Afrodescendente é aquele que descende de africano. A palavra afrodescendente é formada por dois adjetivos: afro, que faz referência ao africano, mais descendente que é aquele que descende de, que provém por geração, portanto, afrodescendente significa “descendente de africano”.
Estima-se que 200 milhões de pessoas que se identificam como sendo afrodescendentes vivem nas Américas. O Brasil tem o maior número de pessoas de ascendência africana fora de seu continente.
Miscigenação
O continente africano tornou-se durante mais de três séculos, o grande celeiro de mão de obra escrava para a acumulação capitalista europeia e para os proprietários rurais e de minas na América. Milhões de negros africanos foram trazidos para a América ao longo de séculos de migrações forçadas, eram embarcados geralmente em Angola, Moçambique e Guiné e desembarcados no Recife, Salvador e Rio de Janeiro.
Segundo alguns autores, cerca de 10 milhões de escravos entraram na América no período de 1502 a 1870. Ao longo desses séculos se formou uma grande miscigenação entre europeus, principalmente portugueses, negros e índios. Poucos países do mundo passaram por uma miscigenação tão intensa quanto o Brasil.
Políticas para os afrodescendentes
As pessoas de ascendência africana são reconhecidas na Declaração e no Programa de Ação de Durban como um grupo de vítimas específicas que continuam sofrendo discriminação, como legado histórico do comércio transatlântico de escravos. Mesmo afrodescendentes que não são descendentes diretos dos escravos enfrentam o racismo e a discriminação que ainda hoje persistem.
Em dezembro de 2013 a Assembleia Geral da ONU adotou, por consenso, uma resolução que cria a Década Internacional de afrodescendentes, denominada “Pessoas Afrodescendentes: reconhecimento, justiça e desenvolvimento”. A década será celebrada de 1º de janeiro de 2015 a 31 de dezembro de 2024, com o objetivo de reforçar o combate ao preconceito, intolerância, a xenofobia e ao racismo.Afro-brasileiro ou negro são os termos oficiais no Brasil que designam racialmente e de acordo com a cor das pessoas que se definem como pertencentes aesse grupo.
De acordo com uma pesquisa do IBGE realizada em 2008 nos estados do Amazonas, da Paraíba, de São Paulo, do Rio Grande do Sul, do Mato Grosso e noDistrito Federal, apenas 11,8% dos entrevistados reconheceram ter ascendência africana, enquanto que 43,5% disseram ter ancestralidade europeia, 21,4% indígena e 31,3% disseram não saber a sua própria ancestralidade. Quando indagados a dizer de forma espontânea a sua cor ou raça, 49% dos entrevistados se disseram brancos, 21,7% morenos, 13,6% pardos, 7,8% negros, 1,5% amarelos, 1,4% pretos, 0,4% indígenas e 4,6% deram outras respostas.[3] Porém, quando a opção "afrodescendente" foi apresentada, 21,5% dos entrevistados se identificaram como tal.[4] Quando a opção "negro" também foi apresentada, 27,8% dos entrevistados se identificaram com ela.[3]
Índice
[esconder]- 1Conceito de afro-brasileiro
- 2História
- 3Fluxos imigratórios
- 4Grupos étnicos
- 5Demografia
- 6Miscigenação
- 7Influência cultural
- 8Discriminação
- 9Municípios brasileiros com maior população afrodescendente
- 10Pesquisas genéticas
- 11Brasileiros negros famosos
- 12Ver também
- 13Notas
- 14Referências
- 15Ligações externas
Conceito de afro-brasileiro[editar | editar código-fonte]
O antropólogo Darcy Ribeiro considerava o contingente negro e mulato "o mais brasileiro dos componentes do nosso povo" vez que, desafricanizado pela escravidão e não sendo indígena nem branco reinol, só restava a ele assumir uma identidade plenamente brasileira.[5] Isto não quer dizer que negros e mulatos tenham se integrado à sociedade brasileira sem serem estigmatizados. Muito pelo contrário, muitos brasileiros desenvolveram vergonha das suas origens negras, seja pelo fato de que descender de escravos remete a um passado de humilhações e sofrimentos que deveria ser esquecido ou pelos estereótipos negativos que foram construídos em torno da negritude, associando-a a mazelas sociais como a pobreza e a criminalidade.[5] [6] [7]
Portanto, assumir-se negro no Brasil sempre foi muito difícil, por todo o conteúdo ideológico anti-negro que historicamente se desenvolveu no país, onde ainda hoje impera a ideologia do branqueamento e um padrão branco-europeu estético e cultural.[6] Portanto, no Brasil, apenas as pessoas de pele preta retinta são consideradas negras, sendo que o mulato já é pardo e portanto meio-branco e, se tiver a pele um pouco mais clara, passa a ser visto como branco. No passado, era raro o mulato saltar para o lado negro de sua dupla natureza vez que, diante da massa de negros afundados na miséria, com eles não queria se confundir.[5]
Nos últimos anos, contudo, cada vez mais brasileiros se assumem como negros. Isso é consequência do sucesso dos negros americanos, vistos pelos brasileiros como uma "vitória da raça" e, principalmente, devido à ascensão social de parcela da população afrodescendente que, tendo acesso à educação e a melhores oportunidades de emprego, deixa de ter vergonha de assumir a sua cor.[5]
Raça é um conceito social, político e ideológico, não tendo uma sustentação biológica, vez que não é possível separar biologicamente seres humanos em raças distintas.[8] Em um país profundamente miscigenado como o Brasil, não é fácil definir quem é negro, vez que muitos brasileiros aparentemente brancos são parcialmente descendentes de africanos, assim como muitos negros são parcialmente descendentes de europeus. Para o Movimento Negro, são consideradas negras todas as pessoas que têm essa aparência. Para o antropólogo Kabegele Munanga, da USP, a questão é problemática e, segundo ele, deve prevalecer a autoclassificação. Portanto, se uma pessoa, aparentemente branca, se declara negra e se candidata a uma vaga com base em cotas raciais, a sua decisão deve ser respeitada.[9]
No censo do IBGE de 2010, 7,6% dos brasileiros identificaram sua cor ou raça como preta, 43,1% como parda e 47,7% como branca.[10] Estes dados, contudo, devem ser analisados com cautela, haja vista a histórica tendência ao branqueamento que se observa nas classificações raciais no país.[5] [6] Para efeitos estatísticos, o IBGE classifica como população negra a soma dos pretos e pardos,[11] embora esta metodologia venha a ser questionada por alguns.[12]
O Estado brasileiro, que historicamente assumiu diversas atitudes claramente racistas, como no final do século XIX, quando proibiu a entrada de imigrantes africanos e asiáticos no país, ao mesmo tempo em que promovia a entrada de imigrantes europeus,[13] [14] recentemente tem se redimido e tomado atitudes políticas que visam a melhora das condições de vida da população negra, tanto do ponto de vista sócio-econômico como ideológico. Dentre as quais, a Lei nº 10.639 de 2003, que tornou obrigatório o ensino da História da África e da cultura afro-brasileira nas escolas,[15] a Lei nº 12.288 de 2010, que instituiu oEstatuto da Igualdade Racial,[16] a Lei nº 12.519 de 2011, que instituiu o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra[17] , a Lei nº 12.711 de 2012, que tornou obrigatória a reserva de cotas raciais no Ensino Superior[18] e a Lei nº 12.990 de 2014, que também tornou obrigatória a reserva de cotas para negros nos concursos públicos.[19]
História[editar | editar código-fonte]
A escravidão no mundo[editar | editar código-fonte]
Ver artigo principal: Escravidão, Escravidão na Roma Antiga
Segundo o historiador Orlando Patterson, praticamente não existe ser humano que não seja descendente de escravos ou de senhores de escravos. A escravidão foi adotada em diversas sociedades humanas, em diferentes regiões do mundo, vigorando nas populações mais primitivas até as civilizações mais sofisticadas.[20]
No que viria a ser o Brasil, a escravidão já era praticada pelos índios, na sua forma mais primitiva, bem antes da chegada dos europeus. Entre os tupinambás, a escravidão não tinha um valor econômico, vez que os cativos serviam para serem exibidos como troféus de valor militar e honra ou como carne a ser devorada em rituais canibalescos que poderiam acontecer até quinze anos após a captura.[20]
Pesquisas arqueológicas mostram que a escravidão foi praticada na Europa pelo menos desde o Neolítico. Com a revolução urbana, iniciada a partir do V milênio a. C., os prisioneiros de guerra, no lugar de serem sacrificados em cerimônias antropofágicas, passaram a ser usados como trabalhadores cativos. O sistema escravista alcançou seu auge entre os europeus nas civilizações grega e romana, época em que milhares de pessoas foram traficadas como escravas no Mar Negro e no Mediterrâneo. A maioria desses escravos eram europeus, embora também viessem das colônias na África e na Ásia. A escravidão declinou no norte da Europa no fim da Idade Média, porém persistiu no sul até a Idade Moderna.[20]
Entre os povos mais primitivos da África Subsaariana, assim como entre os índios do Brasil, os escravos raramente tinham um valor econômico, sendo símbolo de prestígio. Porém, a medida que os povos subsaarianos mais simples passaram a ter contato com povos mais avançados, os escravos geralmente constituíam a única mercadoria que eles poderiam oferecer em troca de bens de luxo.[20] Em 1580 a.C, navios já partiam do Egito para a Somalilândia com o único objetivo de capturar escravos. Com o avanço do islamismo na Península Arábica e no Norte da África, o tráfico de escravos negros se intensificou, com a formação de postos comerciais na África oriental por comerciantes árabes. No início da Idade Média, traficantes árabes penetraram a África ocidental e iniciaram o tráfico transaariano de escravos, que culminou na escravização de milhões de africanos negros que foram mandados para as regiões islamizadas do norte da África e para os países árabes.[20]
O tráfico transatlântico de escravos[editar | editar código-fonte]
Nenhum continente foi tão afetado pela escravidão como a África. O último e o maior sistema escravista da História da humanidade foi o tráfico de africanos para as Américas. Praticamente todos os povos daEuropa ocidental estiveram envolvidos nesse altamente lucrativo tráfico, embora Portugal, Holanda, Inglaterra e França se tenham destacado. Com a chegada dos europeus ao continente africano no século XVI, o tráfico de escravos, intenso há vários séculos, cresceu ainda mais. Em troca de mercadoria e dinheiro oferecidos pelos comerciantes europeus, vários povos africanos venderam pessoas de tribos vizinhas para os traficantes de pessoas. Como resultado do estímulo econômico advindo do comércio de escravos, surgiram na África Estados centralizados cuja economia estava fortemente dependente da venda de escravos, como Daomé e o Império Ashanti. Neste processo, os comerciantes europeus e a elite africana lucravam por meio da escravização de milhões de africanos. De maneira geral, havia oito meios pelos quais as pessoas poderiam ser escravizadas:[20]
- Captura em guerras;
- Rapto;
- Pagamento de tributos e impostos;
- Dívida;
- Punição por crimes;
- Abandono e venda de crianças;
- Auto-escravização;
- Nascimento
A maioria dos africanos chegou às Américas por meio de rapto, ou seja, foram vítimas de ataques e incursões feitas com o único propósito de se adquirir escravos.[20] A maioria dos raptos eram feitos por intermediários africanos, que penetravam tribos vizinhas e vendiam os seus membros aos europeus embora, em muitos casos, os raptos fossem feitos pessoalmente pelos portugueses. A segunda forma mais comum da escravização foi por meio de capturas em guerras. Prisioneiros de guerra eram reduzidos à escravidão pela tribo vencedora e destinados à escravidão nas Américas. Rapto e captura em guerras não devem ser confundidos pois, no primeiro caso, a tribo é atacada com o único objetivo de se obter escravos e, no segundo, a tribo é escravizada como consequência de ter sucumbido na guerra. Patterson estima que, dos 1,6 milhão de africanos entrados no Novo Mundo antes do final do século XVII, 60% podem ter sido prisioneiros de guerra, enquanto menos de um terço foi raptado. Porém, dos 7,4 milhões entrados entre 1701 e 1810, 70% foram raptados e 20% foram vítimas de guerra.[20]
Destino | Porcentagem |
---|---|
América Portuguesa | 38,5% |
América Britânica (menos a América do Norte) | 18,4% |
América Espanhola | 17,5% |
América Francesa | 13,6% |
América do Norte Inglesa | 6,45% |
América Inglesa | 3,25% |
Antilhas Holandesas | 2,0% |
Antilhas Dinamarquesas | 0,3% |
A escravidão no Brasil[editar | editar código-fonte]
Ver artigo principal: Escravidão no Brasil
O Brasil recebeu cerca de 38% de todos os escravos africanos que foram trazidos para a América.[22] A quantidade total de africanos subsaarianos que chegaram ao Brasil tem estimativas muito variadas: alguns citam mais de três milhões de pessoas, outros quatro milhões.[23] Segundo uma estimativa, de 1501 a 1866, foram embarcados na África com destino ao Brasil 5.532.118 africanos, dos quais 4.864.374 chegaram vivos (667.696 pessoas morreram nos navios negreiros durante o trajeto África-Brasil). O Brasil foi, de longe, o país que mais recebeu escravos no mundo. Em comparação, no mesmo período, com destino àAmérica do Norte foram embarcados 472.381 africanos, dos quais 388.747 chegaram vivos (83.634 não sobreviveram).[24]
De acordo com a estimativa do IBGE, o número total de africanos que chegou ao Brasil foi de 4.009.400.[25]
Os portugueses lideraram o tráfico de escravos por séculos. Herdaram da tradição islâmica sua cultura técnica, fundamentalmente para a navegação, produção de açúcar e incorporação de negros escravos para a força de trabalho.[5] A mão-de-obra escrava de africanos na produção de açúcar já estava sendo utilizada nas ilhas atlânticas daMadeira e dos Açores à época do descobrimento do Brasil, seguindo uma nova forma de organização de produção: a fazenda.[5] No início do século XVI, cerca de 10% da população de Lisboa era composta por escravos africanos, número surpreendentemente alto para um contexto europeu.[26] Os portugueses, mais do que qualquer outro povo europeu, estavam culturalmente condiciados a lidar com povos de pele mais escura e preparados para contingenciar indígenas ao trabalho forçado e a aliciar multidões de africanos com o intuito de viabilizar seus interesses econômicos. O Brasil se configurou como uma formação colonial-escravista de caráter agromercantil. Primeiramente, o português usou do trabalho forçado do indígena. Porém, com a deterioração dessa população aborígene, o tráfico de pessoas oriundas da África se intensificou gradativamente, passando a compor a massa de trabalhadores no Brasil.[5]
A escravidão fincou raízes profundas na sociedade brasileira. Os africanos e seus descendentes resistiram durante todos os séculos contra a escravatura, por meio de rebeliões ou fugas, formando quilombos. Porém, possuir escravos era uma prática tão disseminada e aceita pela sociedade que muitos ex-escravos, após conseguirem a liberdade, também tratavam de adquirir um cativo para si. Ter escravos significava status e afastava as pessoas do mundo do trabalho pesado, que na mentalidade brasileira apenas os escravos podiam exercer. Portanto, no Brasil escravagista, ninguém se espantava ao ver um negro ou um mulato comprando um escravo, mas essa cena seria chocante nos Estados Unidos à época e difícil de ser imaginada pelos brasileiros atualmente.[27] Toda a vida econômica do império ultramarino português na África e na América se organizava com base no trabalho escravo, e o sentimento abolicionista sempre foi muito débil no mundo luso-brasileiro.[28] Em decorrência, o Brasil só extinguiu o tráfico de escravos em 1850, sob pressão da Inglaterra e após desrespeitar acordos nos quais se comprometia a abolir o tráfico. A escravatura só foi abolida em território brasileiro em 1888, sendo o Brasil o último país das Américas a abolir a escravidão.[29] A escravatura era um dos pilares do Império do Brasil e, com a abolição, o Imperador Pedro II perdeu o apoio dos fazendeiros escravistas insatisfeitos por não terem recebido indenização, sendo uma das causas da queda da Monarquia no Brasil.[30]
Fluxos imigratórios[editar | editar código-fonte]
Rotas do tráfico entre Brasil e África[editar | editar código-fonte]
O projeto The Trans-Atlantic Slave Trade Database estimou que, durante o tráfico negreiro, desembarcaram no Brasil 5.099.816 africanos. Após minuciosas análises na África e nas Américas, os pesquisadores conseguiram traçar as origens dos africanos trazidos ao Brasil. Cerca de 68% dos escravos desembarcados no Brasil eram provenientes do Centro-Oeste africano. Atualmente, situam-se nessa região os Estados de Angola, República do Congo e República Democrática do Congo.[31]
Origem dos africanos trazidos ao Brasil[31] | |||
---|---|---|---|
Região de origem | Número de pessoas | Porcentagem | Países na atual região |
Centro-Oeste da África | 3.507.222 | 68,7% | Angola, República do Congo e República Democrática do Congo |
Golfo do Benim | 908.044 | 17,8% | Parte leste da Nigéria, Camarões, Guiné Equatorial e Gabão |
Sudeste da África e ilhas do Índico | 288.390 | 5,6% | Moçambique e Madagascar |
Senegâmbia | 177.625 | 3,4% | Senegal e Gâmbia |
Golfo do Biafra | 133.431 | 2,5% | Togo, Benim e oeste da Nigéria |
Costa do Ouro | 62.170 | 1,2% | Gana e oeste da Costa do Marfim |
Serra Leoa | 14.960 | 0,2% | Serra Leoa |
Costa de Barlavento | 7.974 | 0,15% | Libéria e Costa do Marfim |
Totais | 5.099.816 |
Cada época da História do Brasil tem diferentes portos importantes de embarque de escravos, e cada porto recebia escravos provenientes de uma grande região que ia centenas de quilômetros dentro do interior da África. Portanto, a origem étnica dos escravos recebidos no Brasil é muito variada, além de se ter alterado ao longo dos séculos de tráfico negreiro.
Apesar disto, os grupos étnicos acabaram se dividindo por locais, com preponderância dos Bantos no Rio de Janeiro e dos escravos oeste-africanos na Bahia e norte do Brasil.[32] Uma das razões foi o momento histórico em que ocorreu cada ciclo econômico em uma região diferente do Brasil (açúcar no nordeste, ouro em Minas Gerais e café no Rio de Janeiro) e a oferta maior de escravos em uma região da África
Os portos de embarque na África concentravam escravos provenientes de uma grande região que ia até de centenas de quilômetros pelo litoral e para o interior do continente. De modo simplificado, podemos dizer que os escravos africanos trazidos para o Brasil originavam-se nos seguintes locais de embarque:
- Oeste-Africano: portos do Senegal e Gâmbia (em menor escala, a ilha de Gorée),[33] [34] Mina (hoje Elmina) em Gana, Uidá em Benim e Calabar na Nigéria;
- Centro-oeste Africano: portos de Cabinda (próximo a foz do rio Congo) e Luanda, ambos na atual Angola;
- Leste Africano: portos de Ibo, Lourenço Marques e Inhambane em Moçambique; portos de Zanzibar e Quiloa na atual Tanzânia.[35]
Assim temos:
- séculos XVI e XVII: portos do Senegal e Gâmbia (em menor escala, a ilha de Gorée)[33] [34] enviando escravos da região oeste-africana (negros da Guiné) principalmente para Salvador e Recife;
- séculos XVIII: Portos de Mina, Uidá, Calabar; Cabinda e Luanda; e Zanzibar enviando escravos que eram desembarcados principalmente em Salvador e Rio de Janeiro, de onde a maior parte ia para Minas Gerais;[36]
- século XIX: Portos de Mina, Uidá e Calabar; Cabinda e Luanda; Zanzibar e Quiloa; Ibo, Lourenço Marques e Inhambane enviando escravos que eram desembarcados principalmente em Salvador e Rio de Janeiro,[35] de onde a maior parte seguia para as plantações de café no vale do Paraíba do Sul e cana-de-açúcar do norte fluminense.
Na primeira metade do século XIX, em que ocorreu o apogeu do tráfico de escravos para o Brasil, os escravos do oeste-africano iam principalmente para Salvador, enquanto os centro-oeste e leste-africano iam principalmente para o Rio de Janeiro. A razão é simplesmente a distância menor entre portos de embarque e desembarque, transportando uma carga que literalmente perecia com as más condições da viagem. Deste modo, os grandes grupos étnicos acabaram predominando em alguns locais como os bantos no Rio de Janeiro e os escravos oeste-africanos na Bahia e norte do Brasil.[32] Minas Gerais foi um caso peculiar, pois recebeu grande quantidade de escravos oeste-africanos e bantos, sendo que os primeiros predominaram até meados do século XVIII, e os segundos durante o século XIX.[37]
Região de desembarque dos africanos trazidos ao Brasil[38] | |||
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Regiões de desembarque | Número de pessoas | Porcentagem | |
Sudeste do Brasil | 2.259.987 | 46,8% | |
Bahia | 1.545.006 | 32% | |
Pernambuco | 824.312 | 17% | |
Amazônia | 141.774 | 2,9% | |
Não especificada | 50.048 | 1% | |
Totais | 4.821.127 |
Retorno à África[editar | editar código-fonte]
Diversas comunidades de escravos libertos no Brasil retornaram à África entre os séculos XVIII e XIX.[39] Entre eles destacam-se os Tabom, retornados ao Gana em 1835-36,[40] e os Agudás ou Amarôs, no Benim, no Togo e na Nigéria. Numerosos, esses "brasileiros" estabeleceram-se na região da antiga costa dos Escravos - que abrangia todo o golfo de Benim, indo da atual cidade de Lagos, na Nigéria, até Acra, no Gana.Milton Guran em seu livro "Agudás – os “brasileiros” do Benim" resume: "Os “brasileiros” do Benim, Togo e Nigéria, também conhecidos como agudás, nas línguas locais, são descendentes dos antigos escravos doBrasil que retornaram à África durante o século XIX e dos comerciantes baianos lá estabelecidos nos séculos XVIII e XIX. Possuem nomes de família como Souza, Silva, Almeida, entre outros, festejam Nosso Senhor do Bonfim, dançam a burrinha (uma forma arcaica do bumba-meu-boi), fazem desfiles de Carnaval e se reúnem frequentemente em torno de uma feijoadá ou de um kousidou. Ainda hoje é comum os agudás mais velhos se cumprimentarem com um sonoro “Bom dia, como passou?” “Bem, ‘brigado’” é a resposta."[41] [42]
Imigração africana recente[editar | editar código-fonte]
Nas décadas recentes, africanos negros têm imigrado ao Brasil,[43] especialmente de países que falam português como Angola, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, em busca de oportunidades de trabalho ou comerciais.
Grupos étnicos[editar | editar código-fonte]
Os portugueses classificavam diversas etnias africanas de forma genérica, sem levar em conta as peculiaridades existentes entre esses diferentes grupos. De maneira geral, os escravos eram identificados de acordo com a região do porto onde embarcaram. Em consequência, um grupo classificado como único pelos portugueses poderia, de fato, abarcar diversas etnias dentro dele. Os oeste-africanos, oriundos da denominada Costa da Mina, sobretudo da atual Nigéria e do Benin, eram genericamente denominados de escravos minas ou sudaneses, embora dentro desse grupo genérico eram incluídas etnias diversas, como os nagôs, jejes, fantis e Axântis, gás e txis (minas), malês(islamizados), hauçás, kanuris, tapas, gruncis, fulas e mandingas. Muitos dos escravos trazidos da Costa da Mina eram seguidores da religião muçulmana. Alguns deles sabiam ler e escrever em árabe, fato inusitado no Brasil colonial, onde a maioria da população, inclusive a elite, era analfabeta. A influência islâmica desses escravos pode ainda ser vista em Salvador, sobretudo no vestuário das baianas, com seu característico turbante muçulmano, saias largas e compridas, xales e mantras listradas.[44]
O outro grande grupo que veio para o Brasil foi o dos bantos, a maioria oriunda de Angola, mas esse grupo incluía também escravos de lugares longínquos, como Moçambique.[45]
Bantus[editar | editar código-fonte]
Os Bantus são descendentes de um grupo etnolinguístico que se espalhou rápida e recentemente desde a atual região de Camarões em direção ao sul, atingindo tanto o litoral oeste quanto o leste da África. Como esta expansão foi recente, as diferentes nações Bantus têm muitos aspectos étnico-culturais, linguísticos e genéticos em comum, apesar da grande área pela qual se espalharam.[46]
Os Bantus trazidos para o Brasil vieram das regiões que atualmente são os países de Angola, República do Congo, República Democrática do Congo, Moçambique e, em menor escala,Tanzânia. Pertenciam a grupos étnicos que os traficantes dividiam em Cassangas, Benguelas, Cabindas, Dembos, Rebolo, Anjico, Macuas, Quiloas, etc.
Constituíram a maior parte dos escravos levados para o Rio de Janeiro, Minas Gerais e para a zona da mata do Nordeste.[32] [35] [36]
Oeste-africanos[editar | editar código-fonte]
Os oeste-africanos provinham de uma vasta região litorânea que ia desde o Senegal até à Nigéria, além do interior adjacente. A faixa de terra fronteiriça ao sul da região do Sahel, que se estende no sentido oeste-leste atravessando toda a África, é denominada Sudão. Frequentemente, os escravos de origem oeste-africana são chamados de sudaneses, o que causa confusão com os habitantes do atual Sudão, que comprovadamente não teve sua população escravizada nas Américas. Além disto, apenas parte dos escravos de origem oeste-africana vieram da vasta região chamada Sudão. Os nativos do oeste-africano foram os primeiros escravos a serem levados para as Américas sendo chamados, nesta época, de negros da Guiné.[35]
No livro Diálogos das grandezas do Brasil, de 1610, Ambrósio Fernandes Brandão fala da abundância de "escravos da Guiné" existente nas capitanias nordestinas.
-
- (...) porquanto neste Brasil se há criado um novo Guiné com a grande multidão d'escravos vindos de lá que nele se acham; em tanto que, em algumas das capitanias, há mais deles que dos [índios] naturais da terra, e lodos os homens que nele vivem tem metida quase toda sua fazenda em semelhante mercadoria.[47]
Os oeste-africanos eram principalmente nativos das regiões que atualmente são os países de Costa do Marfim, Benim, Togo, Gana e Nigéria. A região do golfo de Benim foi um dos principais pontos de embarque de escravos, tanto que era conhecida como Costa dos Escravos. Os oeste-africanos constituíram a maior parte dos escravos levados para a Bahia.[32]Pertenciam a diversos grupos étnicos que o tráfico negreiro dividia, principalmente, em:
- Nagôs - os que falavam ou entendiam a língua dos Iorubás, o que incluía etnias como os Kètu, Egba, Egbado, Sabé, etc;
- Jejes - que incluía etnias como Fons, Ashanti, Ewés, Fanti, Mina e outros menores como Krumans, Agni, Nzema, Timini, etc.
Os Malês eram escravos de origem oeste-africana, na maior parte falantes da língua haúça, que seguiam a religião muçulmana. Muitos deles falavam e escreviam em língua árabe, ou usavam caracteres do Árabe para escrever em haúça.[44] Além dos Hauçás, isto é, dos falantes de língua haúça, outras etnias islamizadas trazidas como escravos para o Brasil foram os Mandingas, Fulas, Tapa,Bornu, Gurunsi, etc.
Havia também oeste-africanos de outras etnias além das acima citadas como os Mahis, Savalu e vários outros grupos menores.
Demografia[editar | editar código-fonte]
Entrada de escravos africanos no Brasil(IBGE) | ||||
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Período | 1500-1700 | 1701-1760 | 1761-1829 | 1830-1855 |
Quantidade | 510.000 | 958.000 | 1.720.000 | 718.000 |
Muitos negros foram trazidos para o Brasil como escravos no período colonial e imperial e eram uma parcela grande da população, mas, o crescimento da população negra foi relativamente pequeno em comparação com a entrada de escravos da África subsaariana. Primeiramente, porque os homens eram a grande maioria dos escravos traficados para o Brasil, atingindo quantidades até oito vezes maiores do que a de mulheres.[32] Segundo, porque a mortalidade era muito maior entre os escravos do que entre o resto da população brasileira. Em certos momentos da História do Brasil, o crescimento da população escrava deveu-se somente ao crescimento do tráfico de escravos. Deve ser registrado que não há certeza quanto ao número que entrou porque no Brasil não foi realizado censo da população brasileira antes de 1872.[48] O que é certo, porém, é que o número de africanos trazidos foi grande, porém, a maior parte deles era do sexo masculino, com expectativa de vida no geral muito baixa. Nas palavras de Auguste de Saint-Hilaire: "Uma infinidade de negros morreu sem deixar descendência".[49] Tanto é que a população inteira do Brasil, estimada em 4 milhões por volta de 1823, abrangendo todos os segmentos da população (brancos, pardos e mestiços em geral, africanos livres e escravos, e índios), corresponde ao número total de africanos que, de acordo com alguns, teria vindo ao Brasil durante todo o período colonial[50] , não se podendo dizer, então, que o número de africanos trazidos corresponda àquele que contribuiu, efetivamente, para o crescimento demográfico do país.
A população negra cresceu com força com a melhoria de tratamento dos escravos que ocorreu depois do fim do tráfico com a Lei Eusébio de Queirós de 1850.
Desembarque estimado de africanos[51] | ||||
---|---|---|---|---|
Qüinqüênios | Local de desembarque | |||
Total | Sul da Bahia | Bahia | Norte da Bahia | |
Total | 2 113 900 | 1 314 900 | 409 000 | 390 000 |
1781-1785 | (63 100) | 34 800 | ... | 28 300 |
1786-1790 | 97 800 | 44 800 | 20 300 | 32 700 |
1791-1795 | 125 000 | 47 600 | 34 300 | 43 100 |
1796-1800 | 108 700 | 45 100 | 36 200 | 27 400 |
1801-1805 | 117 900 | 50 100 | 36 300 | 31 500 |
1806-1810 | 123 500 | 58 300 | 39 100 | 26 100 |
1811-1815 | 139 400 | 78 700 | 36 400 | 24 300 |
1816-1820 | 188 300 | 95 700 | 34 300 | 58 300 |
1821-1825 | 181 200 | 120 100 | 23 700 | 37 400 |
1826-1830 | 250 200 | 176 100 | 47 900 | 26 200 |
1831-1835 | 93 700 | 57 800 | 16 700 | 19 200 |
1836-1840 | 240 600 | 202 800 | 15 800 | 22 000 |
1841-1845 | 120 900 | 90 800 | 21 100 | 9000 |
1846-1850 | 257 500 | 208 900 | 45 000 | 3600 |
1851-1855 | 6100 | 3300 | 1900 | 900 |
No primeiro levantamento sobre a cor da população feito no Brasil, em 1872, os resultados foram os seguintes: 4.188.737 pardos, 3.787.289 brancos e 1.954.452 pretos, sendo assim, os pretos eram o terceiro maior grupo, como ainda o são. No segundo levantamento feito, em 1890, houve um tímido aumento da população preta, os resultados foram os seguintes: 6.302.198 brancos, 5.934.291 pardos e 2.097.42 pretos, o que mostra que os pretos continuaram sendo o terceiro maior grupo da população brasileira naquela época mas que não tiveram o mesmo rápido crescimento populacional que os brancos e pardos tiveram entre 1872 e 1890.[52]
Os escravos homens, jovens, mais fortes e saudáveis eram os mais valorizados. Havia um grande desequilíbrio demográfico entre homens e mulheres na população de escravos. No período 1837-1840, os homens constituíam 73,7% e as mulheres apenas 26,3% da população escrava. Os navios negreiros embarcavam mais homens do que mulheres.[53] Além disto, os donos de escravos não se preocupavam com a reprodução natural da escravaria, porque era mais barato comprar escravos recém trazidos pelo tráfico internacional do que gastar com a alimentação de crianças.[54] O número de crianças era inferior, de 3% a 6% dos embarcados.[53]
Os fatores que contribuíram para a brusca diminuição no número relativo de negros foram diversos. Primeiro, houve a grande imigração européia para o Brasil na segunda metade do século XIX e na primeira metade do século XX. Segundo, a mortalidade era bem maior entre os pretos, que, em geral, não tinham acesso à boa alimentação, saneamento básico e serviços médicos.
Referindo-se à diminuição de negros na população brasileira, João Batista de Lacerda, único latino-americano a apresentar um relatório no I Congresso Universal de Raças, em Londres, no ano de 1911, escreveu que: "no Brasil já se viram filhos de métis (mestiços, pardos) apresentarem, na terceira geração, todos os caracteres físicos da raça branca[...]. Alguns retêm uns poucos traços da sua ascendência negra por influência do atavismo(…) mas a influência da seleção sexual (…) tende a neutralizar a do atavismo, e remover dos descendentes dos métis todos os traços da raça negra(…) Em virtude desse processo de redução étnica, é lógico esperar que no curso de mais um século os métis tenham desaparecido do Brasil. Isso coincidirá com a extinção paralela da raça negra em nosso meio".
A política de imigração brasileira no século XX não era somente um meio do governo de ocupar terras não ocupadas, conseguir mais mão-de-obra e desenvolver-se, mas também de "civilizar" e "embranquecer" o país com população europeia. O decreto número 528 de 1890, assinado pelo presidente Deodoro da Fonseca e pelo ministro da Agricultura Francisco Glicério determinava que a entrada de imigrantes da África e da Ásia seria permitida apenas com autorização do Congresso Nacional. O mesmo decreto não restringia, até incentivava, a imigração de europeus. Até ser revogado em 1907, este decreto praticamente proibiu a imigração de africanos e asiáticos para o Brasil.[55] Apesar de necessitar muito de mão-de-obra pouco qualificada em vários momentos históricos, depois do fim do tráfico de escravos para o Brasil nunca se pensou em trazer imigrantes livres da África.
A família escrava[editar | editar código-fonte]
Durante muitos anos, diversos historiadores e antropólogos sustentaram que, no Brasil, os escravos não formavam famílias. Florestan Fernandes afirmava que os escravos eram anômicos, não tinham solidariedade entre si e a família, não apenas a linhagem, como a nuclear, com o pai presente, nunca existiu.[56] Para esses autores, a união entre negros era passageira, gerando filhos ilegítimos, sendo que os laços de parentesco e a vida familiar eram destruídos pela venda, pelos obstáculos impostos pelos senhores quanto à formação de famílias entre os escravos e pelo comércio interno que desmantelava essas uniões. As poucas famílias que existiam eram centradas na mãe e, quase sempre, os filhos eram criados sem a presença do pai.[57]
Estudos mais recentes, contudo, refutam essas ideias. Apesar de incipientes, as novas pesquisas mostram que eram altas as taxas de casamentos entre escravos, feitos na igreja, nas regiões de plantation do Sudeste do Brasil. Indicam também uma estabilidade impressionante nessas famílias, havendo convivência próxima entre pais e filhos. Nas propriedades grandes e antigas, em particular, essa estabilidade era evidente nas diversas famílias extensas encontradas, nas quais existiam membros de três gerações convivendo com seus irmãos adultos e respectivos filhos. Este foi, pelo menos, o quadro encontrado no Oeste Paulista e no Vale do Paraíba oitocentista.[56]
Havia, contudo, diferenças regionais. Na Bahia tanto para o século XVIII quanto para o XIX, as taxas de ilegitimidade eram altíssimas, denotando a falta de casamentos formais entre escravos, sendo que algumas paróquias sequer registraram um único filho legítimo. Em contrapartida, na freguesia de Campos dos Goitacases, no Rio de Janeiro setecentista, a taxa de legitimidade entre as crianças nascidas de escravos era elevadíssima, sendo metade do total, chegando a 86% em algumas freguesias. Ainda não se sabe explicar a razão dessas diferenças regionais, embora possam denotar que os níveis de assimilação cultural variavam entre as etnias africanas. Enquanto no Sudeste do Brasil a maioria dos escravos erabanto, considerado mais facilmente assimilável na tradição católica (embora isso possa ser questionado), no Nordeste e, em particular, na Bahia, a maioria dos escravos era nagô, sendo que Salvador foi palco de diversas revoltas escravas que não foram observadas no resto do Brasil. Isso indicaria que o nagô estava menos disposto a aceitar as regras familiares impostas pelo catolicismo.[56]
De qualquer maneira, não se pode dizer que os escravos eram anômicos. Mesmo nas regiões onde não imperava a formação de famílias segundo as normas católicas, havia outras maneiras pelas quais os escravos podiam criar seus laços familiares, como na substituição dos pais biológicos por outros parentes e também na inclusão de não parentes para preencher os vazios na família extensa.[56] De maneira geral, os casamentos formais eram pouco frequentes no Brasil colonial, mesmo entre os livres, quer brancos, quer de ascendência africana. Em 1805, na comarca de Sabará, em Minas Gerais, apenas 29,7% dos brancos, 24,5% dos mulatos e 21,4% dos negros haviam se casado na igreja.[57]
Para Florestan Fernandes, os senhores destruíam as famílias escravas para viabilizar a manutenção do escravismo, vez que criariam escravos anômicos, sem união e sem poder de organização. Florentino e Góes têm uma visão oposta, sustentando que os senhores incentivavam a formação de famílias entre os escravos pois a criação desses laços afetivos coibiam as revoltas internas, garantindo a paz nas senzalas.[56]
Hebe Maria Mattos sustenta que, no Brasil, a formação dessas famílias não construiu uma identidade negra e escrava, em oposição a uma identidade branca e livre, como ocorreu nos Estados Unidos. A família, embora núcleo fundamental na vida dos cativos, não criou uma identidade racial, mas uma que aproximava os escravos dos homens livres pobres.[56]
Miscigenação[editar | editar código-fonte]
O processo de miscigenação entre africanos, europeus e indígenas foi fundamental na constituição da população brasileira. O fenômeno, contudo, não levou a uma democracia racial, como quiserem alguns autores, vez que raça, cor da pele, origem e classe social sempre exerceram influência direta nas oportunidades de mobilidade social dos habitantes do Brasil. Alguns autores, como Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda defendiam a tese de que, entre os portugueses, havia ausência ou pouquíssimo preconceito de raça, fato que explicaria a sua propensão à miscigenação racial.[58] Estudiosos posteriores, como C. R. Boxer, discordavam dessa teoria pois, segundo ele, os portugueses eram um dos povos mais racistas de sua época, sendo que desenvolveram, entre os séculos XVI e XVIII, um complexo mecanismo de "limpeza de sangue" que produzia inabilitações e criava estigmas de toda a sorte contra descendentes de judeus, mouros, índios, negros e outros.[26] [58]
Se os portugueses eram nada, pouco ou muito racistas, esse juízo dependerá das diferentes interpretações históricas, contudo a teoria de que eles estavam mais propensos a se miscigenar com outras raças é derrubada a medida que se analisa a situação nas outras colônias portuguesas. Ao contrário do Brasil, na África e na Índia nenhuma miscigenação expressiva ocorreu entre os portugueses e os nativos.[58] Em consequência, o que se extrai dessas análises é que o processo de miscigenação no Brasil foi oriundo de um projeto português de ocupação e exploração do território brasileiro, que já estava definido até certo ponto. Portugal tinha uma população muito pequena, portanto não conseguiria apenas com colonos portugueses firmar a exploração agrária no território colonial brasileiro.[58] A Coroa portuguesa precisava de uma camada intermediária de mestiços e de ex-escravos negros e mulatos para viabilizar seus projetos econômicos.[13] Em consequência, apesar das exigências de "limpeza de sangue" terem se tornado uma obsessão em Portugal,[26] na colônia, haja vista a falta crônica de pessoas brancas, sobretudo de mulheres, a Coroa frequentemente tinha que fazer "vista grossa" quanto à origem mestiça, sobretudo dos indivíduos que galgavam poder na sociedade colonial. Isso, contudo, não eliminava a inferiorização e as maiores dificuldades de ascensão social que enfrentavam essas pessoas.[57]
Miscigenação entre negros e brancos[editar | editar código-fonte]
Exploração sexual[editar | editar código-fonte]
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- "Doze anos é a idade flor das africanas. Nelas há de quando em quando um encanto tão grande, que a gente esquece a cor...As negrinhas são geralmente fornidas e sólidas, com feições denotando agradável amabilidade e todos os movimentos cheios de uma graça natural, pés e mãos plasticamente belos. Dos olhos irradia um fogo tão peculiar e o seio arfa em tão ansioso desejo, que é difícil resistir a tais seduções".[59]
Durante vários séculos, no mundo Ocidental, as mulheres, independentemente da raça ou origem, viveram subordinadas aos homens e foram frequentemente vítimas de violência física e sexual. Nas sociedades escravocratas, a situação era particularmente pior vez que, em qualquer lugar onde há escravidão, os escravos são frequentemente vítimas de exploração sexual por parte dos seus senhores, seja em relações heterossexuais ou homossexuais.[20] [26] Para as mulheres, o cenário era ainda mais degradante e, no caso do Brasil, além da exploração sexual típica da hierarquização senhor-escrava, somava-se a misoginia racista que se formou na sociedade colonial. Os homens dirigiam palavras chulas e investidas sexuais sobre as negras escravas ou forras e mulatas, enquanto para as brancas eram destinados os galanteios e palavras amorosas. A mulher de origem africana, assim como a indígena no primeiro século de colonização, foi frequentemente degradada à situação de objeto sexual dos homens brancos.[60]
A beleza das mulheres africanas era frequentemente elogiada pelos viajantes europeus que chegavam ao Brasil, particularmente das escravas oriundas da Costa da Mina, que tinham a pele mais clara e, embora continuassem exóticas, aproximavam-se do padrão de beleza apreciado na Europa.[27] Contudo, o fato de os colonizadores portugueses terem se sentido sexualmente atraídos pelas mulheres indígenas, negras e mulatas não pode ser equivocadamente interpretado como ausência do preconceito racial, vez que muitas dessas relações eram desiguais e hierarquizadas e feitas à base de violência e sadismo.[61]
A mulher de origem africana, particularmente a mulata, assim como todas as pobres de maneira geral, vistas como um objeto sexual a ser desfrutado pelos homens abastados, é uma concepção que ecoa na sociedade até os dias atuais. Como escreveu Darcy Ribeiro, "O que caracteriza o português de ontem e o brasileiro de classe dominante de hoje é a duplicidade de seus padrões de relação sexual: um, para relações dentro de seu círculo social, e outro, oposto, para com a gente de camadas mais pobres".[5]
Não se pode, contudo, acreditar que a geração da ampla camada de mestiços e mulatos no Brasil tenha sido resultado somente da exploração sexual dos senhores sobre as suas escravas. Sem negar sua existência, também existiam relacionamentos consensuais, normalmente concubinatos, alguns bastante duradouros, entre homens brancos e mulheres de cor.[27] Segundo o historiador Manolo Florentino, "A miscigenação brasileira tem muito mais a ver com o português pobre que interage matrimonialmente e sexualmente com as mulheres negras do que propriamente com homens de elite mantendo relações sexuais com mulheres pobres negras escravizadas".[62]
Relacionamentos e concubinatos no passado[editar | editar código-fonte]
Na sociedade hierarquizada e excludente do Brasil colonial, as desigualdades social, racial e de origem entre os noivos obstaculizavam os casamentos legais. Quase sempre o Estado português impedia a união entre pessoas de condições desiguais, chegando a instaurar processos para examinar a origem dos nubentes. Em consequência, negros e mulatos só podiam casar com pessoas de igual condição. Contudo, a falta de mulheres brancas na colônia empurrava muitos homens brancos para relacionamentos com mulheres de cor. Dificilmente esses relacionamentos eram oficializados na igreja, haja vista a rigidez da legislação portuguesa, resultando em concubinatos, alguns passageiros, outros duradouros.[27]
O concubinato com homens brancos, por um lado, era vantajoso para as mulheres negras e mulatas vez que, ao alcançarem a liberdade, conseguiam diminuir o estigma da escravidão e da cor, para elas próprias e, sobretudo, para seus descendentes. Por outro lado, a situação de concubinas lhes negava os privilégios legais inerentes à condição de esposa. O casamento oficial permitia à mulher tomar posse do pecúlio do marido, mas a concubinagem não, a não ser que a companheira fosse agraciada no testamento, o que frequentemente acontecia. Algo que parecia positivo no concubinato, todavia, era o fato de que evitava a perpetuação, nos documentos oficiais, dos estigmas de cor e da antiga condição de escrava da mãe. Em uma sociedade na qual a linhagem era supervalorizada e na qual a "marca" da escravidão era passada de geração em geração, a ocultação de uma origem escrava e negra na família era considerada vantajosa. Era o processo de "branqueamento", tanto biológico como social, que muitas ex-escravas legavam a seus descendentes.[27]
A Igreja Católica tentava como podia reprimir o concubinato, considerado crime. De tempos em tempos, as vilas e arraiais eram visitados por bispos, as chamadas Visitas Eclesiásticas, com o intuito de apurar os crimes morais e de fé praticados pelos habitantes da colônia. Os moradores eram compelidos a confessar seus próprios crimes e a delatar outras pessoas. Nesses momentos, alguns confessavam o que já era público e notório, enquanto outros aproveitavam da situação para se vingar de vizinhos ou inimigos. Contudo, a Igreja, apesar dos intentos, por muito tempo não conseguiu controlar a proliferação dos concubinatos no Brasil.[27]
A miscigenação de africanos no Brasil ocorreu sobretudo através de concubinatos envolvendo mulheres negras ou mulatas e homens brancos de origem portuguesa. Em um levantamento de pessoas acusadas de concubinato na Comarca do Rio das Velhas, em Minas Gerais, entre 1727 e 1756, os números mostram que entre os concubinos, 92% eram homens brancos. Porém, das concubinas, 52,1% eram africanas, 35,1% crioulas (negras brasileiras) ou mestiças, e apenas 11,8% eram brancas. Havia, portanto, um nítido predomínio de concubinato envolvendo um homem branco (92%) e uma mulher negra ou mulata (87,2%).[63] Por muito tempo, a historiografia associava a prática disseminada da concubinagem no Brasil colonial à ausência de moral, à condição de extrema pobreza desses indivíduos, aos parcos recursos para realizar um casamento, à pouca disponibilidade de mulheres brancas etc. Estas explicações não levavam em conta a influência das culturas africana e indígena nesse contexto. As mulheres africanas e suas descendentes crioulas, pardas e mulatas tinham percepções culturais diferentes das europeias. Para muitas dessas mulheres, permanecer solteira não representava uma degradação, mas uma virtude.[63] O casamento católico na igreja, tão valorizado na cultura portuguesa, ainda não era uma prioridade para as mulheres de origem africana no Brasil colonial. Apenas mais tarde é que houve uma valorização do casamento no Brasil, e as mulheres solteiras passaram a ser estigmatizadas. Isso se deu através da importação da cultura portuguesa, disseminando aspectos culturais como a devoção à Santo Antônio (santo casamenteiro).[60] A Igreja Católica se esforçou para instituir o casamento monogâmico na Europa no século XIII. Foi um processo árduo de normatização de comportamento feito à base de grande repressão. No Brasil, este processo só se concretizou a partir da segunda metade do século XIX, após a transferência da corte portuguesa para o Brasil. Antes disso, proliferavam no Brasil formas heterodoxas de organização familiar, imperando o concubinato e as relações temporárias. O papel da mulher no Brasil também era mais dinâmico do que se esperava para os padrões católicos de mulher recatada e devota, que se tentava imprimir.[27] Só no século XIX, através de enorme repressão sexual, é que a concepção de que o sexo servia apenas para reprodução se instalou no Brasil e o casamento passou a ser a norma a ser seguida. Tal concepção só viria a se dissolver a partir da revolução sexual que se disseminou pelo mundo ocidental na década de 1960.[64]
Na concepção de muitas mulheres de origem africana no Brasil colonial, o concubinato não restringia a liberdade das mulheres como o casamento, e ainda era uma forma de ascensão social, pois muitas escravas conseguiam a liberdade ao se unirem a homens brancos. Estes, após a morte, costumavam deixar bens para os filhos tidos com a concubina. Mulheres de origem africana figuravam em relações endogâmicas, poligâmicas ou mesmo relações monogâmicas, onde elas eram o centro dessa estrutura. Muitas ex-escravas, após conseguirem a liberdade, caíam na pobreza, por não dominarem algum ofício, somado ao preconceito por serem mulheres, de cor e ex-escravas. Algumas forras viviam em situação mais degradante do que alguns escravos, como os domésticos. Outras, por sua vez, se inseriam no mercado de trabalho e conseguiam uma ascensão social, acumulando riquezas. Estas moravam sozinhas, adquiriam escravos e desenvolviam atividades econômicas. Há vários relatos de mulheres negras e pardas forras, durante o período colonial, que desfrutavam de um padrão de vida equiparado ao da elite, principalmente em Minas Gerais, onde a ascensão social era mais maleável. Gozavam da liberdade de decidir o futuro de suas vidas, contrastando com a situação de submissão de muitas mulheres brancas, que primeiro viviam sob o jugo dos seus pais, para depois terem que se submeter ao marido, passando a viver praticamente enclausuradas dentro de casa. A figura mais emblemática da ascensão social das mulheres de ascendência africana no Brasil colonial é Chica da Silva, mas muitas outras mulheres forrasdesconhecidas alcançaram ascensão social semelhante.[27]
Já no final do século XIX, a mistura entre negros brasileiros e imigrantes italianos não era incomum, conforme anotou um membro do Comissário Geral de Emigração (CGE), em tom preconceituoso: "A degradação não para nem diante da distinção de raça: não são incomuns os casamentos de italianos com negras e, o que é pior, de mulheres italianas com negros". Contudo, os casamentos eram exceções, sendo que a maioria dessas relações eram concubinatos, o que deixava em aberto um possível retorno do imigrante para a Itália e também refletia um preconceito de cor desses italianos, ao não assumirem formalmente seus relacionamentos com brasileiros de pele mais escura.[70]
A miscigenação atualmente[editar | editar código-fonte]
Os dados do IBGE desconstroem o mito da harmonia racial brasileira. Segundo o censo de 2010, 70% dos brasileiros casam com pessoas da sua mesma raça ou cor. Se os casamentos não fossem influenciados pela raça, esse índice deveria ser de 50%. Conforme a pesquisa, a cor é um dos fatores que os brasileiros levam em conta na hora de escolher seu parceiro, além da renda e do nível educacional. O fato de negros e pardos serem o grupo com menor rendimento e nível de instrução contribui para a racialização dos matrimônios. De acordo com os dados, 75,3% dos homens brancos casam com mulheres brancas, 69% dos pardos casam entre si, assim como 65,4% dos indígenas, 44,2% dos amarelos e 39,9% dos negros.[71] [7
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