quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

TROVÃO

trovão (do latimturbōnis, com metátese[1] ) é o som gerado pela onda de choque provocada pelo aquecimento e subsequente expansão supersónica do aratravessado por uma descarga eléctrica (o raio) produzida por uma trovoada. A descarga provoca uma corrente eléctrica de grande intensidade queioniza o ar ao longo do seu percurso, criando um plasma sobreaquecido que emite luz (o relâmpago) e se expande rapidamente, gerando uma onda de choque sónica. Ao propagar-se pela atmosfera, as ondas sonoras geradas interagem com as diferentes camadas de ar, a topografia, os edifícios e outros obstáculos capazes de produzir ecos e fenómenos difracção e refracção do som, o que origina as características reverberações do ribombar do trovão, prolongando o som no tempo e modelando a sua intensidade e frequência. Dependendo do tipo de descarga, da distância ao observador e da topografia do terreno circundante, o trovão pode soar como um simples estouro, de muito curta duração, ou ser constituído por múltiplos ecos de intensidade e frequência variáveis, em geral na gama de frequências dos 20 –  120 Hz, num ribombar que se prolonga por vários segundos. Nas proximidades da descarga o nível sonoro do trovão excede os 120 dB(A), gerando sobrepressões de até 10 vezes a pressão atmosférica normal.[2]

Origem[editar | editar código-fonte]

A origem do trovão foi objecto de muita especulação e investigação ao longo dos séculos, originando múltiplas explicações de cariz religiosomitológico ecientífico. Nas culturas de matriz europeia, a primeira explicação de cunho científico que se conhece foi escrita pelo filósofo grego Aristóteles, no século III a.C., atribuindo o ruído à colisão entre nuvens. Subsequentemente, foram sendo produzidas diversas teorias com variantes à explicação aristotélica, que, com cambiantes vários, foram generalizadamente aceites até ao século XIX.
Após as experiências de Benjamin Franklin e de Louis Guillaume Lemonnier[3] terem demonstrado a natureza eléctrica das trovoadas e com o conhecimento das leis dos gases, por meados do século XIX ganhou aceitação a teoria de que o raio produzia um vácuo cujo preenchimento súbito pelo ar circundante provocava a explosão que originava o trovão. Teorias alternativas atribuíam o trovão a uma explosão de vapor por sobreaquecimento dahumidade do ar provocado pela passagem da corrente eléctrica ou à detonação de compostos químicos voláteis criados pela passagem da electricidade através do ar[4] Os desenvolvimentos no conhecimento dosplasmas, dos mecanismos de ionização e da propagação de ondas de choque com origem supersónica levaram a que desde os inícios do século XX seja consensual que o trovão tem origem na propagação de uma onda de choque através do ar em consequência da violenta expansão térmica do plasma gerado no canal de propagação do raio.[5]
O mecanismo atrás descrito é consequência de no decurso de uma trovoada se gerarem descargas electrostáticas que restabelecem o equilíbrio de potencial eléctrico entre áreas das nuvens e do solo com cargas eléctricas opostas. O ar, que em geral funciona como isolador eléctrico, quando a tensão eléctrica gerada pelo campo electrostático excede a sua tensão de ruptura dieléctrica ioniza-se e torna-se condutor, permitindo o início da descarga a qual, em resultado da enorme corrente gerada e da grande resistência eléctrica do ar, aquece rapidamente o pequeno canal condutor criado, transformando o ar nele contido numplasma que se expande a velocidade supersónica. É a luz emitida por este plasma que produz o relâmpago e cujo brilho ao longo do canal ionizado o torna visível como o "raio". O consequente rápido aumento dapressão e temperatura fazem expandir violentamente o ar envolvente ao raio a velocidades superiores às do som, gerando-se uma onda de choque. O ribombar posterior do trovão é produzido pelo eco da onda de choque nas altas camadas da atmosfera e na topografia envolvente e pelos fenómenos de difracção produzidos pelos edifícios e outros obstáculos e pela refracção em camadas da atmosfera com temperaturas e pressões distintas que interferem com a velocidade de propagação do som.
A temperatura medida por análise espectral no interior do canal do raio, que em geral tem apenas 2 – 5 cm de diâmetro, varia de forma típica durante os cerca de 50 μs em que o ar se mantém completamente ionizado, subindo rapidamente de uma temperatura inicial de cerca de 20 000 K para cerca de 30 000 K, descendo então gradualmente até cerca de 10 000 K, desvanecendo-se de seguida. O valor médio da temperatura do plasma formado é de aproximadamente 20 400 K (cerca de 20 100 °C),[6] quase quatro vezes superior ao valor médio de 5 502 °C registados na superfície do Sol.[7]
Estas temperaturas extremas causam a rápida expansão do plasma e do ar sobreaquecido circundante, o qual avança sobre o ar ambiente a uma velocidade superior à velocidade do som. O pulso de pressão que daí resulta, que atinge mais de 10 vezes o valor da pressão atmosférica normal,[2] em tudo semelhante a um boom sónico, é uma onda de choque,[8] como a que resultaria de explosão ou de uma aeronave a ultrapassar a barreira do som. A onda de choque transforma-se numa onda sonora a cerca de 10 m de distância do canal da descarga, perdendo o carácter supersónico e propagando-se a partir daí à velocidade do som. O trem de ondas gerado tem uma configuração grosseiramente cilíndrica, tendo como eixo o canal ionizado, o qual em média tem 5 – 6,5 km de comprimento.[2]
Esta explicação, apesar de geralmente aceite, não explica as sobrepressões observadas recentemente em descargas que simulam raios, as quais são significativamente maiores do que aquelas que poderiam ser produzidas pelas temperaturas observadas. Esta discrepância parece indicar que aos efeitos da expansão termodinâmica há que juntar os efeitos de origem electrodinâmica, nomeadamente da constrição axial (ouz-pinch), que resultam da acção electromagnética da enorme corrente eléctrica que percorre o plasma durante a formação do raio[9]

Características do som[editar | editar código-fonte]

Apesar de apenas cerca de 1% da energia dissipada na descarga se transformar em som (90% é dissipada como calor e o restante como radiação electromagnética)[2] , nas proximidades do ponto de contacto do raio com o solo já foi registado um nível sonoro superior a 120 dB(A) .[2] Nessas condições de proximidade da sua origem, o trovão pode produzir surdez temporária e até mesmo rotura da membrana do tímpano e consequentemente, surdez permanente.[10] A onda de choque é suficientemente poderosa para causar ferimentos, nomeadamente contusão interna, em indivíduos que se encontrem na vizinhança imediata da descarga.[11]
Apesar da corrente eléctrica percorrer o canal ionizado a cerca de um terço da velocidade da luz, ou seja a uma velocidade superior a 94 000 km/s, o processo de geração do trovão pode durar de 0,2 a 2 segundos, pois, para além do processo de formação da descarga preliminar causada pela ruptura da rigidez dielétrica (o “stepped leader”) e da descarga inicial, podem ocorrer descargas múltiplas ao longo do canal ionizado. Este prolongamento no tempo, a que se junta o carácter cilíndrico do trem de ondas, com o som gerado em pontos diferentes do canal, que podem estar separados por vários quilómetros (há registo de uma descarga entre nuvens com 190 km de comprimento[2] ), a chegar ao observador com alguns segundos de decalagem, explica a duração do som ouvido, que pode ultrapassar os 10 segundos.
O carácter modulado do trovão, com pulsos de intensidade diferente e uma sensível variação de frequência, resulta dos ecos por reflexão na topografia e da reverberação resultante da chegada simultânea de ondas provenientes de lugares distintos ou que tenham percorrido caminhos diversos entre o local de geração e o observador.
distribuição espectral do som do trovão situa-se na gama dos 20–120 Hz, com cerca de 10% da energia em frequências abaixo do 20 Hz, inaudíveis por seres humanos (são infrassons), mas perceptíveis por muitos animais. Estes infrassons sofrem uma atenuação menor ao longo da camada limite planetária, podendo propagar-se por centenas de quilómetros, o que explica os relatos que descrevem a detecção por animais domésticos de trovoadas em aproximação.
Como as componentes de frequência mais alta sofrem maior atenuação na atmosfera, os trovões mais distantes são percebidos como produzindo um som mais grave. As descargas próximas apresentam uma gama sonora mais rica, sendo por vezes o trovão precedido de uma chiada ou de sons sibilantes resultantes da ruptura inicial da rigidez dieléctrica em torno de objectos próximos (formação de precursores e do “stepped leader”). Em situações em que existam nas proximidades edifícios e outras superfícies fortemente reflectoras do som, podem ocorrer sons de frequências altas, resultantes da interferência entre trens de ondas reflectidos e directos.

Trovão de inversão e propagação anómala[editar | editar código-fonte]

Um tipo distinto de trovão, designado por "trovão de inversão" (em inglêsinversion thunder) ocorre quando uma descarga entre o solo e uma nuvem ocorre durante uma inversão térmica.[12] Nessas condições de inversão do gradiente térmico normal da atmosfera, o ar junto ao solo é mais frio que o ar nas camadas imediatamente superiores da atmosfera, o que impede a dispersão vertical da energia sonora, que normalmente ocorreria, obrigando à sua concentração junto ao solo. O trovão resultante é percebido como significativamente mais ruidoso do que o normal, propagando-se a distâncias maiores do que ocorreria em circunstâncias normais.[13] As inversões que frequentemente ocorrem sobre lagos de águas frias, ou sobre o mar quando a sua temperatura superficial seja significativamente inferior à do ar ambiente, podem explicar as detonações e outros ruídos semelhantes a trovões que por vezes são sentidos nas comunidades costeiras, mesmo quando não existem quaisquer trovoadas visíveis nas imediações, um fenómeno por vezes referido em inglês como "mistpouffers", mas com diversas designações locais. Aqueles ruídos misteriosos serão o resultado da anormal propagação de trovões de inversão, oriundos de trovoadas situadas as centenas de quilómetros de distância.[14] Em circunstâncias normais, o trovão é raramente audível a distâncias superiores a 20 km.[8]

Estimativa da distância à descarga[editar | editar código-fonte]

O atraso entre a visão do relâmpago e a audição do ribombar do trovão ilustra o facto das ondas de som viajarem através do ar a uma velocidade muito inferior à velocidade da luz. Usando a diferença entre os tempos de chegada do relâmpago e do trovão, é possível estimar a distância entre o observador e o ponto mais próximo do raio. Para isso considera-se que a luz foi vista no instante de formação do raio (a 299 792 458 m/s, a velocidade da luz é tão grande que pode ser considerada infinita) e sabendo que a velocidade do som em ar seco à pressão atmosférica normal é de aproximadamente 343 m/s a 20 °C,[15]basta multiplicar este valor pelo número de segundos decorridos entre o relâmpago e a chegada do som do trovão para obter o valor da distância em metros. Contudo, há que ter em mente que o ar durante uma trovoada não está seco e que a temperatura e pressão podem ser substancialmente diferentes das padrão, razão pela qual o valor obtido é uma mera aproximação.
Na estimativa aproximada atrás descrita, para facilitar as contas pode-se considerar que a distância à descarga é aproximadamente 1 km por cada 2,9 segundos decorridos entre o relâmpago e o início do trovão. Um relâmpago muito brilhante e azulado, seguido quase de imediato por um estouro seco e quase sem reverberação, indica que o raio se formou muito perto do observador.

Notas

  1. Ir para cima "Trovão" : Etimologia de "trovão" no Wikicionário.
  2. ↑ Ir para:a b c d e f Vavrek (editor), R. James (2012). The Science of Thunder National Lightning Safety Institute. Visitado em 01-08-2012.
  3. Ir para cima Lemonnier, L. G. 1752. "Observations sur l’électricité de l’air". Mem. Acad. Sci. 2, 223.
  4. Ir para cima National Lightning Safety Institute, The Science of Thunder.
  5. Ir para cima Rakov, Vladimir A.; Uman, Martin A.. In: Vladimir A.. Lightning: Physics and Effects. Cambridge, England: Cambridge University Press, 2007. p. 378. ISBN 0-521-03541-4
  6. Ir para cima Cooray, Vernon. The lightning flash. London: Institution of Electrical Engineers, 2003. 163–164 p. ISBN 0-85296-780-2
  7. Ir para cima Williams, D.R. (2004). Sun Fact Sheet NASA. Visitado em 01-08-2012.
  8. ↑ Ir para:a b "Thunder"Encyclopædia Britannica. Visitado em 2008-09-12.
  9. Ir para cima P Graneau (1989). "The cause of thunder". J. Phys. D: Appl. Phys. 22 (8): 1083–1094. doi:10.1088/0022-3727/22/8/012.
  10. Ir para cima Trovão e trovoada na página do Instituto de Meteorologia.
  11. Ir para cima Fish, Raymond M. In: Nabours, Robert E. Electrical injuries: engineering, medical, and legal aspects. Tucson, AZ: Lawyers & Judges Publishing, 2004. p. 220. ISBN 1-930056-71-0
  12. Ir para cima As inversões térmicas ocorrem em geral quando ar húmido e quente é forçado a elevar-se sobre uma frente fria.
  13. Ir para cima Dean A. Pollet and Micheal M. Kordich, User's guide for the Sound Intensity Prediction System (SIPS) as installed at the Naval Explosive Ordnance Disposal Technology Division (Naveodtechdiv). Systems Department February 2000. dtic.mil
  14. Ir para cima The Guns of Barisal and Anomalous Sound Propagation
  15. Ir para cima Handbook of Chemistry and Physics, 72nd edition, special student edition. Boca Raton: The Chemical Rubber Co., 1991. p. 14.36. ISBN 0-8493-0486-5TUdo o que escutamos é resultado de vibrações no ambiente que chegam aos nossos ouvidos em forma de ondas sonoras. O som que chega após o relâmpago é, portanto, também resultado de uma vibração do meio externo, neste caso gerado por uma forte descarga elétrica que se estabelece entre as nuvens e o solo terrestre.
    O raio gera uma corrente elétrica de grande intensidade que ioniza o ar ao longo do caminho, produzindo um rastro de luz superaquecido que conhecemos como relâmpago. O ar em torno dessa corrente se aquece rapidamente a uma temperatura de até 27.000 ºC.
    Como o fenômeno acontece em questão de instantes, as partículas de ar se expandem pelo calor e são imediatamente comprimidas pelo resfriamento da atmosfera. Dessa forma, cria-se uma onda de ar comprimido que se expande como uma explosão para todas as direções, gerando o barulho que denominamos de trovão.

    A velocidade da luz e o som do trovão

    Vemos primeiro o relâmpago e escutamos depois o trovão porque a velocidade da luz é muito mais rápida do que a do som. Em geral, o trovão se constitui de um grande estouro, mas, dependendo da região ou da formação do terreno, ele pode reverberar em múltiplos ecos, especialmente em cidades com muitos túneis e prédios.
    Popularmente, podemos estabelecer a distância de um raio em relação ao observador contando os segundos entre a percepção do relâmpago e a escuta do trovão. Cada segundo que separa os dois eventos representa em média 300 metros de distância.
    O espetáculo de luz e som gerado pelos raios é uma combinação da vibração das partículas de ar e a perturbação das forças elétricas na atmosfera terreste. Esse fenômeno incrível mostra toda a força da natureza e a nossa insignificância frente aos grandes eventos climáticos.

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