentação da massa de mandioca (pubagem), representa 25% a 35% da raiz de mandioca. A manipuera é rica em cálcio (Ca), cobre (Cu), enxofre (S), ferro, em fósforo (P),magnésio (Mg), nitrogênio (N), potássio (K) e zinco (Zn). No entanto, contém ácido cianídrico, altamente tóxico, razão pela qual o manejo da manipuera deve ser feito com responsabilidade e técnica adequada. Se for lançado no ambiente, esse líquido pode causar danos significativos, poluindo os cursos d'água. No entanto, se passar por fermentação aeróbica, a manipuera pode ser uma fonte de alimento. Pode ser também usada como inseticida natural ou como matéria-prima para vinagre e sabão e adubo orgânico.[4]
A manipueira também tem um alto teor alcoólico. No Pará, esse líquido, depois de ser submetida à ação do sol ou do fogo, para retirar sua toxicidade, é usada no preparo do tucupi, espécie de molho muito apreciado na cozinha amazônica como o famoso pato no tucupi.[3]
Uso da manipuera como fertilizante e defensivo agrícola[editar | editar código-fonte]
Como defensivo deve-se pulverizar manipuera pura nas folhas das árvores e dos arbustos; nas hortaliças e nas gramíneas, a manipuera deve ser pulverizada diluída a 50% . Age como acaricida, bactericida,fungicida, inseticidae nematicida. Misturada a pó de café, pimenta em pó, canela em pó e cravo em pó, há uma grande potencialização dos seus efeitos defensivos.
Deve-se guardá-la em local refrigerado, já que, em temperatura ambiente, a manipuera perde suas características defensivas em até três dias por causa da fermentação. Se utilizada antes do plantio, deve-se pulverizar uma semana antes, repetindo a pluverização de cinco a 10 vezes, uma vez por semana. Para matar formigas e cupins, deve-se aplicar preferencialmente na época da seca, já que as chuvas atrapalham a eficiência, despejando um a três litros de manipuera pura dentro do formigueiro ou do cupinzeiro, tampando os olheiros (saídas) para evitar a fuga das rainhas e facilitar a sufocação. A eficiência é de 70% para a manipuera produzida 24 horas após a ralação e de 100% para manipuera produzida duas horas após a ralação.
Fabricação de vinagre[editar | editar código-fonte]
Para fabricar vinagre passe a manipuera pelo coador de pano três vezes. Deixar o líquido coado descansando ao sol por duas semanas para decantar os sólidos e fermentar o líquido. O decantador não deve ficar fechado. Alguns produtores acrescentam, no início do processo de decantação, ervas aromáticas ou frutas picadas para modificar o sabor do vinagre.
O líquido fermentado deve-se ser retido cuidadosamente para evitar a mistura com os sólidos decantados. Filtrar com um coador de pano novamente e armazenar o vinagre em local seco e arejado.
Fabricação do decantador[editar | editar código-fonte]
Uma sugestão de decantador simples.
Material necessário:
- 1 garrafa PET limpa
- 1 torneira plástica de 1/2"
- 1 rosca de 1/2". Para maiores volumes, use canos e peças de PVC.
Modo de Montagem:
Recorte o topo da garrafa;
Recorte um buraco para encaixar a torneira a 20% da altura aproximadamente;
Encaixe a torneira e rosqueie a rosca.
Ver também[editar | editar código-fonte]
- Alimento
- Adubação
- Agricultura antiga
- Agricultura de jardinagem
- Agricultura integrada
- Agricultura itinerante
- Agricultura natural
- Agricultura orgânica
- Aração
- Biodiversidade
- Colheita
- Conservação de solo
- Ecologia
- Horticultura
- Irrigação
- Pesticidas
- Queimadas
- Reforma agrária
- Rocas
- Rotação de culturas
- Segurança alimentar
Referências
- ↑ Bezerra, Valéria Saldanha Farinhas de Mandioca Seca e Mista. Brasília: Embrapa, 2006.
- ↑ Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa Amapá. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Planejando uma casa de farinha de mandioca
- ↑ ab c d Casa da Farinha. Por Lúcia Gaspar. Fundação Joaquim Nabuco.
- ↑ Fórum da Mandioca: Resíduo tóxico na fabricação da farinha de mandioca tem solução sustentável. Eco4u, 26 de outubro de 2012.
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