sábado, 31 de outubro de 2015

SUBJETIVIDADE

A SUBJETIVIDADE COMO OBJETO DA(S) PSICOLOGIA(S)1 Kleber Prado Filho Simone Martins Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil RESUMO: Este texto busca traçar uma história da colocação da subjetividade como objeto para as várias psicologias ao longo do século XX. Este conceito nasce no campo da filosofia do conhecimento migrando no final do século XIX para a psicanálise, de onde passa para os domínios da psicologia ganhando um tratamento histórico, social e político no final do século XX, apontando, a partir de então, para uma problematização dos processos de singularização como foco de estudo das psicologias contemporâneas. PALAVRAS-CHAVE: subjetividade; singularidade; psicologia; Michel Foucault. SUBJECTIVITY AS THE OBJECT OF PSYCHOLOGY(IES) ABSTRACT: This text intends to trace a history of where subjectivity is placed as the object for many different psychologies throughout the twentieth century. This concept originates from the field of philosophy of knowledge, migrating to psychoanalysis near the end of the nineteenth century, from where it moves to the domains of psychology, gaining a historical, social and political treatment at the end of the twentieth century, from then on, pointing to an inquiry on the process of singularization as the focus of study for contemporary psychologies. KEYWORDS: Subjectivity; singularity; psychology; Michel Foucault. Dizer, simplesmente, que o “homem” é objeto da ciência psicológica ou das várias psicologias não é suficiente, porque esta entidade genérica, em princípio, é objeto comum a todas as ditas “ciências humanas” dedicadas ao seu estudo. Resta entender como esta disciplina desenha a partir desta abstração genérica seus sujeitos concretos, entender como são construídos os objetos neste campo, além de caracterizar o que singulariza o olhar das psicologias entre as ciências humanas: este moderno olhar sobre o “psicológico”. Numa primeira aproximação, talvez se possa tributar a especificidade das psicologias a uma suposta “descoberta” do sujeito psicológico; melhor, ao nascimento deste sujeito nos domínios do discurso ocidental moderno, científico, ou à sua emergência como figura correlata deste discurso, considerando que esta era uma figura inexistente na cultura ocidental antes do surgimento da psicologia científica na passagem do século XIX ao XX. Mas, tratar do nascimento de um sujeito nos domínios da psicologia implica falar da sua colocação como objeto para um discurso científico socialmente autorizado a enunciar verdades a respeito de instâncias psicológicas que compõem este sujeito: o psiquismo, a cognição, a “mente”, a consciência, a identidade, o self; mas também, as percepções, as interpretações, e uma certa dimensão “intrapsíquica”, das emoções, do desejo, do inconsciente – o “reino da subjetividade”. Implica, portanto, enunciar o “psicológico” objetivando tais instâncias: construindo-as como “realidades psíquicas”, universalizando-as, substancializando-as e naturalizando-as, ancorando-as nas objetividades do corpo e da natureza, bem ao estilo do modelo de ciência da época. Suspeitando de tais naturalizações deve-se, contemporaneamente, colocar em questão a sua produção histórica em jogos de verdade, tomando-as como figuras de um discurso/prática especializado não apenas no conhecimento como também em intervenções sobre o “psicológico”. Em seu livro “A invenção do psicológico”, Figueiredo (1994) trata da produção histórica desta dimensão de existência subjetiva ligada aos jogos do conhecimento moderno, que designa um campo de experiências do sujeito, apontando que antes do nascimento das psicologias a experiência psicológica não existia, bem como não existiam a própria materialidade da “substância psíquica”, a existência psicológica e a percepção de si mesmo como ente subjetivo, que dão forma ao campo de experiências do sujeito moderno, compondo sensações de privacidade e intimidade que ele vivencia como “reais” e “naturais”. Ainda, conforme o mesmo autor, alguns acontecimentos sociais constituem condições históricas para o nascimento deste sujeito psicológico remetido a uma instância de subjetividade², correlativamente ao surgimento de um discurso psicológico na modernidade: a emergência do humanismo renascentista nas artes e na filosofia dos sé- culos XIV e XV; a reforma pastoral da Igreja Católica no século XVI; e o centramento da cultura moderna na figura do “homem” a partir do século XVII com o Iluminismo, resultando numa recorrente problematização mo- Psicologia & Sociedade; 19 (3): 14-19, 2007 15 derna do sujeito na filosofia, nas ciências, mas também na vida cotidiana. Estes acontecimentos são fundamentais para o nascimento de um conhecimento psicológico de cunho cientí- fico justamente porque demonstram uma primazia de atenção ao sujeito. A reforma protestante, por exemplo, não deve ser tomada como problema meramente religioso, mas centralmente social, implicando uma recusa dos modos de condução pastoral da Igreja Católica e dos modos de subjetivação e individuação ligados à ética cató- lica, caracterizando aquilo que Foucault (2002) denomina “revolta das condutas”, ou, um exercício de liberdade do sujeito no terreno religioso. Por outro lado, a figura nietzschiana da “morte de Deus” deve ser encarada não como o fim do dogma cristão, mas como o fim da hegemonia do pensamento mágico religioso e surgimento de um pensamento humano, de uma filosofia e uma ciência centradas no homem, no sujeito cognoscente. Nesta mesma direção, o trabalho de Figueiredo e Santi (2002) – “Psicologia: Uma (nova) introdução” – aponta o surgimento da “subjetividade privatizada” como campo de experiência histó- rica, individual e cotidiana na passagem à modernidade. Tomando o nascimento de um conhecimento psicoló- gico de caráter científico no final do século XIX pode-se observar certa “dança de objetos” nos desenvolvimentos deste campo ao longo do século XX, ligada ao surgimento de várias psicologias concorrentes entre si, denotando não uma unidade, nem linearidade, mas sim, diversidade e divergência de abordagem dos “fenômenos psicológicos”: 1. O “objeto primordial”, quase mítico, senão místico, é a “mente”; esta abstração idealista, subjetivista, com fortes influências da concepção cristã de alma como sinônimo de existência imaterial e do pensamento dicotômico cartesiano, que bebe da mesma fonte. Ao longo da primeira metade do século XX este termo ainda era admitido como objeto científico, mas passa a ser questionado posteriormente por suas imprecisões e impregnações metafísicas, perdendo confiabilidade na segunda metade do período. 2. Outro objeto a surgir é o fragmento psíquico – com Wundt – unidade do psiquismo, do funcionamento psí- quico ou do processo psicológico: as capacidades, a cognição, recusa do animismo cristão, mas confirma- ção do idealismo. O fragmento psíquico é tributário da concepção mecanicista de que é possível compreender o todo desmontando-o, analisando suas partes e remontando-o, predominante no modelo clássico de ciência vigente à época. 3. Depois surge o comportamento, inaugurado por Watson em 1910 e depois recolocado por Skinner com a introdução da noção de “operante”: exterioridade, mecanicismo, objetivismo e sujeição estrita ao método científico. No entanto, apesar de reproduzirem o fragmentarismo e o mecanicismo da época, o trabalho de Wundt e o behaviorismo apontam para diferentes dire- ções: enquanto o primeiro busca fazer um mapeamento da consciência a partir de uma composição dos processos psíquicos e das capacidades cognitivas, o segundo centra sua atenção na relação “estímulo-resposta” e nos aspectos operantes do comportamento, recusando os conceitos de consciência e de subjetividade. 4. Emergem as percepções, o campo perceptivo que configura o campo psicológico, que por sua vez singulariza o sujeito. Objeto colocado pela gestalt que, apoiada no método fenomenológico, busca superar o fragmentarismo e o mecanicismo vigentes, propondo uma psicologia e um sujeito mais integrados. 5. O próprio corpo surge como objeto para a ciência psicológica com Reich, também na primeira metade do século XX, numa tentativa de superar o mentalismo. Esta perspectiva é retomada e renovada no final do século, atualizando este esforço no sentido de quebrar a força da dicotomia cartesiana corpo x mente nos domínios do discurso psicológico. 6. Os discursos são um tradicional alvo de atenção de várias psicologias, analisados e interpretados de múltiplas perspectivas, buscando captar significados atribuídos a objetos e experiências, além de sentidos psicológicos subjacentes às falas dos sujeitos. 7. As relações também emergem como objeto para algumas psicologias, num esforço de superar o individualismo, o mentalismo e as naturalizações ancoradas na neurofisiologia e atualizadas pela neurociência dos anos 1990, buscando fundar tanto o conhecimento quanto o sujeito psicológicos em concepções materialistas, sociais e históricas. Mostra-se aqui toda uma diversidade de jogos operando no discurso psicológico: fragmentarismo e mecanicismo x perspectivas mais amplas e integradas; subjetivismo x objetivismo; mentalismo x materialismo; individualismo x coletivismo; naturalismo biologicista x perspectivas sociais e históricas. Nesta dança de objetos observável ao longo de todo o século XX pode-se notar ainda um movimento de deslocamento do biológico para o cultural, do natural para o histórico, do individual para o coletivo; o olhar torna-se sempre mais social, histórico e político, desenhando objetos sociais, centrando foco nas relações, mas também no material, buscando superar as concepções idealistas, subjetivistas e individualizantes. Algumas instâncias mais “integradas” ganham visibilidade a partir de 1940: a consciência, o comportamento; mas também a personalidade (como decorrência da emergência das teorias do desenvolvimento), a individualidade,Subjetividade é algo que varia de acordo com o julgamento de cada pessoa, é um tema que cada indivíduo poe interpretar da sua maneira, que é subejtivo. Subjetividade diz respeito ao sentimento de cada pessoa, sua opinião sobre determinado assunto.
Subjetividade é algo que muda de acordo com cada pessoa, por exemplo, gosto pessoal, cada um possui o seu, portanto é algo subjetivo. O tema subjetividade varia de acordo com os sentimentos e hábitos de cada um, é uma reação e opinião inidividual, não é passivo de discussão, uma vez que cada um dá valor para uma coisa específica.
A subjetividade é formada através das crenças e valores do indivíduo, com suas experiências e histórias de vida. O tema da subjetividade é bastante debatido e estudado em psicologia, cmo ela se forma, de onde vêm, e etc.Prado Filho, K.; Martins, S. “A subjetividade como objeto da(s) Psicologia(s)” 16 a identidade – objeto por excelência da psicologia social dos anos 1980 – bem como a subjetividade e a singularidade, problematizadas de uma perspectiva social, histó- rica e política a partir desta mesma década de 1980. Em verdade o conceito de subjetividade passa do campo da psicanálise para os domínios das psicologias na primeira metade do século passado, mas é somente no seu final que ele se despe de um sentido naturalizado e substancializado de interioridade, passando a ser pensado em termos históricos, sociais e políticos – como produção de subjetividade – apresentando-se contemporaneamente como objeto possível para muitas psicologias de cunho crítico, como alternativa a uma problematização da “identidade”, exatamente por buscar dar conta das diferenças. Esta perspectiva histórico-política da subjetividade ganha destaque neste momento em decorrência do declínio do conceito de identidade, que se esgota numa exaltação ao “idêntico”: este movimento de se repetir, de se fazer idêntico a si mesmo para facilitar a visibilidade social e permitir a localização e captura pelos poderes. Visibilidade de duas vias: do sujeito que se repete e se reconhece idêntico a si mesmo, e que neste movimento se expõe à vista dos outros, tornando-se identificável e capturável pela lei, pela norma, pela moral. Questão política esta, portanto, ligada a práticas de individualização e identificação social de sujeitos, envolvendo jogos de normalização, formas de reconhecimento de si e dos outros, além de modos de subjetivação, que exigem posicionamento crítico e resistência a uma certa “política das identidades” exercida pelo Estado contemporâneo. Uma análise arqueológica do conceito mostra que uma primeira problematização da subjetividade surge na filosofia moderna com Kant, que se pergunta sobre as condi- ções de possibilidade para a produção de verdades sólidas, objetivas e universais, válidas para todos, se quem produz conhecimento é sempre um sujeito singular, histórico e, portanto, falível. A questão da subjetividade surge, portanto, no contexto filosófico das preocupações epistemológicas quanto à produção do conhecimento, de forma negativa: como aquilo que precisa ser neutralizado e superado para se ter acesso a uma verdade objetiva. Esta conotação negativa persistiu ao longo de todo o século XX, enfatizando a contaminação do conhecimento por ela, mas as epistemologias contemporâneas argumentam que a subjetividade faz parte do jogo e precisa ser contemplada na produção do conhecimento, por não se opor necessariamente ao critério de objetividade. Além da subjetividade, o poder também tem sido tradicionalmente apontado como contaminador da neutralidade científica, porém Foucault, já na década de 1960, critica esta separação quando liga indissociavelmente em suas análises saber, poder e subjetividade. Nasce, também com Kant, a figura do sujeito cognoscente: aquele que conhece, desvenda e enuncia verdades; “duplo” da filosofia e da ciência modernas: ao mesmo tempo sujeito e objeto do conhecimento, núcleo da epistemologia clássica, que permanece ainda no centro das epistemologias contemporâneas, de forma revisitada. Apesar da tradição crítica que liga Nietzsche e Foucault levantar esta questão ao longo do século XX, ainda não foi superado esse lugar central do sujeito nos jogos de produção do conhecimento, onde toda a verdade ainda remete e retorna a ele. Sujeito cognoscente, transcendental e universal, porque não é nenhum sujeito concreto em especial e sim, uma abstração genérica que se refere a uma posição e não de um indivíduo, um “descobridor genial”. Após mais de um século o termo migra para o campo dos conhecimentos “psi” pelas mãos de Freud passando a designar uma instância de interioridade, constituindo objeto de estudo científico e campo de experiências do sujeito. De certa forma, a psicanálise freudiana naturaliza e essencializa a subjetividade ao considerá-la inerente ao sujeito, reproduzindo a matriz cristã da interioridade e fazendo dela um enunciado. Nasce agora, correlativamente ao discurso psicanalítico, o sujeito – também universal – do inconsciente e do desejo, remetido à sexualidade posta como invariante: este é o contexto do debate de Michel Foucault (1988, 1989, 1990) com a psicanálise na sua “História da sexualidade”. Mas não é da perspectiva psicanalítica que está sendo abordada a questão, até porque uma problematização da subjetividade não é monopólio nem privilégio da psicanálise, e sua importância arqueológica aqui apontada refere-se justamente a este ato de importação do conceito da filosofia para os domínios psi – pelas mãos de Freud – e não exatamente ao novo significado a ele atribuído nos domínios da psicanálise. Conforme afirmado anteriormente, numa perspectiva mais contemporânea, a subjetividade tomada como objeto construído pelo conhecimento e também como campo de experiências do sujeito não implica naturalmente nem necessariamente interioridade, substância ou permanência. Tradicionalmente as concepções psicológicas apontam para um núcleo, um centro da “consciência”, da “personalidade”, da “identidade”, que pressupõe certa regularidade, previsibilidade e permanência – quando não, “essência” e interioridade – o que permite distinguir os indivíduos uns dos outros. Descentrar a análise da subjetividade deste eixo habitual do desenvolvimento da personalidade e da identidade, tomando-a como resultado da dispersão de forças sociais, implica tratá-la como figura histórica que não tem centro, permanência, inerência ou substância, nem qualquer sentido, naturalizante, biológico, genético ou determinista, e pensá-la em movimento, como virtualidade, efeito holográfico que existe concretamente ali onde não há nada de palpável. Vista desta perspectiva tem menos a ver com uma suposta natureza humana do que com o instável jogo de forças dos enunciados e dispositivo

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