Brega é um gênero musical brasileiro. Todavia, sua conceituação como estética musical tem sido um tanto difícil - uma vez que não há um ritmo musical propriamente "brega" - e alvo de discussões por estudiosos e profissionais do meio musical. Mesmo sem ter estabelecidas características suficientemente rígidas, o termo praticamente foi alçado à condição de gênero.[1] [2] [3]
Inicialmente, o termo designava um tipo de música romântica, com arranjo musical sem grandes elaborações, bastante apelo sentimental, fortes melodias, letras com rimas fáceis e palavras simples, em outras palavras, uma música supostamente de "mau gosto" ou "cafona".[1] [2] Mas a partir da imprecisão conceitual que o termo carrega desde sua origem, podia abarcar artistas de outros gêneros musicais da música brasileira, o que, na verdade, só reforçaria essa imprecisão.[1]
Para tornar a conceituação mais difícil, o "brega" assimilaria na década de 1990 novos aspectos - alguns dos quais distantes da linha romântica popular, como são os casos do brega pop e do tecnobrega, bastante populares na cena regional do Norte do Brasil, em especial, na cidade de Belém. Além disso, enquanto muitos artistas da "velha guarda" romântica-popular ainda rejeitavam o rótulo "brega", outros assumiram a pecha - um deles, Reginaldo Rossi.[1]
Embora esteja longe de uma definição conceitualmente precisa, o "brega" segue alcançando grande aceitação entre segmentos das camadas populares do Brasil.[1]
Índice
[esconder]Etimologia[editar | editar código-fonte]
A origem do termo "brega" é desconhecida e bastante discutida. Uma hipótese é que venha dos prostíbulos nordestinos em que esse tipo de música era usado para embalar os romances de aluguel.[2] Aventa-se que o termo derive do "Nóbrega" da rua Manuel da Nóbrega, em Salvador - rua esta que ficava numa região de meretrício da capital baiana.[nota 1] [nota 2]
História[editar | editar código-fonte]
Antecedentes[editar | editar código-fonte]
Não se sabe ao certo a origem musical do "brega". Críticos apontam alguns precursores do "estilo" em cantores das décadas de 1940 e 1950, que seguiam, através do bolero e do samba-canção, uma temática mais "romântica".[1] Entre os quais, Orlando Dias, Carlos Alberto e Cauby Peixoto.
Durante a década de 1960, a música romântica de artistas oriundos basicamente das classes mais populares passou a ser considerada cafona e deselegante.[1] Isso foi especialmente reforçado pelas grandes transformações vivenciadas pela música popular do país naquele período, com o surgimento de inovações estilísticas dentro cenário músical que agradavam principalmente aos jovens do meio urbano. De um lado, surgiram uma geração oriunda da classe média universitária e que se consolidaria, na década seguinte, sob a sigla MPB, nada menos do que "música popular brasileira". Por outro, os movimentos tropicalista - inspirado em correntes artísticas de vanguarda e da cultura pop nacional e estrangeira e por manifestações tradicionais da cultura brasileira a inovações estéticas radicais[4] - e do Iê-iê-iê - que capitaneou oRock'N'Roll estrangeiro, dando-lhe uma roupagem nacional, e transformou-se num grande fenômeno de comportamento e moda.[5]
E foi a Jovem Guarda que abriria caminho para novos artistas que desafiaram os padrões de bom gosto da classe média brasileira na década seguinte,[2] já que alguns dos artistas que tiveram uma ligação com o movimento viriam a se tornar populares cantores "cafonas" na década seguinte. É o caso por exemplo do pernambucano Reginaldo Rossi, que liderou a banda The Silver Jets.[2]
A raiz "cafona"[editar | editar código-fonte]
Em princípio da década de 1970, acentuava-se as estilizações dentro da música brasileira. Em especial, o meio musical predominante definia os cânones da chamada MPB, gênero cada vez mais distante de outras vertentes populares da música brasileira, como o samba, a música caipira, além do rock feito no Brasil e da música romântica - que teria em Roberto Carlos o seu maior representante. O cantor capixaba era um dos poucos artistas que fazia música romântica sucesso de crítica e de público. Para a maioria dos artistas brasileiros românticos populares, mesmo que grandes vendedores no mercado fonográfico brasileiro, sobrava a alcunha nada positiva de "cafona". O termo passou a estigmatizar artistas como Paulo Sérgio, Altemar Dutra, Odair José, Reginaldo Rossi e Waldick Soriano dentro do amplo leque da música brasileira.[1]
Na segunda metade dos anos setenta, uma "nova vertente cafona" surgia com destaque. Era um estilo de roupagem "moderna", bastante influenciado pela discotéque e o pop dançante em voga à época, e que enfatizada danças e gestos sensuais (para alguns, no limite do vulgaridade). Este "novo cafona" foi capitaneado por artistas como Sidney Magal (de "Sandra Rosa Madalena" e "O Meu Sangue Ferve por Você") eGretchen ("Melô do Piripipi" e "Conga La Conga").[2]
O rótulo "brega"[editar | editar código-fonte]
A partir da década de 1980, o termo "brega" passou a ser cunhado largamente na imprensa brasileira pelos meios-de-comunicação para designar, de maneira pejorativa, música sem valor artístico.[6] Embora sem uma conceituação aprofundada, a pecha servia para designar uma "música de mau gosto, geralmente feita para as camadas populares, com exageros de dramaticidade e/ou letras de uma insuportável ingenuidade".[2] Era o caso por exemplo do trabalho de cantores da linha romântica "cafona", como os ainda populares Amado Batista e Wando, ou de outros cantores românticos constantemente presentes em programas de auditório da TV, como Gilliard, Fábio Junior e José Augusto.
Ao mesmo tempo em que críticos esboçavam uma conceituação estilística pejorativa sobre o "brega", o estilo passou a influenciar e se fundir a outros artistas e gêneros musicais, o que tornava, na verdade, cada vez mais impreciso estabelecer uma definição clara sobre o que seria "música brega".[1] Como resultado desta ausência conceitualo exata e precisa sobre o que seria o "brega", o termo muitas vezes não se restringia apenas aos artistas romântico-populares, como também podia abarcar artistas vínculados a outros gêneros musicais, como por exemplo, (Alcione) e (Chitãozinho e Xororó), ligados respectivamente aosamba e ao sertanejo. Mesmo cantores do time da chamada MPB, como Gal Costa, eram criticados quando interpretavam canções consideradas de pouco valor artístico pela crítica hegemônica, como o caso dodueto "Um Dia de Domingo", com Tim Maia - um grande sucesso comercial composto pela dupla Michael Sullivan e Paulo Massadas, que se especializou em composições tidas como "bregas". Entre elas, "Me Dê Motivo", na voz de Tim Maia, e "Deslizes", na voz de Raimundo Fagner.[2]
Além das tendências românticas, a década de 80 marcou a ascensão de outros gêneros considerados de baixo valor artístico, como a axé-music e, no final da década, o surgimento do funk carioca (inspirado pelo miami bass da Costa Leste dos EUA). Havia também artistas do brega propriamente dito, como Ovelha, Nahim e Harmony Cats, hoje lembrados nas festas "trash".
Dentro desta confusão, jovens artistas do Sudeste Brasileiro (alguns até universitários) assumiram traços do que seria um "estilo brega" em seus trabalhos. Entre os quais, o compositor pianista e ator cariocaEduardo Dusek (que fez o LP "Brega-chique", em 1984) e a banda paulistana "Língua de Trapo".[1]
Mutação e consolidação em Belém[editar | editar código-fonte]
Ver artigo principal: Brega Pop
Ver artigo principal: Tecnobrega
A chegada à década de 1990 levou o "brega" a mais fusões e confusões em torno da conceituação.[2]
Nessa década, uma série de artistas passou a se assumir como "bregas". Um dos mais notórios foi Reginaldo Rossi, auto-proclamado "Rei do Brega". Dentro da tradicional linha romântico popular, Reginaldo Rossi mantinha-se como uma espécie de "contraponto nordestino" para Roberto Carlos, inclusive se apropriando do título de "rei" que já acompanhava o companheiro de Jovem Guarda. A canção "Garçom" transformou-o subitamente em sensação no Sudeste, ajudando a detonar uma onda de reavaliação do brega - inclusive com gravações feitas por artistas do establishment musical nacional, como Caetano Veloso - o cantor baiano, que já havia gravado em 1982 a canção "Sonhos", de Peninha, regravaria em 2004 "Você não me ensinou a te esquecer", famosa canção de Fernando Mendes. Nos anos 2000, outros "cafonas" receberam reconhecimento, como Odair José, que ganhou álbum-tributo do qual participam Pato Fu, Mundo Livre S/A e Zeca Baleiro,[7] [8]
Na primeira metade da década de 1990, grupos como o paulistano Vexame e o carioca Os Copacabanas especializaram-se em regravar sucessos do repertório popular "cafona" de Amado Batista e Reginaldo Rossi. Pelo lado do pastiche e da sátira, estes grupos algum sucesso dentre plateias mais intelectualizadas no Sudeste brasileiro. Também numa linha "brega-escrachada", o cearense Falcão e, principalmente, os paulistas Mamonas Assassinas obtiveram grande êxito comercial.[2]
Mas foi nas regiões Norte e Nordeste que o "brega" resistia e se consolidava como uma grande força musical.[2] Embora as emissoras de rádios e as grandes gravadoras passassem a ignorar sua existência, os artistas "bregas" continuaram produzindo e assimilando novas influências. Mesmo com limitações de capital de investimento e suporte técnico, esses músicos mantiveram um público significativo nas periferias urbanas destas regiões, fora do campo de cobertura cultural da mídia hegemônica."[9] Belém do Pará tornou-se a principal referência na consolidação do "brega" como estilo musical no país. Inicialmente restrito a circuitos de bailes e shows - chamados "bregões" - em casas noturnas da periferia belemense, a cena adquiriu grandes proporções regionais com as "aparelhagens" (grandes e potentes sistemas profissionais de som) das grandes festas populares, frequentadas por milhares de pessoas, geralmente caracterizada por músicas típicas da região Norte, alguns sucessos da música pop (nacional e internacional) e ritmos caribenhos, como o calipso. A mistura destes sons influenciou novas vertentes praticadas pelos artistas "bregas" que surgiam.[9] Fora do âmbito da indústria fonográfica nacional, a produção musical "brega" paraense era distribuída diretamente por vendedores ambulantes e camelôs, consolidando um mercado alternativo[9] para esse movimento, regionalmente batizado como "brega pop".[1]
Com letras que ainda mantinham em geral a carga romântica - embora frequentemente se desvie para erotização explícita, refletida até mesmo na coreografia dos dançarinos que acompanha a malícia da música -, o "brega pop" é caracterizada por um ritmo mais acelerado, com ênfase no acorde das guitarras.[10] Embora tenha se desenvolvido no mercado paralelo das periferias, o "brega pop" transformou-se em um negócio lucrativo e reconquistou espaço nas mídias locais, com presença na programação das grandes rádios comerciais. Embora algumas grandes bandas do "brega pop" ganhassem projeção nacional - e até mesmo internacional -, a grande maioria se seus músicos ainda desenvolvia carreiras efêmeras e se mantinha dentro do circuitos de bailes de periferia.[9] O maior expoente nacional do movimento seria a Banda Calypso.[nota 3] Ainda no Pará surgiram outras ramificações dentro do "brega", tais como o popularmente conhecido "Tecnobrega", resultado da fusão do "brega" com estilos da música eletrônica.[11]
Conceituação difusa[editar | editar código-fonte]
Definir a existência ou não e quem pertence e quem não pertence ao "estilo brega" é um debate feito por pesquisadores, críticos, artistas e público, e está longe de chegar a um consenso.[1] [2] [6]
Esta dificuldade estaria expressa na pluralidade musical em voga no mundo contemporâneo, que "provoca um constante movimento de apropriação- reapropriação contínua e ao mesmo tempo inconstante promovendo uma hibridação de referências musicais que termina por impossibilitar qualquer definição precisa capaz de ser fielmente classificada rigidamente em um estilo musical."[12] Outro ponto de dificuldade na discussão em torno do que seria "música brega" é o estabelecimento por parte das "ideologias excludentes e classistas da intelectualidade hegemônica" de uma relação direta do "estilo com o poder classificatório do gosto, além de uma série de adjetivações pejorativas que estão associadas à denominação brega."[12]
Mesmo entre o público brasileiro, consumidor ou não do artistas e tendências supostamente "bregas", há muita confusão sobre o que seria o "estilo". Em alguns casos, ocorre a associação de algumas vertentes musicais melhor estabelecidas - como o sertanejo (de linha mais comercial-romântica, a partir da década de 1980), a lambada, o pagode (especialmente seu estilo mais "romântico, a partir da década de 1990), aaxé music, o funk carioca - no rol de "estilos bregas".[13] A autora Carmen Lúcia José observou em suas pesquisas a opinião de indivíduos de segmentos sociais distintos sobre alguns artistas quanto aos seus estilos musicais. Por exemplo, as duplas Chitãozinho e Xororó e Leandro e Leonardo. A primeira dupla, para segmentos sociais acima da média com repertório, é considerada brega; já para os segmentos médios e acima da média sem repertório, a dupla é considerada som sertanejo; e para os segmentos mais baixos, também. Com relação a duplas Leandro e Leonardo, para os segmentos acima da média e médios, é brega; os segmentos médios e acima da média sem repertório musical, a dupla também é considerada brega, nos segmentos mais baixos, a dupla representa o sertanejo jovem.[14]
Entre os artistas rotulados como "bregas", também não é diferente a dificuldade em torno do que seria o "estilo". Como observa o jornalista João Teles, "não é exatamente a música, mas o intérprete que confere o status de brega ou não."[15] Alguns desses rejeitam serem representados sob o estigma da cafonice e mau-gosto. Em uma entrevista em 2008, o cantor Wando afirmou sentir-se incomodado com o termo pejorativo. "Quando as pessoas falam de brega, sempre se referem a uma coisa ruim. Então eu brigo por isso".[16] [17] Questionado sobre o assunto, Fernando Mendes disse certa vez que "brega era um lugar onde a gente ia, era um substantivo e hoje é um adjetivo com que falam mal da gente. Quando me perguntaram o que eu achava, eu disse, brega é o termo, a palavra é o nome que o invejoso usa pra criticar o vitorioso".[18] Waldick Soriano diz que "Concordar, a gente não concorda. Porque brega é usado para falar de casa de prostituição. Nesses lugares, as pessoas ouvem música romântica, mas não só nos bregas. Faço música romântica, as pessoas gostam disso".[19] Com o tempo, porém, alguns outros artistas assumiram o termo "brega". É o caso de Reginaldo Rossi, que se autointitula como o "Rei do Brega". Outro exemplo é, ainda que não seja consensual e conceitualmente um estilo, o próprio surgimento das "vertentes" paraenses brega pop e Tecnobrega, que indicam que seus artistas assumem-se de alguma forma ou de outra como "bregas".
Crítica[editar | editar código-fonte]
Na Enciclopédia da Música Brasileira, de Marcos Antonio Marcondes, o "brega" é caracterizado como a "música mais banal, óbvia, direta, sentimental e rotineira possível, que não foge ao uso sem criatividade de clichês musicais".[20] Para Lúcia José, o "brega" teria estruturas sonoras "organizadas e mantidas sem oposição, provocando nos ouvintes uma pasteurização em que todos os arranjos ganham um mesmo assobio".[14]
Há especialistas, no entanto, que divergem da rotulagem "brega" e atacam marginalização dos artistas "cafonas" na historiografia oficial da musical brasileira, escrita por "uma categoria privilegiada que assume a função e o papel dos legitimadores do gosto" que descarta músicos e tendências musicais não condizentes "com suas perspectivas identitárias".[12] Para o historiador Paulo Cesar de Araújo, o "brega" estaria "no limbo da história", amparado em marcos historiográficos, que teria estabelecido que "toda produção em que o público de classe média não identifique tradição ("raízes" do samba) nem modernidade ("a partir de 1958, com a Bossa Nova, e que continua com o Tropicalismo") é rotulada de brega ou cafona".[21] O autor Fernando Fontanella complementa ao afirmar que, dentro de um jogo "hierarquias culturais", "o imaginário do belo sempre é pensado pelas instituições da hegemonia dentro de uma legitimação dos grupos dominantes", o que explicaria a relação da "música brega" ao "mau gosto" como algo oriundo de um processo de estruturação de classes que tende a beneficiar determinados grupos em particular.[22]
Notas
- ↑ Brega: de mau gosto, de baixo nível. Consta que a palavra teve origem em Salvador, mais propriamente numa área urbana de baixo meretrício onde uma placa indicando a rua Padre Manuel da Nóbrega teve gasto o letreiro, sobrando apenas as duas últimas sílabas. Aplica-se a pessoas que se mostram sem elegância, que exibem mau gosto.
ARANHA, Altair J (2002). Dicionário Brasileiro de Insultos São Paulo: Ateliê Editorial [S.l.] p. 60. - ↑ Para o mundo da moda, o termo brega caracteriza as pessoas "deselegantes", "ou seja, aquelas que não se enquadravam nas regras, utilizando sempre do excesso e da extravagância. O sentido atribuído ao brega passou a representar também algo de qualidade inferior ou alguém que possui um mau gosto no vestir e nas atitudes".
LIMA, Izaíra Thalita da Silva; QUEIROZ, Tobias (2008). Eu não sou cachorro não: a transformação do brega em arte com elementos de cinema no DVD de Waldick Soriano Natal: XXXI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação [S.l.] p. 3. PDF. - ↑ Conceituar o estilo da banda é complicado. De acordo com Bruno Brito, a Calypso cantava no início da carreira músicas alusivas ao que ele chamou "Bregafó". Mas, segundo Chimbinha (guitarrista da banda), a Calypso mistura uma série de sons de gêneros como lambada, reggae, merengue, cúmbia, samba, salsa, carimbó e forró, em suma, ninguém saber ao certo o que a banda toca.
BRITO, Bruno (2008). A indústria do brega. IN: Revista Continente, ano VIII, n. 92 [S.l.: s.n.] pp. 19–23.
Referências
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