sábado, 9 de abril de 2016

PO ANTE SEPTICO

Objetivos: Relatar sucesso terapêutico da fórmula Polvilho Antisséptico Granado® (ácido benzóico - 0,352 g, enxofre - 17,602 g, ácido bórico - 11,735 g, óxido de zinco - 11,735 g, amido - 23,470 g, talco tipo Veneza qsp 100 g), licenciada em 1903, no tratamento de escabiose e de fitiríase.
Descrição: Duas famílias, com diagnóstico clínico de escabiose, tratadas com o polvilho em aplicação corporal duas vezes ao dia, após o banho e ao deitar-se, durante uma semana. Um homem com pediculose pubiana, mesmo esquema posológico. Houve erradicação dos insetos, no caso do adolescente, e desaparecimento dos sinais clínicos de escabiose, nas duas famílias.

Comentários: A fórmula do polvilho apresenta baixo custo, baixa toxicidade, podendo ser usado inclusive em lactentes, gestantes e nutrizes. Como efeitos terapêuticos, consiste na associação de dois inseticidas, o enxofre e o ácido bórico, e um antipruriginoso, o óxido de zinco. O baixo custo e a baixa toxicidade indicam tratar-se de uma boa opção terapêutica, porém com a desvantagem de necessitar múltiplas aplicações.

Introdução

O presente trabalho relata sucesso terapêutico da fórmula Polvilho Antisséptico Granado® (ácido benzóico - 0,352 g, enxofre - 17,602 g, ácido bórico - 11,735 g, óxido de zinco - 11,735 g, amido - 23,470 g, talco tipo Veneza qsp 100 g), licenciada em 1903, em duas famílias acometidas de escabiose, causada por um aracnídeo, e em um adolescente acometido de pediculose pubiana, causada por um inseto.

O polvilho fora usado no passado no tratamento de várias dermatoses, tanto de adultos como de lactentes. Ainda hoje é empregado no controle de bromidrose e no combate à tinha do pé. Apresenta baixo custo, facilitando sua aquisição pela população de baixa renda.

Caso 1 
Criança de sete meses de idade, sexo feminino, já desmamada, habitante de São Sebastião (DF), bairro pobre, apresentando "caroços no corpo" há uma semana, já tendo usado dexclorfeniramina e amoxacilina, sem melhoras. O pai da criança refere prurido no corpo todo, principalmente à noite, que vem piorando há cerca de três semanas, apresentando também placas crostosas em dorso das mãos. A mãe se queixa de prurido e de estar com a pele do corpo mais espessa na região abdominal. Ao exame físico, pápulas eritematosas, crostosas, difusamente pelo corpo, inclusive em rosto. No pai, havia placa crostosa em mãos, sobre as articulações metacarpofalangeanas. Na mãe, liquenificação da pele do abdome. Diante do diagnóstico de escabiose pelas lesões compatíveis e pelo aspecto contagioso foi prescrito para a família toda o polvilho, a ser aplicado no corpo todo duas vezes ao dia: após o banho e antes de deitar, durante sete dias. Troca das roupas e roupas de cama e secagem ao sol ou a ferro quente foi orientada. Revisão ao terceiro dia de tratamento evidenciou melhora acentuada nas lesões tanto da criança como dos adultos. Após o término do tratamento, lesões não mais eram visíveis e a queixa de prurido não mais havia.

Caso 2 
Menina de cinco anos, habitante do Guará (DF), bairro de classe média, apresentando "alergia na pele há seis meses". O pai da criança apresentara pápulas eritematosas pruriginoas pelo corpo há seis meses, assim como a mãe, há cinco meses. As lesões nos pais melhoraram após viagem ao litoral. A criança, porém, persistiu com as lesões, tendo obtido o diagnóstico de dermatite atópica e usado dexclorfeniramina e corticóide tópico, com melhora parcial das lesões, que chegaram a desaparecer há 15 dias, mas que há uma semana retornaram. Ao exame físico havia pápulas eritematosas em antebraço e pústulas nos dedos das mãos. Feito o diagnóstico de escabiose, pelas lesões compatíveis e pelos antecedentes familiares, e de piodermite secundária. Prescrito uma dose de 600.000 UI de penicilina benzatina e o polvilho, a ser usado conforme no caso 1. Revisão ao quinto dia de tratamento mostrava ausência das lesões de escabiose e pústulas já de aspecto seco.

Caso 3 
Rapaz de 22 anos refere prurido em genitais e presença de insetos em região pubiana há 15 dias, após relação sexual em bordel. Apresentou-se com os pêlos pubianos rapados. O Phthirus pubis podia ser destacado da pele sobre o púbis, dos pêlos nos interglúteos e em pilosidade da região lombossacra. Não havia insetos nas coxas nem em supercílios ou outras áreas pilosas. Prescrito o polvilho, a ser usado nas regiões supracitadas duas vezes ao dia, após o banho e ao deitar-se, durante sete dias. Foi dada orientação de trocar roupas e roupas de cama e lavá-las ou passá-las a ferro quente. Retornou após um mês para realização de sorologia para HIV e VDRL, negativas. Referiu melhora completa dos sintomas. Ausência de insetos ao exame físico. Havia notado, a partir do segundo dia de tratamento, que ao longo do dia, os insetos se desgarravam cobertos pelo talco e não mais conseguiam se fixar na pele.

Discussão

Os artrópodes são seres vivos muito bem adaptados à vida na terra, sendo um exemplo de evolução bem-sucedida. Coevoluíram com praticamente todos os outros grupos vivos, constituindo relações de simbiose, predatismo ou parasitismo. Assim, o tratamento humano contra artrópodes parasitas comumente envolve a aplicação cutânea de inseticidas usados no controle de pragas agrícolas, como é o caso do DDT, do lindano ou de derivados do ácido crisantêmico. Em seu conjunto, quase todos apresentam efeitos tóxicos, sendo parcialmente absorvidos pela pele e freqüentemente contra-indicados formalmente em lactentes, gestantes ou nutrizes. Por via oral, existem as opções terapêuticas do tiabendazol e da ivermectina.

Com relação à fórmula do polvilho, o amido e o talco Veneza (óxido de magnésio) são inertes em aplicação tópica.

O ácido benzóico é atóxico para insetos e mamíferos. Apresenta atividade fungicida e bactericida suave, sendo utilizado na conservação de alimentos industrializados.

O óxido de zinco é usado no controle de prurido e reações alérgicas, desconhecendo-se seu mecanismo de ação. Não tem efeito inseticida. Com relação à toxicidade, ocorre somente quando da ingestão crônica de altas doses, correlacionando-se à depleção dos estoques corporais de cobre e conseqüente anemia.

Quanto ao enxofre, sua aplicação em pasta é ainda indicada modernamente, considerada segura para lactentes, gestantes e nutrizes. Seu uso remonta à época hipocrática, quando banhos em águas sulfurosas eram indicados para o tratamento de dermatoses diversas. Como defensivo agrícola, é usado no controle de ácaros. A toxicidade humana é inexistente via cutânea ou via oral. Na pele, o enxofre é ceratolítico suave. Via oral age como laxante. A toxicidade do enxofre ocorre quando da inalação de gases sulfurosos, capazes de induzir edema da mucosa respiratória à concentração gasosa de 0,001 ppm, sendo letal a 0,01 ppm.

Não se conhece o modo de ação do enxofre sobre os artrópodos. Sabe-se que são muito sensíveis a esse elemento. Possivelmente, sendo dotados de um exoesqueleto de quitina, uma proteína sulfatada, o enxofre, ou seus gases emanados a partir de reações químicas na pele, atuaria colapsando o esqueleto ou a estrutura respiratória do parasito.

O ácido bórico é um ácido fraco, poderoso inseticida, utilizado em iscas para insetos. Há necessidade de ingestão pelo parasito para que exerça seu efeito letal. Desconhece-se seu modo de ação sobre artrópodes. Com relação à toxicidade humana, estima-se a ingestão de cinco gramas como letal a lactentes e onze gramas, a adultos. Nas proporções encontradas no polvilho, corresponderia à ingestão de cinqüenta gramas do produto. Via cutânea, o ácido bórico puro é facilmente absorvido pela pele, podendo atingir concentrações letais. Entretanto, quando associado ao óxido de magnésio, adquire forma iônica, sendo pouco absorvido pela pele. De fato, embora na metade do século XX já se conhecessem mortes de bebês decorrentes do uso tópico do ácido bórico puro, nunca houve relato semelhante quando aplicado misturado a talco. O uso tópico de ácido bórico em talco não se acompanha de elevação do nível sérico deste elemento, ao contrário do que ocorre com a substância pura. Na fórmula do polvilho, o ácido bórico age como suave bactericida, tendo também a propriedade físico-química de facilitar a mistura escorrer da embalagem.

Como um todo, a fórmula do polvilho é notificada na Agência de Vigilância Sanitária como cosmético grau 1, ou seja, apresentando mínimo risco à saúde humana.

Dessa forma, o polvilho consiste na associação de dois inseticidas, o enxofre e o ácido bórico, em uma formulação de baixo custo e baixa toxicidade. O óxido de zinco provavelmente atua amenizando o prurido relacionado.

Não só a escabiose acomete a criança e o lactente de forma mais florida que o adulto, como os efeitos tóxicos dos diversos medicamentos ocorrem de forma mais intensa nessa faixa etária. As ectoparasitoses se disseminam facilmente pela população, de sorte que além de medidas coletivas de higiene pessoal, tratamentos eficazes e de baixo custo representam particularmente economia importante.

A eficácia das pastas de enxofre no tratamento de escabiose é estimada em 80% a 90%. Contudo, o enxofre em pasta fede a ovo podre, mancha a roupa e costuma ser mal aceito pelos pacientes, enquanto o polvilho justamente se presta ao combate à bromidrose. Da mesma forma, diante dos demais inseticidas, a vantagem do polvilho seria o custo reduzido e a pouca toxicidade, apresentando como desvantagem a necessidade de aplicações múltiplas.

Em todo caso, estudos com contingentes maiores de pacientes são necessários para estimar se a eficácia do produto seria superior à do enxofre, por conta da associação com ácido bórico, e se o óxido de zinco associado realmente reduziria o prurido.


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