Em terras herdadas do padre Cícero, o beato José Lourenço (1872-1946) construiu a Comunidade do Caldeirão. Durante o Estado Novo, a Comunidade, considerada um foco de comunismo, foi destruída. Cerca de mil seguidores de José Lourenço organizaram uma nova comunidade na Serra do Araripe, mas foram perseguidos e massacrados.Cícero Romão Batista (Crato, 24 de março de 1844 — Juazeiro do Norte, 20 de julho de 1934) foi um sacerdote católico brasileiro. Na devoção popular, é conhecido como Padre Cícero ou Padim Ciço.[1] Carismático, obteve grande prestígio e influência sobre a vida social, política e religiosa do Ceará bem como do Nordeste.
Em
julho de
2012, foi eleito um dos "
100 maiores brasileiros de todos os tempos" em concurso realizado pelo
SBT com a
BBC.
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Nascido no interior do
Ceará, era filho de Joaquim Romão Batista e Joaquina Vicência Romana, conhecida como dona Quinô. Ainda aos 6 anos, começou a estudar com o professor Rufino de Alcântara Montezuma.
Um fato importante marcou a sua infância: o voto de castidade feito aos 12 anos, influenciado pela leitura da vida de
São Francisco de Sales.
[4]
Em
1860, foi matriculado no colégio do renomado padre
Inácio de Sousa Rolim, em
Cajazeiras, na
Paraíba. Aí pouco demorou, pois a inesperada morte de seu pai, vítima de
cólera em
1862, obrigou-o a interromper os estudos e voltar para junto da mãe e das irmãs solteiras. A morte do pai, que era pequeno comerciante no Crato, trouxe sérias dificuldades financeiras à família de tal sorte que, mais tarde, em
1865, quando Cícero Romão Batista precisou ingressar no
Seminário da Prainha, em
Fortaleza, só o fez graças à ajuda de seu padrinho de crisma, o coronel Antônio Luís Alves Pequeno.
[4]
Durante o período em que esteve no seminário, Cícero era considerado um aluno mediano e, apesar de anos depois arrebatar multidões com seus sermões, apresentou notas baixas nas disciplinas relacionadas à oratória e eloquência.
[5]
No natal de
1871, convidado pelo professor Simeão Correia de Macedo, o padre Cícero visitou pela primeira vez o povoado de Juazeiro (numa fazenda localizada na povoação de Juazeiro, então pertencente à cidade do Crato), e ali celebrou a tradicional
missa do galo.
O padre visitante, então aos 28 anos, estatura baixa, pele branca, cabelos louros, penetrantes olhos azuis e voz modulada, impressionou os habitantes do lugar. E a recíproca foi verdadeira. Por isso, decorridos alguns meses, exatamente no dia 11 de abril de 1872, lá estava de volta, com bagagem e família, para fixar residência definitiva no Juazeiro.
Muitos livros afirmam que Padre Cícero resolveu fixar morada em Juazeiro devido a um sonho (ou visão) que teve, segundo o qual, certa vez, ao anoitecer de um dia exaustivo, após ter passado horas a fio a confessar as pessoas do arraial, ele procurou descansar no quarto contíguo à sala de aulas da escolinha, onde improvisaram seu alojamento, quando caiu no sono e a visão que mudaria seu destino se revelou. Ele viu, conforme relatou aos amigos íntimos,
Jesus Cristo e os
doze apóstolos sentados à mesa, numa disposição que lembra a
última Ceia, de
Leonardo da Vinci. De repente, adentra ao local uma multidão de pessoas carregando seus parcos pertences em pequenas trouxas, a exemplo dos
retirantesnordestinos. Cristo, virando-se para os famintos, falou da sua decepção com a humanidade, mas disse estar disposto ainda a fazer um último sacrifício para salvar o mundo. Porém, se os homens não se arrependessem depressa, Ele acabaria com tudo de uma vez. Naquele momento, Ele apontou para os pobres e, voltando-se inesperadamente ordenou: -
E você, Padre Cícero, tome conta deles!
Uma vez instalado, foras e viúvas para a organização de uma
irmandade leiga, formada por beatas, sob sua inteira autoridade.
Atuou sempre com zelo na recepção dos imigrarmado por um pequeno aglomerado de casas de taipa e uma capelinha erigida pelo primeiro
capelão-padre Pedro Ribeiro de Carvalho, em honra a
Nossa Senhora das Dores, padroeira do lugar, ele tratou inicialmente de melhorar o aspecto da capelinha, adquirindo várias imagens com as esmolas dadas pelos fiéis.
Depois, tocado pelo ardente desejo de conquistar o povo que lhe fora confiado por Deus, desenvolveu intenso trabalho pastoral com pregação, conselhos e visitas domiciliares, como nunca se tinha visto na região. Dessa maneira, rapidamente ganhou a simpatia dos habitantes, passando a exercer grande liderança na comunidade.
Paralelamente, agindo com muita austeridade, cuidou de moralizar os costumes da população, acabando pessoalmente com os excessos de bebedeira e com a prostituição.
Restaurada a harmonia, o povoado experimentou, então, os passos de crescimento, atraindo gente da vizinhança curiosa por conhecer o novo capelão.
Estátua do Padre Cícero na Serra do Quincuncá em
Farias Brito
No ano de 1889, durante uma missa celebrada pelo padre Cícero, a
hóstia ministrada pelo sacerdote à religiosa
Maria de Araújo se transformou em sangue na boca da religiosa. Segundo relatos, tal fenômeno se repetiu diversas vezes durante cerca de dois anos. Rapidamente espalhou-se a notícia de que acontecera um milagre em Juazeiro.
A pedido de padre Cícero a diocese formou uma comissão de padres e profissionais da área da saúde para investigar o suposto milagre. A comissão tinha como presidente o padre Clycério da Costa e como secretário o padre Francisco Ferreira Antero, contava, ainda, com a participação dos médicos Marcos Rodrigues Madeira e Ildefonso Correia Lima, além do farmacêutico Joaquim Secundo Chaves. Em 13 de outubro de 1891, a comissão encerrou as pesquisas e chegou à conclusão de que não havia explicação natural para os fatos ocorridos, sendo portanto um milagre.
Insatisfeito com o parecer da comissão, o bispo
Dom Joaquim José Vieira nomeou uma nova comissão para investigar o caso, tendo como presidente o padre Alexandrino de Alencar e como secretário o padre Manoel Cândido. A segunda comissão concluiu que não houve milagre, mas sim um
embuste.
Dom Joaquim se posicionou favorável ao segundo parecer e, com base nele, suspendeu as ordens sacerdotais de padre Cícero e determinou que
Maria de Araújo, que viria a morrer em 1914, fosse enclausurada.
Em 1898, padre Cícero foi a
Roma, onde se reuniu com o
Papa Leão XIII e com membros da Congregação do Santo Ofício, conseguindo sua absolvição. No entanto, ao retornar a Juazeiro, a decisão do
Vaticano foi revista e padre Cícero teria sido excomungado, porém, estudos realizados décadas depois pelo bispo
Dom Fernando Panicosugerem que a
excomunhão não chegou a ser aplicada de fato. Atualmente, Dom Fernando conduz o processo de reabilitação do padre Cícero junto ao Vaticano.
Em 13 de dezembro de 2015, Padre Cícero recebeu perdão da Igreja Católica.
[6]
Em 4 de outubro de
1911, o padre Cícero e outros 16 líderes políticos da região se reuniram em Juazeiro e firmaram um acordo de cooperação mútua bem como o compromisso de apoiar o governador
Antônio Pinto Nogueira Accioli. O encontro recebeu a alcunha de
Pacto dos Coronéis, sendo apontado como uma importante passagem na história do
coronelismo brasileiro
[7]
Ao fim dos
anos 20, o padre Cícero começou a perder a sua força política, que praticamente acabou depois da
Revolução de 1930. Seu prestígio como
santo milagreiro, porém, aumentaria cada vez mais.
[8]
Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, era devoto de padre Cícero e respeitava as suas crenças e conselhos. Os dois se encontraram uma única vez, em Juazeiro do Norte, em
1926. Naquele ano, a
Coluna Prestes, liderada por
Luís Carlos Prestes, percorria o interior do Brasil desafiando o Governo Federal. Para combatê-la foram criados os chamados
Batalhões Patrióticos, comandados por líderes regionais que muitas vezes arregimentavam
cangaceiros.
Existem duas versões para o encontro. Na primeira, difundida por Billy Jaynes Chandler, o sacerdote teria convocado Lampião para se juntar ao Batalhão Patriótico de Juazeiro, recebendo em troca, anistia de seus crimes e a patente de Capitão.
[9] Na outra versão, defendida por
Lira Neto e Anildomá Willians, o convite teria sido feito por Floro Bartolomeu sem que padre Cícero soubesse.
O certo é que ao chegarem em Juazeiro, Lampião e os 49 cangaceiros que o acompanhavam, ouviram padre Cícero aconselhá-los a abandonar o cangaço. Como Lampião exigia receber a patente que lhe fora prometida, Pedro de Albuquerque Uchoa, único funcionário público federal no município, escreveu em uma folha de papel que Lampião seria, a partir daquele momento, Capitão e receberia anistia por seus crimes. O bando deixou Juazeiro sem enfrentar a
Coluna Prestes.
O padre Cícero faleceu em
Juazeiro do Norte em
20 de julho de
1934, aos 90 anos, encontrando-se sepultado na Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, na mesma cidade.
Referências
- AQUINO, Pedro Ferreira de. O Santo do Meu Nordeste - Padre Cícero Romão Batista. São Paulo: Ed. Letras & Letras, 1997. ISBN 85-85-387-63-7
- BARBOSA, Geraldo Menezes. Relíquia: o mistério do sangue das hóstias de Juazeiro do Norte. Juazeiro do Norte: Gráfica e Editora Royal, 2004.
- ________________________. A um Sopro do Infinito. Juazeiro do Norte: Realce, 2007.
- CHANDLER, Billy Jaynes. Lampião. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003.
- DELLA CAVA, Ralph. Milagre em Joazeiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
- NETO, Lira. Padre Cícero: Poder, Fé e Guerra no Sertão. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
- NOBRE, Edianne S. O Teatro de Deus: as beatas do Padre Cícero e o espaço sagrado de Juazeiro (1889-1898). Fortaleza: Edições IMEPH/UFC, 2011.
- NOBRE, Edianne S. Incêndios da Alma: A beata Maria de Araújo e a experiência mística no Brasil do Oitocentos. Rio de Janeiro UFRJ, 2014. Tese de Doutorado. Ganhadora do Prêmio Capes 2015.
- SILVA, Antenor Andrade. Cartas do Pe. Cícero. Salvador - Bahia, 1982.
- SOUZA, Anildomá Willans. Lampião: Nem herói nem bandido... A história. Serra Talhada: GDM Gráfica, 2006.
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