sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

HEMORROIDA

Se a estimativa dos médicos está mesmo correta, podemos dividir ao meio a população do planeta. Metade viverá em paz, não terá surpresas quando visitar o banheiro e não sentirá desconforto na reta final do aparelho digestivo. O restante irá encarar, alguma vez na vida, um problema que não mata, mas incomoda: as hemorroidas.

"A hemorroida nada mais é que a dilatação de um dos vasos sanguíneos do ânus", define o cirurgião do aparelho digestivo Sidney Klajner, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. "Ela pode ser comparada a varizes", completa o proctologista Aloysio Almendra, do Hospital Copa D’Or, no Rio de Janeiro. Uma veia resolve inchar bem ali e, ao inflamar e se deformar, é capaz de extravasar os limites anais. Aí surgem os sintomas, como sangramentos e dores ao evacuar.

A saída para o transtorno parece lógica: que se extirpem as hemorroidas! É a proposta da cirurgia tradicional, realizada há mais de 70 anos, que resolve o problema, mas cobra um preço: uma recuperação penosa, com direito a dores lancinantes. "Retiramos as hemorroidas por meio de cortes na borda do ânus, mas não damos pontos para evitar infecções", resume Klajner. Diante da descrição, não é de estranhar a busca por soluções menos agressivas.


Conheça a THD

A dearterialização hemorroidária transanal guiada por doppler (ou, muito melhor, simplesmente THD) é uma alternativa. A ideia da terapia é japonesa, mas foi uma empresa italiana que a colocou em prática. Klajner, depois de um estágio em Roma, trouxe a técnica para o Brasil e já a empregou em 18 pacientes no Einstein. "Os resultados, até agora, são semelhantes aos da cirurgia convencional", diz. Com uma enorme vantagem: "O paciente não sente dor após o procedimento porque, em vez de cortes, damos um nó no vaso problemático".
Antes de a THD aparecer, os especialistas já lançavam mão de outra terapia, popularmente chamada de grampeamento, como alternativa à cirurgia aberta. Ela consiste em recortar um trecho do canal do ânus e reunir as extremidades que sobraram. "O procedimento oferece menos dor, não requer cicatrizes externas e o paciente pode voltar para casa no dia seguinte", diz o coloproctologista José Vinícius Cruz, professor da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. Alguns estudos, contudo, alertam para possíveis complicações após a operação, como infecções.

A THD engrossa esse arsenal e, como seu foco de ação está em uma zona mais profunda do ânus, sem enervações para a dor, é mínima a chance do incômodo. A recuperação também acelera. "Em dois dias, o paciente já está trabalhando", estima Klajner. O método, no entanto, não resolve todos os casos. "Ele deixa de ser recomendado quando há hemorroidas externas muito grandes", diz. "A THD complementa o rol de opções terapêuticas, mas não representa uma panaceia", acredita a coloproctologista Angelita Habr-Gama, professora de cirurgia da Universidade de São Paulo e médica do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, na capital paulista.

Tampouco ambiciona aposentar a cirurgia clássica. "As novas técnicas ainda são restritas devido ao seu alto custo", observa Almendra. Outra questão que só o tempo poderá resolver é a validade da THD. "Apesar dos bons resultados, precisaremos de pelo menos 20 anos para saber se o tratamento se preservará por muito tempo", pondera Klajner. De qualquer forma, se outra incursão ao hospital for necessária, o paciente fará o caminho muito mais calmo.

Sinais que costumam acusar uma hemorroida

Desconforto ao evacuar 
Sangramentos que são denunciados por resíduos de sangue bem vermelho no papel higiênico e depois nas fezes. Com o tempo, podem aparecer pingos na privada 
Dores 
Secreção 
Coceira 
Surgimento de um tecido anormal na borda do ânus na hora de evacuar e que pode recuar após o esforço

 

Prevenções

Embora os genes estejam envolvidos com a erupção do problema — se há um caso na família, os riscos aumentam —, alguns hábitos podem determinar seu aparecimento. "Um dos principais fatores é a constipação, que costuma ser resultado de uma alimentação pobre em fibras", avisa o professor José Vinícius Cruz. "Outro erro bastante comum é não atender ao chamado da evacuação", aponta. É como se fosse uma pena por não respeitar a vontade de fazer aquilo que ninguém pode fazer em nosso lugar. 
 
A popular prisão de ventre é parceira das hemorroidas por um motivo que tem tudo a ver com a privada. Na hora de defecar, o constipado costuma dispensar um esforço extra, que é nocivo aos vasos sanguíneos do ânus. Não à toa, gestantes e idosos, mais sujeitos a um intestino preguiçoso, são candidatos preferenciais a hemorroidas. Para se esquivar da cilada, estabeleça regras no cardápio. "A dieta deve ser rica em fibras, provenientes de frutas, verduras e cereais, e contar com muito líquido", orienta o proctologista Marco Aurélio Perin, do Hospital Nossa Senhora de Lourdes, em São Paulo. 
 
Outra medida que restringe a aparição das intrusas é a higiene após a evacuação. "É melhor limpar o ânus com água e evitar o papel higiênico, que pode machucar a região", afirma o coloproctologista Marcelo Averbach, do Hospital Sírio-Libanês, também na capital paulista. E a atividade física? Você já ouviu por aí que ela provoca hemorroida? Esclarecemos o boato. "Os exercícios regulares costumam melhorar o funcionamento do intestino", afirma Perin. Exagerar, no entanto, tem seu lado prejudicial porque o aumento da pressão no abdômen durante uma corrida, por exemplo, pode repercutir no ânus. Aí, para o azar do atleta, tanto suor será convertido numa ingrata hemorroida. 
 

O fim do martírio

Entenda como a técnica conhecida pela sigla THD elimina as hemorróidas
 
1. O ânus é uma região altamente vascularizada. Alguns vasos dali podem se dilatar e deformar-se, causando desconforto e sangramento. A nova técnica acaba com as hemorroidas longe da borda do ânus, região mais sensível à dor. Para tanto, o paciente é anestesiado da cintura para baixo.
 
2. O médico introduz no ânus um equipamento dotado de um doppler, sistema que, por meio de ondas de som, detecta o vaso que origina a hemorroida — ela tende a recuar com a entrada do aparelho. Dentro dele, há um espaço para manejar um porta-agulhas.
 
3. Com esse instrumento, o especialista dá um nó no vaso problemático, que deixa de abastecer a hemorroida. Para arrematar o serviço, ela é aprisionada, com outro ponto, na porção do ânus sem enervações para a dor. A hemorroida some de vista e deixa de incomodar.

 

Os tipos de hemorroida

Os médicos costumam distinguir as hemorroidas em três categorias. Entenda a diferença entre elas
 
Interna 
A hemorroida se encontra no interior do canal do ânus, isto é, longe da sua borda. Por isso, a pessoa não a vê nem costuma sentir dor. No esforço de evacuar, porém, a superfície do vaso dilatado pode se romper e gerar um sangramento. 
 
Externa 
A hemorroida aparece, agora, na borda do ânus, tornando-se visível. As hemorragias e as dores são mais frequentes, uma vez que esse pedaço é extremamente sensível. Em algumas situações, pode-se formar um coágulo na região, aumentando o desconforto. Coceiras decorrentes de infecções também são mais comuns. 
 
Prolapsada 
Trata-se de uma hemorroida interna que, de vez em quando, consegue escapar e dar as caras — o que acontece em geral quando o indivíduo está evacuando. Mas, após o esforço, ela tende a voltar para dentro naturalmente ou com alguma ajuda. Também pode incomodar ou sangrar.

 

Outras saídas 

Tratamento clínico 
Fazem parte desse grupo laxantes para melhorar o fluxo do intestino, pomadas de efeito analgésico e alguns remédios que coíbem a dilatação dos vasos. A missão é barrar a progressão das hemorroidas. 
 
Procedimentos ambulatoriais
Entram na lista técnicas à base de laser, congelamento, infravermelho e soluções químicas que contêm a veia dilatada. Há também a ligadura elástica, que dispõe de anéis introduzidos no ânus para estrangular a hemorroida.
 
Grampeamento 
Extrai-se um trecho do canal do ânus e, depois, se faz uma ligação entre as duas extremidades, encurtando a extensão da reta final do sistema digestivo. O procedimento reposiciona as hemorroidas de modo que elas não incomodem.
 
Cirurgia aberta 
A técnica mais tradicional, a hemorroidectomia, opta pela remoção, via bisturi, das hemorroidas. Para afastar infecções, o médico não dá pontos nos locais abertos, cuja cicatrização pode demorar até um mês.

 

Mitos e verdades 

Ficar sentado muito tempo no vaso sanitário favorece o transtorno? 
Verdade. Livre-se daquele hábito de ir ao banheiro na companhia de uma revista ou de um livro. Ao ficar muito tempo sentado na privada, você força o ânus além da conta. 
 
Hemorroida causa câncer? 
Mito. A hemorroida não é capaz de se transformar em um tumor. Só preste atenção quando houver sangramento — isso, sim, pode ser indício de um câncer no aparelho digestivo em vez de hemorroida. 
 
Alimentos picantes aumentam o risco do problema? 
Mito. No entanto, é melhor maneirar nas refeições carregadas de pimenta quando já existe uma hemorroida no pedaço. Isso porque elas podem desregular a digestão.
 
Sexo anal provoca o suplício? 
Mito. Não há evidência de que essa modalidade sexual eleve o risco de uma hemorroida. O sexo anal provoca, na verdade, fissuras na região, que são outro problema. 
 
Almofadas aliviam o problema? 
Verdade. Mas, seja no sofá, seja no banco do carro, não passam de um paliativo. Muitos médicos nem recomendam o utensílio durante ou após o tratamento. 
 
Prisão de ventre dá hemorroida? 
Verdade. A constipação obriga o indivíduo a fazer mais força no momento de defecar. Daí, os vasos localizados no ânus tendem a se dilatar demais e, em alguns casos, podem se tornar visíveis. 
 
Andar a cavalo ou de bicicleta contribui com as hemorroidas? 
Verdade. Mas isso só acontece se o indivíduo passar boa parte do seu dia em cima da cela ou do selim. Para quem já tem o problema, recomenda-se evitar esses meios de transporte. 
 
A gestação favorece a dilatação dos vasos? 
Verdade. A pressão dentro do abdômen causada pela presença do bebê contribui com a retenção de sangue nas veias do ânus, que inflam e geram as hemorroidas. Para complicar, a gravidez costuma ser acompanhada de constipação. É hora de apontar o que procede e o que é mentira quando se fala em hemorroida

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