A Idade Média (adj. medieval) é um período da história da Europa entre os séculos V e XV. Inicia-se com a Queda do Império Romano do Ocidente e termina durante a transição para a Idade Moderna. A Idade Média é o período intermédio da divisão clássica da História ocidental em três períodos: a Antiguidade, Idade Média e Idade Moderna, sendo frequentemente dividido em Alta e Baixa Idade Média.
Durante a Alta Idade Média verifica-se a continuidade dos processos de despovoamento, regressão urbana, e invasões bárbaras iniciadas durante a Antiguidade Tardia. Os ocupantes bárbaros formam novos reinos, apoiando-se na estrutura do Império Romano do Ocidente. No século VII, o Norte de África e o Médio Oriente, que tinham sido parte do Império Romano do Oriente tornam-se territórios islâmicos depois da sua conquista pelos sucessores de Maomé. O Império Bizantino sobrevive e torna-se uma grande potência. No Ocidente, embora tenha havido alterações significativas nas estruturas políticas e sociais, a rutura com a Antiguidade não foi completa e a maior parte dos novos reinos incorporaram o maior número possível de instituições romanas pré-existentes. O cristianismo disseminou-se pela Europa ocidental e assistiu-se a um surto de edificação de novos espaços monásticos. Durante os séculos VII e VIII, os Francos, governados pela dinastia carolíngia, estabeleceram um império que dominou grande parte da Europa ocidental até ao século IX, quando se desmoronaria perante as investidas de Víquingues do norte, Magiares de leste e Sarracenos do sul.
Durante a Baixa Idade Média, que teve início depois do ano 1000, verifica-se na Europa um crescimento demográfico muito acentuado e um renascimento do comércio, à medida que inovações técnicas e agrícolas permitem uma maior produtividade de solos e colheitas. É durante este período que se iniciam e consolidam as duas estruturas sociais que dominam a Europa até ao Renascimento: o senhorialismo – a organização de camponeses em aldeias que pagam renda e prestam vassalagem a um nobre – e o feudalismo — uma estrutura política em que cavaleiros e outros nobres de estatuto inferior prestam serviço militar aos seus senhores, recebendo como compensação uma propriedade senhorial e o direito a cobrar impostos em determinado território. As Cruzadas, anunciadas pela primeira vez em 1095, representam a tentativa da cristandade em recuperar dos muçulmanos o domínio sobre a Terra Santa, tendo chegado a estabelecer alguns estados cristãos no Médio Oriente. A vida cultural foi dominada pela escolástica, uma filosofia que procurou unir a fé à razão, e pela fundação das primeiras universidades. A obra de Tomás de Aquino, a pintura de Giotto, a poesia de Dante e Chaucer, as viagens de Marco Polo e a edificação das imponentes catedrais góticas estão entre as mais destacadas façanhas deste período.
Os dois últimos séculos da Baixa Idade Média ficaram marcados por várias guerras, adversidades e catástrofes. A população foi dizimada por sucessivas carestias e pestes; só a peste negra foi responsável pela morte de um terço da população europeia entre 1347 e 1350. O Grande Cisma do Ocidente no seio da Igreja teve consequências profundas na sociedade e foi um dos fatores que esteve na origem de inúmeras guerras entre estados. Assistiu-se também a diversas guerras civis e revoltas populares dentro dos próprios reinos. O progresso cultural e tecnológico transformou por completo a sociedade europeia, concluindo a Idade Média e dando início à Idade Moderna.
Índice
[esconder]- 1Etimologia e periodização
- 2Queda do Império Romano
- 3Alta Idade Média
- 3.1Novas sociedades
- 3.2Bizâncio
- 3.3Fervor religioso e expansão islâmica
- 3.4Comércio e economia
- 3.5Igreja e monaquismo
- 3.6A Europa Carolíngia
- 3.7Renascimento Carolíngio
- 3.8Desagregação do Império Carolíngio
- 3.9Os novos reinos e o renascimento de Bizâncio
- 3.10Arte e arquitectura
- 3.11Progresso tecnológico e militar
- 3.12Sociedade ocidental
- 4Baixa Idade Média
- 5Os séculos XIV e XV
- 6Imagem moderna
- 7Notas
- 8Referências
- 9Bibliografia
- 10Leitura complementar
- 11Ligações externas
Etimologia e periodização
Ver também: Periodização da História
A Idade Média é um dos três grandes períodos definidos pelo mais comum quadro de análise de história europeia: a Idade Antiga, ou Antiguidade, a Idade Média e a Era Moderna, que compreende as idades Moderna e Contemporânea.[2]
Evolução do conceito
Os escritores medievais dividiam a História em períodos como as "Seis Épocas", e consideravam a sua a última época antes do fim do mundo,[3] e denominavam-na "moderna".[4] Na década de 1330, o poeta e humanista Petrarca denominava a era anterior ao cristianismo por "antiqua" (ou "antiga") e o período cristão por "nova".[5] O primeiro historiador a definir a periodização tripartida foi Leonardo Bruni na sua História do Povo Florentino em 1442.[6] Bruni, e historiadores posteriores, argumentaram que Itália se tinha desenvolvido significativamente desde o tempo de Petrarca e acrescentaram um terceiro período à sua divisão. O mais antigo registo conhecido do termo Idade Média data de 1469, sendo grafado como media tempestas ou "tempos médios".[7] Durante a sua introdução, foi comum a coexistência de várias variantes, como medium aevum, registada em 1604,[8] ou media scecula, registada em 1625. A periodização tripartida tornar-se-ia padrão após a publicação em 1683 da obra História Universal Dividida nos Períodos Antigo, Medieval e Novo da autoria do historiador alemão Christoph Cellarius.[9]
Datas de início e fim
A data consensual para o início da Idade Média é 476,[10] definida pela primeira vez por Bruni,[6] e que representa o ano em que é deposto o último imperador romano do Ocidente.[11] No contexto europeu, considera-se normalmente o fim da Idade Média no ano 1500,[nt 1] embora não haja um consenso universal alargado sobre a data.[12] Dependendo do contexto, podem ser considerados como eventos de transição a primeira viagem de Cristóvão Colombo às Américas em 1492, a conquista de Constantinopla pelos Turcos em 1453, ou a Reforma Protestante em 1517.[13] Por outro lado, os historiadores ingleses normalmente referem-se à batalha de Bosworth em 1485 como referência para o fim do período.[nt 2] Em Espanha, é comum o recurso ao ano de 1516, aquando a morte do rei Fernando II de Aragão, ou o ano da morte da rainha Isabel I de Castela em 1504, ou ainda a conquista de Granada em 1492.[14]
Os historiadores de línguas românicas tendem a dividir a Idade Média em duas partes: um primeiro período, a Alta Idade Média e um segundo período, a Baixa Idade Média. Os historiadores anglo-saxónicosdividem normalmente a Idade Média em três segmentos: "Early Middle Ages", ou "idade média arcaica", definido entre 476 e o ano 1000; "High Middle Ages", ou "alta idade média", entre o ano 1000 e 1300; e "Late Middle Ages" ou "Idade média tardia" entre 1300 e 1453.[2] Os termos foram popularizados durante o início do século XX pelo historiador belga Henri Pirenne e pelo holandês Johan Huizinga. Durante todo o século XIX, a Idade Média era frequentemente referida como a "Idade das trevas", mas com a criação de subdivisões o uso do termo ficou restrito ao período arcaico.[15]
Queda do Império Romano
O Império Romano atingiu o seu apogeu e máxima extensão territorial durante o século II, mas durante os dois séculos seguintes verificar-se-ia o lento declínio do domínio territorial romano sobre os seus territórios.[16] A crise económica, refletida na inflação, e instabilidade nas fronteiras motivada pela pressão de povos invasores, estiveram na origem da crise do terceiro século, períodos em que um vasto número de imperadores ascendia ao trono apenas para ser rapidamente substituído por novos usurpadores.[17] O orçamento militar aumentou constantemente ao longo de todo o terceiro século, sobretudo na sequência de uma nova guerra contra o Império Sassânida, iniciada em meados do século. A necessidade de receitas levou à aplicação de uma sobretaxa fiscal e ao declínio em massa da classe média, proprietária de terrenos e unidades de produção, extinguindo-se assim o financiamento das estruturas administrativas de cada povoação.[18]
No ano de 286, o imperador Diocleciano divide o império em duas metades, oriental e ocidental, administradas separadamente. No entanto, os próprios cidadãos e administradores públicos não viam o seu império como dividido, e as promulgações legais e administrativas de uma parte eram consideradas válidas na outra. Este sistema, que viria a ter dois coimperadores seniores (augustos) e dois coimperadores juniores (césares), seria conhecido como tetrarquia.[19] Em 330, depois de um período de guerra civil, o imperador Constantino tornar-se-ia imperador único e refundaria a cidade de Bizâncio como Constantinopla, a nova e renovada capital oriental.[20]
As reformas de Diocleciano criaram uma administração pública forte, a reforma da cobrança de impostos, e o fortalecimento do exército, o que permitiu ganhar algum tempo mas não resolveu por completo os problemas que enfrentava: tributação excessiva, queda da taxa de natalidade e pressão fronteiriça.[21] Em meados do século IV, tornou-se constante a deflagração de guerras civis entre imperadores rivais, retirando forças das fronteiras e dando espaço à infiltração de bárbaros.[22] No século IV, a sociedade romana era já bastante diferente da do período clássico, assistindo-se ao aumento das desigualdades sociais e ao declínio de vitalidade das cidades pequenas.[23] O império converte-se também ao cristianismo, um processo gradual que decorreu entre os séculos II e V.[24][25]
Em 376, os Ostrogodos, em debanda dos Hunos, são autorizados pelo imperador romano Valente a estabelecer-se na província romanade Trácia, nos Balcãs. O processo não decorreu de forma pacífica, e quando os administradores romanos perderam o controlo da situação, os Ostrogodos deram início a uma série de pilhagens e vandalismos no território. Valente, numa tentativa de fazer cessar a violência, foi morto em combate na batalha de Adrianópolis em agosto de 378.[26] Para além da ameaça bárbara do norte, constituíram também ameaças à estabilidade as divisões internas dentro do próprio império, sobretudo dentro da Igreja Cristã.[27] No ano 400, os Visigodos sob Alarico invadem o Império do Ocidente e, embora inicialmente repelidos de Itália, em 410 saqueiam a cidade de Roma.[28] A par destes eventos, Alanos, Vândalos e Suevos resolvem atravessar o Reno em 406, dominando o território da Gália até 409, quando atravessam os Pirenéus, instalando-se também na península Ibérica.[29] Vários outros grupos bárbaros tomam igualmente parte nas intensas migrações deste período. Os Francos, Alamanos e Burgúndios têm como destino o norte da Gália enquanto que os Anglos, Saxões e Jutos se estabelecem nas Ilhas Britânicas. Os Hunos, liderados pelo rei Átila, o Huno, organizam invasões aos Balcãs em 442 e 447, à Gália em 451, e a Itália em 452.[30] A ameaça dos Hunos prolongou-se até à morte de Átila em 453, quando a confederação por si liderada se fragmenta.[31] Estes movimentos levados a cabo pelas várias tribos reorganizaram de forma dramática o mapa político e demográfico do que tinha sido o Império Romano do Ocidente.[32]
Por volta do fim do século V, a parte ocidental do império estava já dividida em pequenas unidades políticas, governadas pelas tribos que as haviam ocupado durante o início do século.[33] O último imperador do Ocidente, Rómulo Augusto, foi deposto em 476, evento que leva à adoção consensual desse ano como o fim do Império Romano do Ocidente.[11] [nt 3] O Império Romano do Oriente, referido como Império Bizantino depois da queda do seu correspondente ocidental, mostrou pouca eficácia no controlo dos territórios ocidentais perdidos. Embora os imperadores bizantinos tenham mantido pretensões territoriais e afirmado que nenhum rei bárbaro podia ousar tornar-se imperador do Ocidente, não conseguiam de forma alguma sustentar qualquer domínio a Ocidente, excetuando-se a reconquista temporária da península Itálica e da periferia mediterrânea por Justiniano I.[34]
Alta Idade Média
Novas sociedades
Ver artigos principais: Migrações dos povos bárbaros e Queda do Império Romano do Ocidente
A estrutura política da Europa Ocidental alterou-se significativamente com o fim da união do Império Romano. Embora as atividades dos povos bárbaros sejam frequentemente descritas como "invasões", não se trataram de meras campanhas militares, mas sim migrações de populações inteiras para o território do império. A migração foi facilitada pela recusa das elites romanas em financiar o seu exército.[35] Os imperadores do século V eram na maior parte dos casos controlados por militares influentes como Estilicão, Ricímero, Gundebaldo ou Áspar, quase sempre estrangeiros ou de ascendência estrangeira. Após a interrupção da linha de sucessão, muitos dos reis que os substituíram provinham igualmente de forças militares. Era também comum o casamento entre os novos reis e as elites romanas locais.[36] Isto deu origem a uma incorporação gradual dos hábitos das tribos invasoras na cultura romana, incluindo assembleias populares que permitiram aos líderes tribais ter uma voz ativa em matérias políticas.[37] Os artefactos deixados por Romanos ou pelos invasores são na sua maioria similares, sendo nítida a inspiração dos objetos tribais nos modelos romanos.[38] De igual modo, a maior parte da cultura intelectual dos novos reinos baseava-se directamente nas tradições intelectuais romanas.[39] No entanto, uma diferença substancial foi a perda gradual de rendimento tributário em função das novas políticas. Muitas das novas instituições governativas já não financiavam os seus exércitos com o dinheiro proveniente de impostos, mas com a atribuição de terras ou senhorios. Isto levou ao desaparecimento do sistema de colecta de impostos, uma vez que deixou de haver necessidade para cobranças ou cálculos de grande envergadura.[40] O belicismo era comum entre reinos e dentro dos próprios reinos. A escravatura entrou também em declínio, à medida que a oferta se reduzia e a sociedade se tornava cada vez mais rural.[41]
Entre os séculos V e VIII, uma nova vaga de governantes preenche o vazio político deixado pela administração central romana.[39] Os Ostrogodos estabelecem-se na província romana de Itália no fim do século V, sob o comando de Teodorico, e dão início a um reino notável pela cooperação entre Itálicos e Ostrogodos, pelo menos durante o seu reinado.[42] Os Burgúndios estabelecem-se na Gália, e depois de um primeiro reino dizimado pelos Hunos em 436, formam um novo na década de 440 entre a atual Genebra e Lyon, e que durante o início do século VI se viria a tornar num dos mais influentes reinos da região. No norte da Gália, os Francos e os Bretõesformam pequenos reinos. O Reino Franco centra-se no noroeste da Gália e o primeiro reinante do qual se possui informação relevante é Childerico I, que viria a morrer em 481.[nt 4] Durante o reinado do seu filho, Clóvis I, o reino franco expande-se e converte-se ao cristianismo. Os Bretões, procedentes da Britânia, estabelecem-se no que é hoje a Bretanha.[44] Os Visigodos estabelecem o seu reino em grande parte da península Ibérica, sendo o noroeste peninsular ocupado pelo Reino Suevo e o norte de África pelo Reino Vândalo.[45] Durante o século VI, os Lombardos estabelecem-se no norte de Itália, substituindo o Reino Ostrogótico por um grupo de ducados responsáveis pela eleição de um rei comum. Por volta do fim do século VI, este sistema foi substituído por uma monarquia permanente.[46]
A migração europeia significou uma alteração profunda do mapa demográfico da Europa, embora o povoamento não tenha sido homogéneo. Algumas regiões, como a península Ibérica, albergaram um número de colonos muito maior quando comparado com outras regiões. A ocupação da Gália foi também superior e em maior densidade no noroeste do que no sudeste. Os povos Eslavos ocuparam a Europa Central e de Leste até à península Balcânica. Esta migração foi também acompanhada por alterações profundas na língua. O latim, língua oficial do Império Romano do Ocidente, foi gradualmente substituído por várias línguas de raiz latina, embora já bastante distintas, denominadas coletivamente por línguas românicas. No entanto, a evolução do latim para as novas línguas como o francês, português ou romeno foi um processo que ocorreu ao longo de séculos, e atravessou uma série de fases. O grego permaneceu como língua oficial do Império Bizantino, mas as migrações dos Eslavos permitiram a assimilação de línguas eslavas no leste europeu.[47]
Bizâncio
Ver artigos principais: Império Bizantino e Dinastia heracliana
À medida que a Europa Ocidental assistia à formação de novos reinos, o Império Romano do Oriente manteve-se intacto, chegando até a verificar-se um renascimento económico que perdurou até ao início do século VII. Na parte oriental houve menos tentativas de invasão, e a maioria centrou-se sobretudo na zona dos Balcãs. Durante todo o século V, a paz foi constante com o Império Sassânida (persa), oponente ancestral de Roma no domínio territorial da região. Assistiu-se também ao estreitamento de relações entre a governação política e a Igreja Cristã, tendo no Oriente as questões doutrinais assumido um relevo sem paralelo na Europa ocidental. A nível jurídico, procedeu-se à codificação do direito romano, tendo sido completado o Código de Teodósio em 438.[48] No reinado de Justiniano procede-se a uma compilação ainda mais detalhada, conhecida como Corpus Juris Civilis.[49] Justiniano impulsionou também a edificação da Santa Sofia em Constantinopla e a reconquista do Norte de África aos Vândalos e de Itália aos Ostrogodos, sob o comando de Belisário. A conquista de Itália sofreu um revés devido à deflagração de uma pandemia em 542, que levou à concentração dos recursos na defesa do território já conquistado.[50]
A progressiva infiltração dos povos Eslavos nos Balcãs trouxe consigo dificuldades acrescidas. Embora tenha começado por pequenas invasões, por volta de 540 as tribos eslavas encontravam-se já na Trácia e na Ilíria, e em 551 viriam a derrotar um dos exércitos imperiais perto de Adrianópolis (atual Edirne). Durante a década de 560, os Ávaros iniciam uma expansão territorial a partir da margem Norte do rio Danúbio, e por volta do fim do século VI até ao fim do século VIII são já a força dominante na Europa Central e capazes de exigir aos imperadores Orientais o pagamento de tributos.[51] Outro dos mais notáveis problemas enfrentados pelo império foi o envolvimento do imperador Maurício I na política persa, ao intervir numa disputa sucessória. Embora a ascensão de Cosroes II ao trono persa tenha significado um breve período de paz, a sua subsequente deposição levou a uma nova guerra com os Persas, que, durante o reinado de Heráclio, dominavam já grande parte do império a oriente, incluindo as províncias do Egito, da Síria e da Ásia, quando Jerusalém caiu, em 614 . Mais tarde, em 628, Heráclio assinaria um tratado de paz que restauraria as anteriores fronteiras imperiais.[52]
Fervor religioso e expansão islâmica
Ver artigo principal: Expansão islâmica
Ver também: Guerras bizantino-árabes
Durante os séculos VI e VII é frequente a permeabilidade de credos religiosos entre o Império Sassânida e o Império Bizantino. O judaísmo fora uma fé missionária ativa, e a cristandade possuía missões que competiam com o zoroastrismo persa na procura de conversos, sobretudo entre habitantes da península da Arábia. Com a emergência do Islão na Arábia durante a vida de Maomé, assistir-se-ia à unificação religiosa da região.[53] Depois da morte de Maomé em 632, as forças islâmicas conquistaram grande parte do Império Oriental, bem como o Império Sassânida, começando com a conquista da Síria em 634-635 e mais tarde de todo o território até ao Egito em 640-641, a própria Pérsia entre 637 e 642, o Norte de África no fim do século VII e a península Ibérica em 711.[54] Em 714, as forças islâmicas controlavam já a maior parte da península, região que denominaram por Al-Andalus.[55]
A expansão islâmica atingiu o apogeu em meados do século VIII. A derrota das forças muçulmanas na batalha de Poitiers em 732 proporcionou a reconquista do sul de França pelos Francos, embora o principal fator para a interrupção da expansão tenha sido a deposição da dinastia omíada e a sua substituição pela dinastia abássida. Os Abássidas transferiram a capital para Bagdad e concentraram o seu interesse no Médio Oriente em desfavor da Europa, ao mesmo tempo que perdiam o domínio de uma vasta extensão territorial. Os descendentes dos Omíadas obtiveram o domínio da península Ibérica, os Aglábidas do norte de África e os Tulúnidas passaram a governar o Egito.[56] Em meados do século VIII, assiste-se ao renascimento a ao aparecimento de novas rotas comerciais no Mediterrâneo, tendo as antigas rotas romanas sido substituídas pelo comércio entre os reinos dos Francos e dos Árabes. Os reinos Ocidentais exportavam lenha, peles, armamento e escravos para os Árabes em troca de sedas e vários géneros de tecido, especiarias e metais preciosos.[57]
Comércio e economia
As migrações bárbaras dos séculos IV e V interromperam grande parte das rotas comerciais no Mediterrâneo, o que fez cessar a exportação de mercadorias africanas para a Europa. Por volta do início do século VII, apenas em algumas cidades costeiras como Roma e Nápoles era possível encontrar ainda bens importados, embora ao longo de todo o século as conquistas muçulmanas fizessem cessar em definitivo as trocas comerciais de longo curso, fazendo com que durante a Alta Idade Média aumentasse a procura pela produção local, sobretudo nas áreas afastadas do Mediterrâneo. Os bens importados encontrados nos vestígios arqueológicos são fundamentalmente artigos de luxo. Na Europa do Norte, não só as rotas comerciais eram locais, como os bens transportados eram artigos comuns, com poucos objetos cerâmicos ou produtos transformados. Em redor do Mediterrâneo, contudo, o comércio de cerâmica foi comum e realizado a alguma distância, e não apenas de produção local.[58]
Os vários estados germânicos no Ocidente cunhavam moeda segundo os modelos romano e bizantino. O ouro continuou a ser usado até finais do século VII, até ser substituído por moedas de prata. A unidade elementar da moeda de prata Franca era o dinheiro, enquanto que os anglo-saxões usavam o pêni, moedas que se disseminaram pela Europa entre os séculos VII e X. Nem o bronze nem o cobre eram usados na cunhagem, e o ouro só continuou a ser usado na Europa do Sul. Também não eram cunhadas moedas com valores múltiplos.[59]
Igreja e monaquismo
Ver artigo principal: Grande Cisma do Oriente
A cristandade foi o fator determinante de unidade entre a Europa oriental e ocidental antes da conquista árabe; no entanto, a perda do domínio do Mediterrâneo viria a estagnar as rotas comerciais marítimas entre as duas regiões. A própria Igreja Bizantina, que viria a tornar-se na Igreja Ortodoxa, era distinta em termos de práticas, liturgia e língua da sua congénere ocidental, que viria a tornar-se na Igreja Católica. As diferenças teológicas e políticas tornam-se cada vez mais vincadas, e em meados do século VIII a abordagem de matérias como a iconoclastia, o casamento de sacerdotes e a separação de poderes entre a Igreja e o Estado era de tal forma contrastante que as diferenças culturais e religiosas eram já em maior número do que as semelhanças.[60] A separação formal ocorre em 1054, quando o Papado de Roma e o patriarcado de Constantinopla se confrontam abertamente e se excomungam mutuamente, facto que está na origem da cisão da cristandade em duas igrejas – a Igreja Católica Romana e a Igreja Ortodoxa Oriental.[61]
A estrutura eclesiástica do Império Romano no ocidente sobreviveu relativamente intacta às invasões bárbaras, mas o papado pouca autoridade exercia, sendo raros os bispos ocidentais que procuravam no papa liderança religiosa ou política. A maior parte dos papas anteriores a 750 debruçava-se sobretudo sobre questões bizantinas e teológicas orientais. A grande maioria das mais de 850 cartas hoje conservadas do papa Gregório I dizem respeito a assuntos em Itália ou Constantinopla. A única região da Europa Ocidental onde o papado exercia influência era a província romana da Britânia, para onde Gregório envia em 597 a missão gregoriana com o intuito de converter os Anglo-saxões ao cristianismo.[62] Os missionários irlandeses, que entre os séculos V e VII foram os mais ativos na Europa ocidental, foram autores de várias campanhas de cristianização, primeiro nas Ilhas Britânicas e depois no continente. Contando entre si monges como São Columba e São Columbano, não só fundaram um imenso número de mosteiros, mas também foram os responsáveis pela divulgação do latim e do grego e autores profícuos de obras seculares e religiosas.[63]
Durante a Alta Idade Média assiste-se à implementação do monaquismo no Ocidente, inspirado sobretudo pela tradição monástica dos Padres do Deserto Sírios e Egípcios. São Pacómio foi durante o século IV um dos pioneiros do cenobitismo, o monaquismo praticado em redor de uma comunidade espiritual. Os ideais monásticos são rapidamente difundidos do mediterrâneo para a Europa durante os séculos V e VI através da documentos hagiográficos como a A Vida de Antão.[64] São Bento de Núrsia foi o autor da Regra de São Bento, extremamente influente no monaquismo ocidental durante todo o século VI, onde são descritas em detalhe as responsabilidades administrativas e espirituais de uma comunidade de monges, liderada por um abade.[65] Os mosteiros exerceram uma influência profunda na vida religiosa e política da Alta Idade Média, tutelando vastas regiões em nome de famílias poderosas, atuando como centros de propaganda e de apoio monárquico em regiões recentemente conquistadas, e organizando missões de evangelização.[66] Eram também o principal, e por vezes único, centro de educação e literacia em determinada região, copiando também muitos dos manuscritos sobreviventes dos clássicos romanos.[67] Os monges, como São Beda, foram também autores de inúmeras novas obras de história, teologia, botânica e vários outros temas.[68]
A Europa Carolíngia
Ver artigos principais: Reino dos Francos e Império Carolíngio
Sob o domínio da dinastia merovíngia durante os séculos VI e VII, o reino dos Francos no norte da Gália segmentar-se-ia nos reinos da Austrásia, da Nêustria e Borgonha. O século VII representou um período instável de guerra civil entre a Austrásia e a Nêustria.[69] A situação foi explorada por Pepino de Landen, mordomo do palácio que se tornaria governante de facto nos bastidores da coroa. A sua linhagem herdou sucessivamente o cargo, atuando como conselheiros e regentes. Um dos seus descendentes, Carlos Martel, liderou a vitória na batalha de Poitiers em 732, contendo o avanço muçulmano nos Pirenéus.[70] O exército muçulmano tinha já conquistado por completo o reino Visigótico de Hispânia em 719, depois de derrotar o último monarca visigodo, Rodrigo, durante a batalha de Guadalete em 711.[71] As Ilhas Britânicas encontravam-se divididas em vários estados de pequena dimensão, dominados pelos reinos da Nortúmbria, Mércia, Wessex e Anglia Oriental, descendentes dos ocupantes Anglo-saxões. Alguns reinos de menores dimensões, no que é hoje a Escócia e o País de Gales, encontravam-se ainda sob domínio dos nativos britânicos e dos Pictos.[72] A Irlanda estava dividida em unidades políticas de ainda menor dimensão, controladas por reis locais. Estima-se que tenha havido a determinado ponto cerca de 150 reinos locais apenas na Irlanda, de importância e dimensão variável.[73]
A dinastia carolíngia, como são referidos os sucessores de Carlos Martel, apoderou-se oficialmente dos reinos da Austrásia e da Nêustria em 753 durante um golpe de Estado liderado por Pepino III. Uma crónica contemporânea afirma que Pepino recebeu autorização para o golpe do Papa Estêvão II. O golpe foi apoiado por propaganda que retratava os Merovíngios como governantes cruéis e inaptos, exaltando as virtudes de Carlos Martel e da piedade da sua família. Depois da morte de Pepino, o reino é herdado pelos seus dois filhos, Carlos e Carlomano. Quando Carlomano morreu de causas naturais, Carlos impediu a sucessão do seu filho menor e coroou-se a si próprio como rei da Austrásia e Nêustria unidas. Carlos, que viria a ser conhecido como Carlos, o Grande ou Carlos Magno, iniciou em 774 uma série de expansões sistemáticas que unificariam grande parte da Europa, chegando a dominar toda a extensão territorial no que é atualmente a França, norte de Itália e Saxónia.[75] Ainda em 774, conquista os lombardos, libertando o papado dos receios de uma conquista lombarda e dando início aos Estados Papais.[76][nt 5]
A coroação de Carlos Magno como imperador, no dia de Natal do ano 800, é vista pelos historiadores como um dos grandes momentos de charneira na história medieval, marcando a restauração do Império Romano do Ocidente, uma vez que o novo imperador governava a maior parte do território anteriormente controlado pelos imperadores ocidentais. Marca também uma alteração significativa na relação de poderes entre Carlos Magno e o Império Bizantino, ao tornar claro que a obtenção do título de imperador afirmava a sua equivalência perante a contraparte oriental.[78] No entanto, existiam diferenças significativas entre o novo Império Carolíngio e tanto o Império Bizantino como o antigo Império Romano do Ocidente. Os territórios francos eram essencialmente rurais, existindo muito poucos núcleos urbanos, e os existentes eram de pouca dimensão. As técnicas agrícolas eram rudimentares, e a maior parte dos habitantes eram camponeses em explorações minifundiárias. O comércio era incipiente e na sua maioria virado para as Ilhas Britânicas ou para os territórios escandinavos, ao contrário do antigo Império Romano, que dispunha de uma vastíssima rede de comércio centrada no Mediterrâneo.[79] A administração do império estava centrada numa corte itinerante que acompanhava o imperador, e o poder local estava nas mãos de cerca de 300 oficiais designados por condes, administrando cada um dos condados em que o território fora repartido. Os bispos e o próprio clero podiam exercer funções administrativas, e o poder de supervisão estava também delegado nos missi dominici, homens de confiança da corte que serviam de intermediários entre o poder local e central.[80]
Renascimento Carolíngio
Ver artigos principais: Renascença carolíngia e Arte carolíngia
A corte de Carlos Magno em Aquisgrano foi o centro de um movimento de revitalização cultural denominado Renascimento carolíngio. Durante este período assiste-se a um aumento expressivo da literacia, ao florescimento da arte e da arquitectura, a um elevado número de iniciativas legislativas e a uma maior expressão da produção escrita. Alcuíno de Iorque foi convidado para a corte, trazendo consigo a educação clássica em latim dos mosteiros da Nortúmbria. Foi implementada a minúscula carolíngia,[nt 6] uma nova forma caligráfica unificada que melhorou substancialmente a comunicação escrita em grande parte do território europeu. Carlos Magno impôs também às igrejas a liturgia romana e o canto gregoriano como forma unificada de celebração. A comunidade académica foi autora de muitos trabalhos de cópia, correção e divulgação de obras de referência de temas religiosos e seculares, com o intuito de encorajar a aprendizagem. São também produzidas imensas obras originais, sobretudo livros de ensino e sobre temas religiosas.[82] Os linguistas do período adaptam a língua latina, transformando o latim clássico do Império Romano numa forma mais flexível. Durante o reino de Carlos Magno, a língua era já tão divergente da forma clássica que mais tarde se convencionaria denominar por latim medieval.[83]
Desagregação do Império Carolíngio
Ver artigos principais: Sacro Império Romano-Germânico e Víquingues
Apesar de Carlos Magno ter previsto manter a tradição franca da partilha do reino por todos os herdeiros, apenas um dos seus filhos, Luís I, o Piedoso, se encontrava vivo em 813. No mesmo ano, Carlos Magno coroa Luís como seu sucessor, tendo morrido no ano seguinte. O seu longo reinado de 26 anos seria marcado por várias divisões internas do império entre os seus filhos e, após 829, por várias guerras civis entre grupos de alianças de pais e filhos contra outros herdeiros, em disputa sobre o domínio de várias partes do império. A determinada altura, Luís reconheceu como imperador o seu filho mais velho Lotário I e cedeu-lhe o território de Itália. Luís distribuiu o restante império entre Lotário e Carlos II, o seu filho mais novo. Lotário assumiu o domínio da Frância Oriental, a leste do Reno, deixando a Carlos a Frância Ocidental, o território a oeste da área do Reno e dos Alpes. Ao filho do meio, Luís o Germânico, que havia iniciado disputas constantes, foi-lhe permitida a regência da Baviera, ainda que sob tutela do seu irmão mais velho. Esta divisão viria mais tarde a ser contestada. Pepino II da Aquitânia, neto do imperador, rebelou-se na tentativa de conquistar a Aquitânia, enquanto que Luís o Germânico tentou anexar a Frância Oriental. Luís I morreria em 840, com o império em convulsão.[84]
À sua morte seguiu-se uma guerra civil de três anos, que culminaria com a assinatura do Tratado de Verdun em 843. O tratado determinou a criação de um reino entre os rios Reno e o Ródano administrado por Lotário em conjunto com as suas posses de Itália, e o reconhecimento do seu título imperial. Luís o Germânico assumiu o controlo da Baviera e das terras orientais da atual Alemanha. Carlos recebeu o território ocidental franco, no que é hoje grande parte da França.[84] Os netos e bisnetos de Carlos Magno dividiriam por sua vez os seus reinos pelos seus descendentes, o que viria a desagregar toda a coesão interna alcançada neste período.[85]
A desagregação do Império Carolíngio foi acompanhada por invasões, migrações e incursões de forças externas. As costas atlântica e norte foram cobiçadas pelos Víquingues, que já se haviam instalado no norte das Ilhas Britânicas e na ilha da Islândia. Em 911, o líder víquingue Rollo recebeu permissão do rei franco Carlos, o Simples para estabelecer uma colónia no território que viria a ser a Normandia.[86] Os territórios orientais dos reinos francos, sobretudo a Alemanha e a Itália, estiveram sob constante ataque dos povos Magiares até à sua derrota na batalha de Lechfeld em 955.[87] A fragmentação do Califado Abássida trouxe consigo a desagregação do mundo islâmico numa série de pequenos estados políticos, alguns dos quais que viriam a expandir-se para a Itália e Sicília, chegando mesmo a instalar colónias nos Pirenéus e em áreas nas fronteiras a sul dos reinos francos (Fraxineto, por exemplo).[88]
Os novos reinos e o renascimento de Bizâncio
Ver artigos principais: História do Império Bizantino, Reino da Germânia, Cristianização da Escandinávia, Cristianização dos rus' de Quieve e Cristianização da Bulgária
Os esforços dos reinos locais para repelir os invasores levaram à formação de novas entidades políticas. Em Inglaterra, o rei Alfredo obteve no final do século VIII um acordo com os invasores Víquingues, que previa o estabelecimento de colónias dinamarquesas na Nortúmbria, Mércia e partes da Ânglia Oriental.[89] Em meados do século X, os descendentes de Alfredo tinham já reconquistado a Nortúmbria e restabelecido o domínio inglês sobre a maior parte do Sul da ilha.[90] A Norte, Kenneth I uniu os Pictos e os Escoceses no Reino da Escócia.[91] Durante o início do século X, a dinastia otoniana dominava já a Germânia e procurou repelir as invasões magiares. O restabelecimento do território culminou com a coroação de Otão I (r. 936–973) como imperador em 962.[92] Em 972, Otão garantiu o reconhecimento do título pelo Império Bizantino, e legitimou o facto com o casamento do seu filho Otão II (r. 961–983) com Teofânia Escleraina, filha do anterior imperador Bizantino Romano II.[93] Depois de um período de instabilidade, o Reino Itálico seria colocado sob influência otoniana em finais do século X.[94] A Frância ocidental fragmentou-se ainda mais, e embora de jure tenha existido uma corte, grande parte do poder estava entregue a senhores locais.[95]
Ao longo dos séculos IX e X os reinos escandinavos da Suécia, Dinamarca e Noruega foram conquistando território e influência. Alguns dos monarcas converteram-se ao cristianismo, fruto do esforço missionário do mesmo período, embora o processo de cristianização só tenha sido completo por volta do ano 1000. Os reinos escandinavos continuaram também a estabelecer colónias ao longo do território europeu; para além das já existentes na Irlanda, Inglaterra e Normandia, colonizaram também a Islândia e em territórios que viriam a fazer parte da Rússia. Mercadores suecos chegaram a estabelecer-se nos rios das estepes russas e mesmo a tentar cercar Constantinopla em 860 e 907.[96] A Espanha cristã, inicialmente confinada a um pequeno território a norte depois da conquista muçulmana, começou a reconquistar território a sul durante os séculos IX e X, estabelecendo durante o processo os reinos das Astúrias e de Leão.[97]
Na Europa de Leste, o Império Bizantino assistiu a um novo período de apogeu durante o reinado de Basílio I, o Macedônio (r. 867–886) e dos seus descendentes Leão VI, o Sábio (r. 886–912) e Constantino VII (r. 913–959), membros da dinastia macedónica. O comércio intensificou-se e implementou-se uma reforma administrativa uniforme a todas as províncias do império. O exército foi reorganizado, o que permitiu aos imperadores João I (r. 969–976) e Basílio II Bulgaróctone (r. 976–1025) alargar a sua extensão territorial em todas as frentes. A corte imperial foi o centro do revivalismo clássico, momento que viria a ficar conhecido como Renascimento macedónico.[98] Os esforços missionários tanto de clérigos orientais como ocidentais estiveram na origem da conversão dos Morávios, Búlgaros, Boémios, Polacos, Magiares e os povos eslavos do Principado de Quieve. A cristianização destes povos viria a contribuir para a fundação dos estados políticos no território destes povos – a Grande Morávia, o Império Búlgaro, a Boémia, Polónia, Hungria e o próprio Principado de Quieve.[99]
Arte e arquitectura
Ver artigos principais: Arte da Idade Média e Arquitetura da Idade Média
Ver também: Arte pré-românica e Arte dos povos germânicos
Aos programas das grandes basílicas do século IV sucede-se um período de súbita diminuição de escala nas edificações que se prolongará até ao século VIII, sendo muito raros os programas de grandes edifícios. Por outro lado, verifica-se um surto construtivo de edifícios de pedra de menor escala durante os séculos VI e VII. Por volta do século VIII, a forma basilical é recuperada para os templos religiosos no Império Carolíngio.[101] A mais significativa inovação formal foi a introdução do transepto,[102] o corpo saliente perpendicular à nave que confere à planta a sua forma de cruz.[103] São também introduzidas as torres de cruzeiro[104] e um pórtico monumental de entrada no templo, normalmente na fachada ocidental do edifício.[105]
A produção de arte carolíngia estava restrita a um pequeno grupo de encomendadores na corte, e aos mosteiros e igrejas dos quais eram mecenas ou patronos. Foi marcada por um esforço em fazer reviver a dignidade e classicismo da Roma imperial e da arte bizantina, e influenciada em simultâneo pela arte insular das Ilhas Britânicas, conjugando os motivos ornamentais celtas e germânicos com formas e suportes mediterrânicos, e definindo já grande parte das formas artísticas que permaneceriam na arte Ocidental até o fim da Idade Média. Até os nossos dias chegaram sobretudo iluminuras e entalhes em marfim, inicialmente adornos de objetos metálicos.[106][107] As peças em metais preciosos estavam entre as mais prestigiadas formas artísticas, mas fruto sobretudo da necessidade de metal que levou à sua fundição, são poucos os exemplos que chegaram até nós, sendo os mais comuns algumas cruzes como a Cruz de Lotário, vários relicários e alguns sítios arqueológicos extremamente ricos em artefactos de metal como Sutton Hoo em Inglaterra, Gourdon em França, Guarrazar em Espanha e Nagyszentmiklós na fronteira do Império Bizantino. Há ainda vários exemplares de brochespresentes em fíbulas, peça fundamental de adorno pessoal das elites.[108] Os livros com a maior riqueza decorativa eram sobretudo evangeliários, tendo chegado até nós uma quantidade assinalável de exemplares, como o Livro de Kells ou os Evangelhos de Lindisfarne, ou o Código Áureo de São Emeram, um dos poucos a conservar intacta a sua encadernação de ouro cravejado de pedras preciosas.[109] Foi também durante a corte de Carlos Magno que terá sido admitida a escultura monumental na arte cristã,[110]uma alteração crucial e que se manifestaria já no fim do período na presença comum de estatuária em tamanho real nas igrejas, como a Cruz de Gero.[111]
Progresso tecnológico e militar
Ao longo do final do Império Romano, os principais progressos militares consistiram na tentativa de criação de uma força de cavalaria eficiente e no desenvolvimento de grupos altamente especializados no seio das forças militares. A criação de cavaleiros protegidos por armadura, semelhantes aos catafractários persas, teve lugar no século V. As diversas tribos invasoras possuíam exércitos bastante distintos; por exemplo, os exércitos anglo-saxónicos que invadiram as ilhas britânicas eram constituídos fundamentalmente por infantaria, enquanto que os Vândalos e Visigodos tinham uma percentagem muito grande de cavalaria.[112]Durante o início das migrações o estribo ainda não tinha sido introduzido no exército, o que limitava a utilidade da cavalaria enquanto tropa de choque por não ser possível aplicar a totalidade da força do cavalo e do cavaleiro.[113] A mais profunda alteração militar durante o período das migrações foi a adoção do arco composto huno em substituição da versão cítia, mais fraca.[114] Outra inovação foi a adoção progressiva do montante,[115] da cota de malha e da armadura lamelar.[116]
A infantaria e a cavalaria ligeira perderam progressivamente importância durante o início do período carolíngio. Inversamente, a cavalaria pesada foi ganhando cada vez mais importância nos exércitos. Durante este período, diminuiu também o recurso a grupos de milícias, recrutados à força entre a população livre.[117] Embora muitos dos exércitos carolíngios fossem montados, pensa-se que uma grande proporção tenha sido apenas infantaria montada, e não verdadeira cavalaria.[118] A nível tecnológico, uma das principais mudanças durante o fim da Alta Idade Média foi o reaparecimento da besta e a introdução do estribo.[119]Outro avanço tecnológico, com implicações muito para além do campo militar, foi a introdução da ferradura, que permitiu usar cavalos em terreno rochoso.[120]
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