Vírus (do latim virus, "veneno" ou "toxina") são pequenos agentes infecciosos (20-300 ηm de diâmetro) que apresentam genoma constituído de uma ou várias moléculas de ácido nucleico (DNA ou RNA), as quais possuem a forma de fita simples ou dupla. Os ácidos nucleicos dos vírus geralmente apresentam-se revestidos por um envoltório proteico formado por uma ou várias proteínas, o qual pode ainda ser revestido por um complexo envelope formado por uma bicamada lipídica.[1][2]
As partículas virais são estruturas extremamente pequenas, submicroscópicas. A maioria dos vírus apresentam tamanhos diminutos, que estão além dos limites de resolução dos microscópios ópticos, sendo comum para a sua visualização o uso de microscópios eletrônicos. Vírus são estruturas simples, se comparados a células, e não são considerados organismos, pois não possuem organelas ou ribossomos, e não apresentam todo o potencial bioquímico (enzimas) necessário à produção de sua própria energia metabólica. Eles são considerados parasitas intracelulares obrigatórios (característica que os impede de ser considerado seres vivos), pois dependem de células para se multiplicarem. Além disso, diferentemente dos organismos vivos, os vírus são incapazes de crescer em tamanho e de se dividir. A partir das células hospedeiras, os vírus obtêm: aminoácidos e nucleotídeos; maquinaria de síntese de proteínas (ribossomos) e energia metabólica (ATP).[3][4][5]
Fora do ambiente intracelular, os vírus são inertes.[1][2] Porém, uma vez dentro da célula, a capacidade de replicação dos vírus é surpreendente: um único vírus é capaz de multiplicar, em poucas horas, milhares de novos vírus. Os vírus são capazes de infectar seres vivos de todos os domínios (Eukarya, Archaea e Bactéria). Desta maneira, os vírus representam a maior diversidade biológica do planeta, sendo mais diversos que bactérias, plantas, fungos e animais juntos.[4][5]
Índice
[esconder]Histórico
Em meados do século XIX, Louis Pasteur propôs a teoria microbiana das doenças, na qual explicava que todas as doenças eram causadas e propagadas por algum “tipo de vida diminuta”, que multiplicava-se no organismo doente, transmitia-se para outro e o contaminava. Pasteur, no entanto, ao trabalhar com a raiva, constatou que, embora a doença fosse contagiosa e transmitida pela mordida de um animal raivoso, o micro-organismo não podia ser observado. Pasteur concluiu que o agente infeccioso estava presente mas era muito pequeno para ser observado através do microscópio.[6]
Em 1884, o microbiologista Charles Chamberland desenvolveu um filtro (conhecido como filtro Chamberland ou Chamberland-Pasteur), com poros menores que bactérias. Assim, ele conseguiu filtrar uma solução com bactérias, removendo-as por completo da solução.[7] Em 1886, Adolf Mayer demonstrou que a doença do tabaco podia ser transmitida à plantas saudáveis pela inoculação com extratos de plantas doentes.[8][9] Em 1892, o biólogo Dmitry Ivanovsky fez uso do filtro Chamberland para demonstrar que folhas de tabaco infectadas trituradas continuavam infectadas mesmo após a filtragem.[10][11] Ivanovsky sugeriu que a infecção poderia ser causada por uma toxina produzida pelas bactérias, mas ele não persistiu nesta hipótese.[12] Em 1898, o microbiologista Martinus Beijerinck repetiu a experiência independentemente e ficou convencido que a solução filtrada continha um novo agente infeccioso, denominado de contagium vivum fluidum (fluido vivo contagioso).[13][12] Ele também observou que este agente apenas se reproduzia em células que se dividiam, mas não conseguiu determinar se este seria constituído de partículas, assumindo que os vírus estariam presentes no estado líquido.[12]Beijerinck introduziu o termo 'vírus' para indicar que o agente causal da doença do mosaico do tabaco não tinha uma natureza bacteriana, e sua descoberta é considerada como o marco inicial da virologia.[11] A teoria do estado líquido do agente foi questionada nos 25 anos seguintes, sendo descartada com o desenvolvimento de teste da placa por d'Herelle em 1917,[14][15] pela cristalização desenvolvida por Wendell Meredith Stanley em 1935[12][16] e pela primeira microfotografia eletrônica realizada em 1939 do vírus do mosaico do tabaco.[17][18]
Em 1898, Friedrich Loeffler e Paul Frosch identificaram o primeiro agente filtrável de animais, o vírus da febre aftosa (Aphtovirus).[19] E em 1901, Walter Reed identificou o primeiro vírus humano, o vírus da febre amarela (Flavivirus).[20] Em 1908, Vilhelm Ellerman e Olaf Bang demonstraram o potencial oncogênico de um agente filtrável, descobrindo o vírus da leucose aviária.[21] E em 1911, Peyton Rous transmitiu um tumor maligno de uma galinha para outra, descobrindo o vírus do sarcoma de Rous, e demonstrando que o câncer poderia ser transmitido por um vírus.[22]
Em 1915, o bacteriologista Frederick William Twort ao tentar propagar o vírus da vaccínia num meio de cultura bacteriana observou que as colônias morriam e que o agente dessa transformação era infeccioso. Twort propôs várias explicações para o ocorrido, como uma ameba, um protoplasma, um vírus ultramicroscópico ou uma enzima que afetava o crescimento.[23][24] Independentemente, em 1917, o microbiologista Félix Hubert d'Herelle descobriu que colônias bacterianas eram atacadas por um agente e imediatamente o reconheceu como sendo um vírus, cunhando o termo bacteriófago. Ele utilizou os fagos para o tratamento de doenças bacterianas e fundou diversos institutos de fagos em vários países.[23][15]
Inicialmente, o único meio para recuperar quantidades significativas de vírus era por meio de infecção em animais suscetíveis.[25] Em 1913, Edna Steinhardt e colaboradores conseguiram fazer crescer o vírus da vaccínia em fragmentos de córneas de cobaias.[26] Em 1928, H.B. Maitland e M.C. Maitland cultivaram o vírus de vaccínia em suspensão de rins de galinhas moídos.[27] Em 1931, o patologista Ernest William Goodpasture cultivou o vírus da varíola aviária na membrana corioalantóide de ovos de galinhas embrionados.[28] Em 1937, Max Theiler cultivou o vírus da febre amarela em ovos de galinha e desenvolveu uma vacina a partir de uma estirpe do vírus atenuado.[29] Em 1949, John Franklin Enders, Thomas Weller e Frederick Robbins cultivaram o vírus da poliomielite em culturas de células embrionárias humanas, o primeiro vírus a ser cultivado sem a utilização de tecido animal sólido ou ovos.[30] Este método permitiu a Jonas Salk desenvolver uma vacina eficaz contra a poliomielite.[31]
As primeiras imagens de vírus foram obtidas após a invenção do microscópio eletrônico em 1931 pelos engenheiros Ernst Ruska e Max Knoll. Em 1935, o bioquímico e virologista Wendell Meredith Stanley examinou o vírus do mosaico do tabaco e descobriu que o mesmo era constituído principalmente por proteínas.[32] Em 1937, Frederick Bawden e Norman Pirie separaram o vírus do mosaico em porções proteicas e de RNA.[33] O vírus do mosaico do tabaco foi o primeiro a ser cristalizado e, por conseguinte, a sua estrutura pode ser analisada em detalhes. As primeiras imagens de raios-X de difração do vírus cristalizado foram obtidas por Bernal e Fankuchen em 1941.[34] Com base nos seus quadros, Rosalind Franklin descobriu a estrutura completa do vírus em 1955.[35] No mesmo ano, Heinz Fraenkel-Conrat e Robley Williams demonstraram que o RNA do vírus do mosaico do tabaco e o seu revestimento de proteína purificada (capsídeo) podiam montar-se por si só para formar vírus funcionais, sugerindo que este mecanismo simples foi, provavelmente, o meio pelo qual os vírus foram replicados dentro das células hospedeiras.[1]
Taxonomia
Classificação taxonômica
Ver artigo principal: Classificação dos vírus
Os vírus também são classificados dentro de grupos taxonômicos, assim como os seres vivos, porém, seguindo uma regra particular de classificação. Vírus não são agrupados em domínio, reino, filos ou classes. Desta maneira, a estrutura geral da taxonomia dos vírus é a seguinte:[5]
- Ordem (-virales)
- Família (-viridae)
- Subfamília (-virinae)
- Gênero (-virus)
- Espécie
A nomenclatura para ordens, famílias, subfamílias e gêneros é sempre precedida pelos sufixos apresentados acima. Já a nomenclatura de espécies não possui um padrão universal. Cada ramo da virologia (vegetal, animal, bacteriana, humana) adota um padrão de nomenclatura específico. Espécies de vírus de plantas normalmente apresentam nomes que fazem referência a planta hospedeira e a característica do sintoma causado pela infecção (e.g. Vírus do mosaico do tabaco). Espécies de vírus de bactérias (bacteriófagos) podem ser denominados como "fago" seguido de uma letra grega (e.g. Fago λ) ou código alfanumérico (e.g. Fago T7). Vírus que infectam vertebrados podem receber nomes em alusão à espécie hospedeira de origem (e.g. Papillomavírus Bovino), ao local de origem do vírus (e.g. Vírus Ebola, do rio Ébola, no Congo), à doença causada pelo vírus (e.g. Vírus da imunodeficiência humana - HIV).[36]
O Comitê Internacional de Taxonomia de Vírus (ICTV, do inglês "International Committee on Taxonomy of Virus") estabelece regras de classificação e nomenclatura de vírus. O ICTV é uma entidade composta por grupos especializados de virologistas de todas as partes do mundo.[5]
Classificação de Baltimore
Ver artigo principal: Classificação de Baltimore
O Sistema de Classificação de Baltimore, criado por David Baltimore, é um modo de classificação que ordena os vírus em sete grupos, com base na característica do genoma viral e na forma como este é transcrito a mRNA. Neste sistema, os vírus são agrupados como apresentado a seguir:[5]
- Grupo I: Vírus DNA dupla fita (dsDNA)
- Grupo II: Vírus DNA fita simples (ssDNA)
- Grupo III: Vírus RNA dupla fita (dsRNA)
- Grupo IV: Vírus RNA fita simples senso positivo ((+)ssRNA)
- Grupo V: Vírus RNA fita simples senso negativo ((-)ssRNA)
- Grupo VI: Vírus RNA com transcrição reversa (ssRNA-RT)
- Grupo VII: Vírus DNA com transcrição reversa (dsDNA-RT)
Genoma
Propriedade | Parâmetros |
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Ácido nucleico |
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Forma |
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Estrutura |
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Sentido |
|
Ao contrário das células, que apresentam genoma constituído por DNA e RNA, os vírus possuem DNA ou RNA como material genético, e todos os vírus possuem apenas um ou outro no vírion. No entanto, existem vírus que possuem ambos, porém, em estágio diferentes do ciclo reprodutivo.[37] As moléculas de ácido nucleico dos vírus podem ser fita simples ou dupla, linear ou circular, e segmentada ou não. O genoma dos vírus de RNA tem ainda a característica de possuir senso positivo (atua como mRNA funcional no interior das células infectadas) ou senso negativo (serve de molde para uma RNA-polimerase transcrevê-lo dando origem a um mRNA funcional).[2] A quantidade de material genético viral é menor que a da maioria das células.[37] O peso molecular do genoma dos vírus de DNA varia de 1,5 × 106 a 200 × 106 Da. Já o dos de RNA varia de 2 × 106 a 15 × 106 Da. No genoma dos vírus estão contidas todas as informações genéticas necessárias para programar as células hospedeiras, induzindo-as a sintetizar todas as macromoléculas essenciais à replicação do vírus.[2]
Estrutura
Dentre os vários grupos de vírus existentes, não existe um padrão único de estrutura viral. A estrutura mais simples apresentada por um vírus consiste de uma molécula de ácido nucleico coberta por muitas moléculas de proteínas idênticas. Os vírus mais complexos podem conter várias moléculas de ácido nucleico assim como diversas proteínas associadas, envoltório proteico com formato definido, além de complexo envelope externo com espículas. A maioria dos vírus apresentam conformação helicoidal ou isométrica. Dentre os vírus isométricos, o formato mais comum é o de simetria icosaédrica.[1]
Partícula
Os vírus são formados por um agregado de moléculas mantidas unidas por forças secundárias, formando uma estrutura denominada partícula viral.Uma partícula viral completa é denominada vírion. Este é constituído por diversos componentes estruturais (ver tabela abaixo para mais detalhes):[1][2]
- Ácido nucleico: molécula de DNA ou RNA que constitui o genoma viral.
- Capsídeo: envoltório proteico que envolve o material genético dos vírus.
- Nucleocapsídeo: estrutura formada pelo capsídeo associado ao ácido nucleico que ele engloba (Os capsídeos formados pelos ácidos nucleicos são englobados a partir de enzimas) .
- Capsômeros: subunidades proteicas (monômeros) que agregadas constituem o capsídeo.
- Envelope: membrana rica em lipídios que envolve a partícula viral externamente. Deriva de estruturas celulares, como membrana plasmática e organelas.
- Peplômeros (espículas): estruturas proeminentes, geralmente constituídas de glicoproteínas e lipídios, que são encontradas ancoradas ao envelope, expostas na superfície.
Morfologia
Abaixo estão listadas as estruturas de vírions mais comuns:
- Legenda dos esquemas: █ Molécula de DNA — █ Molécula de RNA — █ Capsômeros do capsídeo — █ Envelope viral — █ Peplômeros (espículas) — █ Fibras
Vírus icosaédricos não-envelopados estão entre os mais comuns. Eles possuem genomas constituídos por dsDNA, ssDNA, dsRNA ou (+)ssRNA. São capazes de infectar organismos de todos os grupos de seres vivos, com exceção de Archaea. Possuem diâmetro que varia de 18 a 60 ηm, compreendendo os menores vírus conhecidos.[38] | ||
Vírus icosaédricos envelopados possuem material genético formado por dsDNA, dsRNA, ou (+)ssRNA. As partículas virais destes vírus possuem diâmetro que varia de 42 a 200 ηm.[38] Vírions icosaédricos envelopados são pouco comuns entre os vírus de animais, sendo observados principalmente nas famílias Arteriviridae, Flaviviridae, Herpesviridae ou Togaviridae. Nenhum vírus de plantas conhecido possui esta estrutura de partícula viral.[39] | ||
Partículas virais helicoidais não-envelopadas são mais comuns entre vírus que infectam plantas, os quais possuem genoma de ssRNA.[40] Esta é a morfologia do vírus do mosaico do tabaco (TMV), um dos objetos de estudo mais clássicos da virologia, sendo o primeiro vírus a ser descoberto.[41] Além dos vírus de plantas, as famílias Inoviridae (ssDNA) e Rudiviridae (dsDNA), que infectam bactérias e archaea, respectivamente, também possuem esta morfologia. Vírus helicoidais não-envelopados tem estrutura em forma de bastão rígido (ver esquema à esquerda), ou de filamento sinuoso (semelhantes ao nucleocapsídeo do esquema abaixo). O comprimento dos vírions varia de 46 ηm (para bastões) a 2200 ηm (em partículas filamentosas).[38] | ||
A morfologia helicoidal envelopada é encontrada principalmente entre vírus (-)ssRNA, entre os quais se encontram muitos agentes etiológicos de doenças humanas conhecidas, como: sarampo (Paramyxoviridae), gripe (Orthomyxoviridae), raiva (Rhabdoviridae), ebola (Filoviridae), hantavirose (Bunyaviridae), febre de Lassa (Arenaviridae). Porém, existem exemplos de vírus com esta conformação que contém material genético composto por dsDNA e (+)ssRNA. Vírus helicoidais envelopados possuem comprimento variando de 60 a 1950 ηm. Estes vírus podem apresentar formato esférico, filamentoso ou de "bala de revólver" (imagem à direita).[38] | ||
O exemplo mais conhecido de vírus de morfologia complexa são os bacteriófagos (ou simplesmente, fagos). O fagos possuem partícula viral composta por uma "cabeça" (capsídeo), de simetria icosaédrica, e uma cauda helicoidal. A cabeça é isométrica ou alongada (50 - 110 ηm de diâmetro), e a cauda pode ser longa e contrátil (Myoviridae: 80 - 455 ηm), longa não-contrátil (Siphoviridae: 65 - 570 ηm), ou curta não-contrátil (Podoviridae: 17 ηm). Na extremidade da cauda frequentemente são encontradas fibras protéicas que medeiam o contato vírus-célula.[42][43]Fagos infectam exclusivamente bactérias ou archaea[38] e todos possuem genoma constituído por dsDNA.[5]
Além dos fagos, existem outras famílias virais que possuem vírions com características que contrastam com as morfologias mais usuais, tais como as ilustradas anteriormente. Entre estas famílias estão: Baculoviridae, Reoviridae e Poxviridae.[4]
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Ciclo de replicação
Como já mencionado anteriormente, vírus são parasitas intracelulares obrigatórios, pois necessitam do ambiente intracelular de um organismo vivo para se reproduzir. Ao processo de reprodução de um vírus dá-se o nome de replicação viral. O tempo de duração do ciclo de replicação viral varia entre as diversas famílias de vírus, podendo levar poucas horas ou até dias.[44] Esta seção apresentará as etapas envolvidas num ciclo de replicação viral, focado principalmente em vírus que infectam animais. De uma maneira geral, a replicação pode ser dividida em 7 etapas:[4]
Adsorção do vírus à célula
Uma etapa essencial à reprodução viral é a adsorção (ligação) do vírion a uma célula suscetível.[45] A adsorção viral se dá por meio da interação entre proteínas virais, presentes no envelope ou no capsídeo, e receptores celulares que se encontram ancorados a membrana plasmática, expostos ao ambiente extracelular. A ligação entre alguns vírus e células também pode envolver a participação de correceptores (receptores secundários). A especificidade destas interações é alta, como em um modelo chave-fechadura, e determina o tropismo viral para infectar determinadas células e tecidos específicos. Ligações químicas não covalentes, tais como pontes de hidrogênio, atrações iônicas e forças de van der Waals, são responsáveis pela adesão entre as proteínas virais e os receptores celulares.
Nos momentos iniciais da adsorção, a partícula viral interage com um ou poucos receptores, caracterizando uma ligação reversível. Porém, à medida que mais receptores se associam ao vírion, esta ligação passa a ser irreversível, possibilitando a posterior entrada do vírus na célula. Os receptores em geral são proteínas ou carboidratos presentes em glicoproteínas e glicolipídios. Muitas das proteínas receptoras são imunoglobulinas, transportadores transmembrana e canais, ou seja, são estruturas produzidas pelas células para executar funções comuns e essenciais ao bom funcionamento celular. Muitas funcionam como receptores de quimiocinas e fatores de crescimento, ou são responsáveis pelo contato e adesão célula a célula. Os vírus subvertem o papel primordial destas moléculas, utilizando-as como meio para adentrar nas células hospedeiras.[4][5]
Entrada no citosol
Uma vez aderidos à membrana celular, os vírus devem introduzir seu material genético no interior da célula, a fim de que este seja processado (transcrito, traduzido, replicado). Este processo envolve a entrada (penetração) do vírion no citosol e posterior desmontagem do capsídeo para liberação (desnudamento) do genoma viral.[44] Para alcançar o ambiente intracelular, cada vírus utiliza um mecanismo particular. Entre os principais mecanismos (veja imagem abaixo), estão:
- Endocitose: Após a adsorção, a partícula viral pode penetrar no citoplasma por meio de um processo denominado endocitose mediada por receptores, pela formação de endossomos (vesículas). Quando um vírus entra por endocitose, o seu vírion encontra-se envolto pela membrana vesicular. Vírus envelopados liberam os nucleocapsídeos de dentro dos endossomo promovendo a fusão entre o envelope viral e a membrana da vesícula.[5] Já os vírus não envelopados, por não possuírem envelope, utilizam outras estratégias para sair dos endossomos: alguns, como os adenovírus, provocam a lise do endossomo, enquanto outros, como os poliovírus, geram poros na membrana vesicular e injetam o genoma viral diretamente no citosol.[46]
- Fusão: Neste mecanismo, executado apenas por vírus envelopados, o nucleocapsídeo é liberado no interior da célula mediante a fusão entre o envelope viral e a membrana celular. A entrada por fusão pode ocorrer de duas formas: (1) direta, pela fusão do envelope viral com a membrana plasmática, a partir do meio extracelular, ou (2) indireta, sofrendo uma endocitose inicial com posterior fusão já no interior da célula, como citado anteriormente.
- Translocação: por meio da ação de uma proteína receptora, o vírion pode atravessar a membrana por meio de translocação, do ambiente extracelular para o citosol. Este mecanismo é raro e pouco entendido.[4]
Desnudamento do ácido nucléico
Após o processo de penetração, assim que os nucleocapsídeos alcançam o citosol, estes são transportados pelo citoesqueleto (dentro de vesículas ou na forma de nucleocapsídeos livres) em direção ao local específico de processamento do genoma viral, que pode ser no próprio citosol ou no núcleo celular. Para que o genoma possa ser transcrito, traduzido, e replicado, o material genético do vírus deve ser previamente liberado e exposto no ambiente intracelular. A este processo dá-se o nome de desnudamento (ou decapsidação), um procedimento no qual o capsídeo é desmontado completamente ou parcialmente (veja imagem acima). O desnudamento pode ocorrer simultaneamente à entrada do vírus, ou pode acontecer em instantes posteriores. O sítio celular de desnudamento é bastante variável entre as diversas famílias de vírus, podendo ocorrer no citosol (e.g. Togavírus), no interior do endossomo (e.g. Picornavírus), nos poros nucleares (e.g. Adenovírus, Herpesvírus), no interior do núcleo (e.g. Parvovírus, Polyomavírus), ou simplesmente pode não ocorrer (e.g. Reovírus, Poxvírus).[4][36]
Transcrição e tradução da informação genética
Síntese de mRNA
Como mencionado anteriormente, o Sistema de Classificação de Baltimore foi criado com base nos diferentes mecanismos de transcrição que os vírus adotam para sintetizar mRNA a partir dos seus variados tipos de material genético. Os vírus podem ter genoma constituído por dsDNA, ssDNA, dsRNA, ssRNA, além de alguns serem capazes de realizar a transcrição reversa (ssRNA-RT e dsDNA-RT). Outra propriedade notável dos ácidos nucleicos virais é a polaridade (sentido, ou senso) das fitas de DNA e RNA. Fitas senso positivo (+) apresentam sequência idêntica à do mRNA, enquanto as senso negativo (-) apresentam sequência nucleotídica complementar. Diante desta complexidade de características, as estratégias de transcrição do genoma viral são tão variadas quanto os mecanismos de entrada, e podem envolver mais de uma etapa, as quais levam à conversão da informação genética viral em mRNA.[5]
- Grupo I (dsDNA): Vírus de DNA dupla fita apresentam ORFs em ambas as fitas de DNA, as quais servem diretamente como moldes para a síntese de mRNA. Vírus do grupo I que transcrevem o DNA no interior do núcleo utilizam RNA polimerase II celular para a síntese de mRNA, já aqueles que executam este processo no citosol devem possuir sua própria RNA polimerase DNA-dependente (RpDd) para produzir os transcritos.
- Grupo II (ssDNA): Vírus de DNA fita simples apresentam fita positiva ou negativa. Para a síntese de mRNA, estes vírus produzem uma respectiva fita complementar ao seu genoma, gerando uma dupla fita que serve como molde para a transcrição. Estes procedimentos ocorrem no núcleo, com o auxílio de enzimas celulares (RpDd e DpDd (DNA polimerase DNA-dependente)).
- Grupo III (dsRNA): Vírus de RNA dupla fita apresentam uma fita positiva e outra negativa. A fita negativa é utilizada como molde para a síntese de mRNA, em processo que ocorre no citosol, com auxílio de uma RNA polimerase RNA-dependente (RpRd).
- Grupo IV ((+)ssRNA): Vírus de RNA fita simples senso positivo apresentam genoma com sequência idêntica à do mRNA, e podem ser utilizados prontamente para a síntese de proteínas. No entanto, é usual a síntese de novas cópias positivas do genoma, mediante a ação de uma RpRd, que produz uma fita negativa que serve como molde para a síntese de novas fitas positivas (mRNAs).[5]
- Grupo V ((-)ssRNA): Vírus de RNA fita simples senso negativo, por possuírem genoma com sequência complementar ao mRNA, servem diretamente como molde para a produção de fitas senso positivo. A maioria dos vírus (-)ssRNA (e.g. Rhabdovírus, Filovírus, Bunyavírus, Arenavírus) normalmente procede a transcrição no citosol. Algumas exceções, como os Orthomixovírus, transcrevem seu material genético no núcleo.
- Grupo VI (ssRNA-RT): Vírus de RNA com transcrição reversa apresentam genoma de senso positivo. Por meio de uma enzima denominada transcriptase reversa (uma DNA polimerase RNA-dependente), os retrovírus produzem uma fita simples de DNA senso negativo que posteriormente serve de molde à síntese de uma fita positiva de DNA. Ao final, este processo gera uma fita dupla de DNA, que poderá ser integrada ao genoma do hospedeiro no núcleo, e utilizada para a síntese de mRNA viral.[5][47]
- Grupo VII (dsDNA-RT): Vírus de DNA com transcrição reversa (e.g. Hepadnavírus) são vírus dsDNA que promovem a síntese de mRNA no núcleo, sob a ação da RNA polimerase II celular. Neste grupo, a transcrição reversa não ocorre antes síntese de mRNA, como observado nos retrovírus, mas sim posteriormente a replicação do genoma viral.[36][47]
Síntese de proteínas
As proteínas virais são sintetizadas pela maquinaria celular (ribossomos, tRNAs). O processo de tradução ocorre no citosol, em ribossomos livres ou associados ao retículo endoplasmático. Algumas das proteínas sintetizadas em ribossomos livres são transportadas para o núcleo. Proteínas produzidas em ribossomos associados ao retículo são transportadas desta organela para o complexo de Golgi, onde podem sofrer modificações pós-traducionais (glicosilação, fosforilação). O destino final de muitas destas proteínas é a membrana celular, onde estas se concentram em regiões específicas. Em estágios finais da infecção, estas farão parte do envelope de partículas virais que sairão por brotamento nessas regiões.[5][36] Dentro do ciclo de replicação, os primeiros produtos gênicos sintetizados são proteínas não-estruturais, como proteínas de ligação ao DNA e enzimas. Entre estas enzimas estão as polimerases e outras moléculas catalíticas, as quais são componentes essenciais à replicação do genoma viral. Já as proteínas estruturais, que formarão as novas partículas virais, normalmente são sintetizadas tardiamente no ciclo de infecção. As novas cópias de material genético sintetizadas são utilizadas para a síntese de mRNAs, os quais codificarão proteínas estruturais que a partir de então serão produzidas em grandes quantidades para compor os vírus em formação. Os diferentes vírus de DNA e RNA possuem mecanismos próprios de regulação da expressão gênica, os quais controlam a produção de proteínas em momentos e quantidades apropriadas às necessidades virais.[47]
Replicação do genoma viral
Na maioria dos casos, o genoma é replicado no mesmo local onde ocorre a transcrição do material genético do vírus, isto é, no citoplasma ou no núcleo.[4] Assim como ocorre na transcrição, o processo de replicação de genomas virais envolve a participação de polimerases. Vírus de fita simples, dos grupos II, IV e V, precisam produzir uma fita complementar ao genoma, que posteriormente servirá de molde para a síntese do material genético. Vírus de fita dupla, dos grupos I e III, utilizam cada uma das duas fitas para gerar suas respectivas cópias complementares. Em geral, moléculas de DNA são sintetizadas a partir de outras moléculas de DNA (DNA → DNA), e o mesmo acontece com moléculas de RNA (RNA → RNA). A exceção a esta regra fica por conta dos vírus que realizam transcrição reversa. Membros do grupo VI (ssRNA-RT) replicam o seu genoma a partir de um intermediário de DNA (RNA → DNA → RNA). Já os membros do I (dsDNA-RT) replicam o seu genoma a partir de um intermediário de RNA (DNA → RNA → DNA).[5]
Montagem do vírion
A montagem corresponde ao processo de formação das partículas virais infectivas (vírions). Neste estágio do ciclo de infecção, as proteínas estruturais sintetizadas em etapas anteriores se associam para constituir o capsídeo. Capsídeos com formato helicoidal são formados em torno da superfície da molécula de ácido nucléico. Já os capsídeos de simetria icosaédrica são montados previamente e depois preenchidos com o genoma viral, através de um poro na estrutura pré-formada denominada pró-capsídeo. O pró-capsídeo de alguns vírus pode sofrer modificações que levam a formação do capsídeo maduro.[5] O sítio de montagem dos capsídeos depende do local de replicação viral na célula, e varia entre as diversas famílias de vírus.[4] O procedimento de montagem de vírus não-envelopados se resume a formação dos nucleocapsídeos, enquanto que para vírus envelopados a montagem só se finaliza depois da aquisição do envelope viral. A membrana lipídica do envelope se origina a partir de estruturas celulares, como: membrana plasmática (e.g. Paramyxovírus, Orthomixovírus, Rhabdovírus) e compartimentos membranosos intracelulares (complexo de Golgi, retículo endoplasmático, núcleo).[44] Outro mecanismo de aquisição de envelope é a denominada “síntese de novo” de membranas, no qual o envelope é gradualmente construído em volta do nucleocapsídeo. Este processo pode ocorrer no núcleo (e.g. Baculovírus) ou no citoplasma (e.g. Poxvírus).[5]
Liberação de novas partículas virais
A liberação dos vírions do citosol pode se dar por lise celular ou brotamento. A liberação por lise celular é mais comum aos vírus não-envelopados, e ocorre quando a membrana plasmática da célula infectada se rompe, levando-a morte celular.[4] Porém, nem todo processo de liberação viral causa danos a célula hospedeira. O brotamento é um mecanismo de liberação que pode provocar pouco ou nenhum prejuízo à célula.[36] Vírus que obtém envelope a partir da membrana plasmática saem da célula por meio de brotamento direto do nucleocapsídeo em contato com a face interna da membrana, em regiões específicas, onde se localizam as glicoproteínas virais sintetizadas em momentos prévios da infecção. Vírus com envelope originado de compartimentos intracelulares (organelas) são liberados da célula por meio de vesículas que se fundem com a membrana plasmática. Após a liberação, quando os vírions se encontram no meio extracelular, a maioria deles permanece inerte até que outra célula hospedeira seja infectada, reiniciando o ciclo de replicação viral.[5]
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