quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

LEI 842992

3.1 CONCEITO DEADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CONCEITO DE DELITO CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Por “Administração Pública” se compreende toda atividade do Estado e das outras entidades públicas. O termo abrange não só o seu sentido estrito, técnico, mas ainda seus vários aspectos, como a atividade legislativa e judiciária.
Dentro dessa noção, pode-se afirmar que são delitos contra a Administração Pública todos os que atingem a atividade funcional do Estado, não se enquadrando nessa categoria os que atentam contra a vida do Estado na sua noção unitária, e que a legislação pátria cuida como crimes contra a segurança nacional (Lei n. 7.170, de 14/12/83). Deles somente resulta ou pode resultar uma perturbação à normal atividade administrativa do Estado, sem que fique ameaçada, ainda que remotamente, a segurança deste.
A objetividade jurídica desses fatos penais é o interesse na normalidade funcional, probidade, prestígio, incolumidade e decoro da Administração Pública. Como observa Hungria, (...) em sentido lato (que é o jurídico-penal), Administração Pública é a atividade do Estado, de par com a de outras entidades de Direito público, na consecução de seus fins, quer no setor do Poder Executivo (administração pública no sentido estrito), quer no do Legislativo ou do Judiciário. E que (...)onde quer que haja o desempenho de um cargo oficial ou o exercício de uma função pública, aí  poderá ser cometido o específico ilícito penal de quo agitur, seja por aberrante conduta das próprias pessoas integradas na órbita administrativa, isto é, os funcionários públicos, agentes do Poder Público, empregados públicos, intranei, seja pela ação perturbadora de particulares extranei6.
Assim, temos no Código Penal o título XI – Dos crimes contra a Administração Pública, dividido em três capítulos. No capítulo I – Dos crimes praticados por funcionário público contra a administração em geral, estão abrangidos os arts. 312 a 327. No capítulo II – Dos crimes praticados por particular contra a administração em geral, estão compreendidos os arts. 328 a 337. Finalmente, no capítulo III – Dos crimes contra a administração da justiça, os arts. 338 a 359.
Abordaremos neste artigo apenas os delitos de corrupção ativa (art. 333 do Código Penal) e de corrupção passiva (art. 317 do Código Penal), analisados em face da Lei n. 8.429/92.

4 DOGMÁTICA DO ART. 333 DO CÓDIGO PENAL

A figura típica contida no art.333 do Código Penal brasileiro, denominada “corrupção ativa” está redigida da seguinte maneira:

Art. 333. Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:
Pena – reclusão de um a oito anos e multa.
Parágrafo único. A pena é aumentada de um terço se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional.

Sujeito ativo do crime é o corruptor – qualquer pessoa que oferece ou promete vantagem indevida. Conforme observa Damásio Evangelista de Jesus, (...)procura-se proteger o prestígio e a normalidade do funcionamento da Administração Pública. A atividade governamental tem sentido dirigido ao bem coletivo, pelo que a regularidade administrativa é uma de suas missões. Daí a punição a quem corrompe ou procura corromper o funcionário público. Acresce o eminente publicista que o caso é de exceção pluralista ao princípio unitário que norteia o concurso de agentes. Poderia haver um só delito para corruptor e corrupto. O legislador brasileiro, entretanto, para que uma infração não fique na dependência da outra, podendo punir separadamente dois sujeitos, ou um só, descreveu dois delitos de corrupção: passiva (do funcionário – art. 317 do Código Penal) e ativa (do terceiro – art. 333 do Código Penal ). E que, (...) ao contrário do que se afirma, há concurso de agentes entre corruptor e corrupto. Só que o legislador, ao invés de adotar o princípio unitário, resolveu aplicar o pluralista: um delito para cada autor7.
Para Magalhães Noronha, (...) não há co-autoria entre corrupto e corruptor, pois cada um responde por um título de crime; porém, se o ato vendido pelo primeiro e comprado pelo segundo é um delito, há co-autoria: um é autor intelectual e outro material. Haverá, nessa hipótese, concurso de delitos8.
Preferimos adotar o posicionamento de Damásio, no sentido de existir o concurso de agentes, no caso, e que a técnica adotada pelo legislador pátrio constitui exceção pluralista ao princípio que norteia o concurso de agentes. A questão, entretanto, tem relevo apenas doutrinário.
Sujeito passivo é o Estado, titular do bem jurídico protegido, atuando de modo a resguardar a moralidade da Administração Pública.
A materialidade do fato consiste em oferecer (exibir ou propor para que seja aceita) ou prometer (obrigar-se a dar) vantagem indevida a funcionário público, para levá-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício.
Os meios de execução do delito podem ser palavras, gestos, escritos...
O crime ocorre mesmo que o funcionário repila ou não aceite a proposta. Haverá corrupção ativa sem a passiva.
Esclarece Damásio que não existe delito no caso de faltar a oferta ou promessa de vantagem. Assim, (...) não há corrupção ativa no caso de o sujeito, sem oferecer ou prometer qualquer vantagem ao funcionário, pede-lhe que "dê um jeitinho" em sua situação perante a Administração Pública9.
Também, para que se realize o crime é necessário o propósito do corruptor de oferecer ou prometer a vantagem indevida, ainda que de forma indireta ou mediante terceiro.
O objeto material é a vantagem indevida.
Elemento subjetivo do tipo é o dolo, exigindo-se um especial fim de agir que se extrai da expressão "para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício". Se não existir qualquer dos dois elementos, o fato é atípico.
A corrupção ativa é delito de simples atividade ou mera conduta, consumando-se no instante em que o funcionário público toma conhecimento da oferta ou da promessa, ainda que a recuse. É o tipo de delito que se contenta com a possibilidade de dano real ao bem tutelado10. Assim, (...) atos que, segundo a regra geral, não passariam de atos de tentativa, já constituem, na espécie o summatum opus11.
Se a corrupção é de testemunha, ou perito, tradutor  ou intérprete não-oficiais, o delito é do art. 343 do Código Penal.
Haverá corrupção qualificada se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou não pratica ato de ofício ou o pratica violando dever funcional. No caso, a pena é aumentada de um terço (parágrafo único do art. 333 do Código Penal).

5 DOGMÁTICA DO ART. 317 DO CÓDIGO PENAL

A figura típica do crime de corrupção passiva é a seguinte:
Art. 317.  Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:
Pena - reclusão de um a oito anos e multa.
§1º. A pena é aumentada de um terço se, em conseqüência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.

§2º. Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem:
Pena - detenção de três meses a um ano ou multa.

A modalidade delituosa consiste no tráfico da função pública pelo funcionário, com o fim de auferir proveitos. É crime próprio. Só o funcionário público pode praticá-lo, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela. Sujeito passivo é o Estado, pois ele é o titular do bem jurídico ou do interesse tutelado: a Administração Pública, especialmente a sua moralidade.
O objeto material é a vantagem indevida. A ação delituosa consiste em solicitar (pedir), receber (aceitar, entrar na posse) ou aceitar promessa, anuir, concordar com a proposta. A corrupção passiva exige para a sua configuração a prática de atos de ofício, dando ensejo ao recebimento da vantagem indevida. E por ato de ofício, consoante uniforme jurisprudência, entende-se somente aquele pertinente à função específica do funcionário12. É crime de mera atividade ou simples conduta, exaurindo-se, portanto, com o simples fato de o agente solicitar, receber ou aceitar vantagem, independente da co-participação do extraneus, prestando-se ao desejo do agente13.
Para Noronha o dolo é genérico, (...) consistente na vontade livre e consciente de praticar o fato, tendo ciência da antijuridicidade que, no caso, se firma no conhecimento que o funcionário tem de seu ato - legal ou ilegal, devido ou indevido, justo ou injusto - não comporta retribuição. E que há também dolo específico14.
A tentativa é inadmissível.
A figura qualificada é prevista no § 1º: A pena é aumentada de um terço se, em conseqüência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional. Trata-se do exaurimento do crime.
No § 2º, temos a figura privilegiada: Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem. A razão do abrandamento da pena, justifica-se, como diz Noronha, porque: (...)o funcionário não é impelido pelo interesse próprio de alcançar uma vantagem, mas bajulador, tímido ou frouxo, procura agradar ou cede a pedido feito15É a deferência do funcionário para com outrem que gera o delito.

6 A CORRUPÇÃO COMO FONTE DA OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR

Essa conduta criminosa gera uma vantagem para os seus autores, ao mesmo tempo que um dano para a Administração Pública, que pode ser material ou moral ou ambos ao mesmo tempo. E assim, a relação jurídica que se estabelece entre o sujeito ativo do delito e o Estado transcende a esfera do Direito Penal, repercutindo na órbita do Direito Civil, com a obrigação de indenizar - tanto o dano material quanto o dano moral. A obrigação de reparar o dano nasce do ato ilícito. Leciona Silvio Rodrigues que: O delito é fonte de obrigação porque a pessoa que intencionalmente causa dano a outra fica obrigada a repará-lo16.
A obrigação por atos ilícitos na legislação pátria tem fundamento no art. 1.518 do Código Civil, abrangendo o dano material e o dano moral,  conforme preceituado no art. 5º, inc. X, da Constituição Federal.

7 A LEI N. 8.429, DE 02 DE JUNHO DE 1992

7.1 OBJETIVIDADE JURÍDICA

O objetivo dessa lei é punir os atos de improbidade praticados por agente público, servidor ou não, contra a Administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de 50% do patrimônio ou da receita anual (art. 1º).
Compreende, ainda, os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de 50% do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nesses casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos (art. 1º, parágrafo único).
Sustenta Edmundo Oliveira17 que ao se referir a atos de improbidade, o texto alargou o âmbito de proteção do patrimônio público (a imagem da Administração Pública acha-se aí incluída), tutelando-o contra qualquer ato lesivo, ainda que não definido na norma penal.
A Lei n. 8.429/92 definiu os atos de improbidade, classificando-os em três espécies: atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento ilícito (art. 9º, I  a   XII); atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário (art. 10, I a XIII); e atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da Administração Pública (art. 11, I a VII).
Pode o ato de improbidade causar uma efetiva lesão ou um perigo de lesão à Administração Pública, constituindo-se numa figura típica penal. E também acontecer da conduta não tocar a esfera penal, remanescendo no ilícito administrativo, sujeitando-se o agente a sanções civis (reparação do dano) e administrativas (multa civil, proibição de contratar com os órgãos públicos, proibição de receber incentivos fiscais ou creditícios).

7.2. CONCEITO DE AGENTE PÚBLICO PARA FINS DA LEI N. 8.429/92

Conforme o art. 2º da Lei n. 8.429/92, considera-se agente público todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas instituições mencionadas no art. 1º.
O art. 3º diz que as disposições da lei são aplicáveis, (...) no que couber àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.
Leciona Edmundo de Oliveira18 que esse dispositivo tem o mesmo alcance do art. 29 do Código Penal, sendo que a redação deste é mais feliz, (...) pois deixa explícita a importância do grau de culpabilidade de cada partícipe.
Tratando-se de crimes contra a Administração Pública, o objeto da proteção da norma é o regular funcionamento de seus serviços, o prestígio, a imagem dos entes públicos, prevalentemente, como sustenta Francesco Antolisei: l’interesse statale alla probità, alla riservatezza, all’imparzialità, alla fedeltà, alla disciplina, ecc.  delle persone che esplicano attribuzioni di interesse pubblico; l’interesse Administração Pública un svolgimento ordinato, decoroso ed efficace dell’attività funzionale delle persone anzidette19.
De forma que a prática de atos dessa natureza atenta contra os princípios da legalidade, da moralidade e da eficiência, consagrados, além dos da impessoalidade e da publicidade, pela Constituição Federal (art. 37). São dos tipos que causam dano, ensejando a obrigação de indenizar (art. 1.518 do Código Civil e art. 5º, X, da Constituição Federal).
Nesses casos, o Código Penal prevê os efeitos da condenação (art. 91): tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime (inc. I); a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou terceiro de boa-fé, dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito, e do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso (inc. II, alíneas a e b).
A perda em favor da União dos instrumentos e produtos do crime constitui medida de política criminal para impedir que instrumentos idôneos para delinqüir caiam em mãos de certos sujeitos e que o produto do crime enriqueça o patrimônio do delinqüente20.
Os efeitos do art. 91 do Código Penal são automáticos.
A perda do cargo, função pública ou mandato eletivo (art. 92, inc. I, alínea a do Código Penal) são para os crimes funcionais típicos, delitos próprios, cometidos com abuso de poder ou com violação de dever funcional. O efeito somente acontece quando a pena privativa de liberdade imposta é por tempo igual ou superior a um ano. Todavia, o efeito não é automático, devendo ser declarado motivadamente na sentença.
É também efeito da condenação (art. 92): a perda do cargo, função pública ou mandato eletivo (inc. I): quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública (alínea a).
O parágrafo único do art. 92 dispõe: (...) os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença.
Transitada em julgado a condenação criminal, faz ela também coisa julgada no cível, para fins de reparação do dano (art. 63 do Código de Processo Penal e art. 1.525 do Código Civil).

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