Na Europa ocidental, grande parte das antigas famílias das elites romanas desapareceu, ao mesmo tempo que outras se envolviam cada vez mais com assuntos religiosos e menos com matérias seculares. Os valores ligados à educação e literacia latinas praticamente desapareceram e, embora a literacia continuasse a ser importante, torna-se uma competência prática em vez de um símbolo de estatuto social. No século IV, Jerónimo sonhou que Deus o tinha repreendido por gastar mais tempo a ler Cícero do que a Bíblia. No século VI, Gregório de Tours afirmava que tinha tido um sonho semelhante, sendo castigado por tentar aprender estenografia.[121] Em finais do século VI, os principais meios de instrução religiosa são já a música e a arte, em vez do livro.[122] Grande parte da produção literária reproduzia obras clássicas, embora tenham sido criadas inúmeras obras originais e composições orais, atualmente desaparecidas. Entre as obras proeminentes deste período estão as de Sidónio Apolinário, Cassiodoro e Boécio.[123]
A cultura aristocrática também sofreu alterações. A cultura literária perde significado enquanto estatuto social. Os laços familiares entre as elites eram importantes, assim como os valores de lealdade, coragem e honra. Estes laços estão na origem e prevalência de um grande número de disputas na Europa ocidental, embora muitos terminassem rapidamente contra o pagamento de uma compensação. A nobreza apoiava a formação de grupos de guerreiros (comitato) destinados a ser a elite dos exércitos.[124]
A sociedade camponesa está muito menos documentada do que a nobreza. Grande parte do conhecimento atual deve-se à arqueologia, sendo raros os documentos escritos sobre a vida das classes inferiores anteriores ao século IX. As principais fontes são os códigos de direito ou as crónicas das classes superiores.[125] A distribuição de terras no Ocidente não era uniforme, havendo áreas muito fragmentadas enquanto noutras existiam blocos contíguos de grande dimensão. Estas diferenças permitiram o desenvolvimento de sociedades camponesas muito diferentes entre si, umas controladas pela aristocracia, enquanto outras com elevado nível de autonomia.[126] A distribuição populacional também variava significativamente. Algumas comunidades rurais chegavam a ter 700 habitantes, enquanto outras consistiam apenas num pequeno número de famílias ou quintas isoladas.[127] Diferente do que ocorria no período romano, não havia um vínculo legal relativo ao estatuto social e era possível a uma família camponesa ascender à aristocracia, por exemplo, ao longo de várias gerações de serviço militar dedicado a um senhor influente.[128]
A vida nas cidades e a cultura urbana sofreu um declínio acentuado a partir da queda do Império Romano. Embora as cidades italianas continuassem a ser povoadas, o número de habitantes diminuiu drasticamente. Roma, por exemplo, passou de uma população de centenas de milhar para apenas 30 000 habitantes no final do século VI. Os templos e basílicas foram convertidos em locais de culto cristãos.[129]Na Europa do Norte, as cidades também se contraíram, ao mesmo tempo que monumentos e espaços públicos eram destruídos para obtenção de materiais de construção. No entanto, a instituição de novos reinos muitas vezes proporcionava o crescimento das cidades escolhidas para capital.[130]
Baixa Idade Média
Sociedade e economia
Durante toda a Baixa Idade média, e até ao surto epidémico do século XIV, a população Europeia cresceu a um ritmo sem precedentes. As estimativas apontam para um crescimento de 35 para 80 milhões entre os anos 1000 e 1347. Têm sido identificadas como causas prováveis a melhoria nas técnicas agrícolas, a relativa paz e ausência de invasões, o declínio da escravatura e um extenso período de clima moderado e aumento da temperatura média.[131] Apesar deste crescimento, cerca de 90% da população era ainda eminentemente rural embora, de forma progressiva, as quintas isoladas tenham dado lugar a pequenas comunidades como aldeias ou vilas, e tenha sido comum a agregação em volta de propriedades senhoriais.[132] A população urbana, ainda muito escassa durante a Alta Idade Média, cresce assinalavelmente durante os séculos XII e XIII, a par da expansão urbana e da fundação de imensos centros populacionais,[133] embora ao longo de todo o período seja provável que nunca tenha excedido os 10% da população total.[134]
A estrutura social e económica tinha por base as relações feudais. Embora não fosse proprietária, a nobreza detinha os direitos de exploração e tributação de grande parte dos terrenos agrícolas. Os servos obtinham o direito a cultivar e habitar as terras de determinada família nobre mediante o pagamento de uma renda na forma de trabalho, géneros ou moeda. Em troca, recebiam proteção económica e militar.[135] Ao longo dos séculos XI e XII, estas terras, ou feudos, tornam-se hereditárias. Em muitas regiões, ao contrário do que acontecia na Alta Idade Média, a dificuldade em dividi-las pelos herdeiros faz com que passem a ser herdadas apenas pelo primogénito.[136] Dentro da própria nobreza, verifica-se a existência de uma hierarquia de vassalagem através da suserania, onde são concedidas terras ou estruturas de importância económica para exploração a um nobre menor, em troca da sua vassalagem e fidelidade. Durante os séculos XI e XII, a posse destas terras, ou feudos, viria a ser considerada hereditária. No entanto, ao contrário do que sucedia na Alta Idade Média, a maioria dos feudos deixou de ser dividida entre todos os herdeiros para passar a ser herdada em exclusivo pelo filho varão.[137] O domínio da nobreza durante este período deve-se em grande parte ao controlo das terras agrícolas e dos castelos, ao serviço militar na cavalaria pesada e às várias isenções de impostos ou obrigações de que desfrutavam. A introdução da cavalaria pesada na Europa teve origem nos catafractários persas dos séculos V e VI, mas será a introdução do estribo no século VII que virá permitir fazer uso de todo o potencial de combate destas unidades. Em resposta aos vários tumultos dos séculos IX e X, assiste-se a um surto construtivo de castelos, local de refúgio da população em tempos de ataque.[138]
O clero dividia-se entre o secular, parte da comunidade local, e o regular, que vivia numa comunidade fechada segundo uma ordem religiosa e era normalmente constituído por monges.[139] A maior parte dos membros do clero regular, assim como as hierarquias de topo do clero secular, era de origem nobre. Os párocos locais provinham na maior parte das vezes do povo.[140]
Na Flandres e no Norte e Centro de Itália, o crescimento de cidades que eram, até certo ponto, autónomas, proporcionou um significativo desenvolvimento económico e criou uma situação favorável ao aparecimento de novos modelos comerciais. As potências económicas ao longo do Báltico estabeleceram uma série de acordos que deram origem à Liga Hanseática, e as cidades-Estado italianas como Veneza, Génova e Pisa criaram uma imensa rede de rotas comerciais por todo o Mediterrâneo.[141] Para além do desenvolvimento comercial, as inovações agrícolas e tecnológicas deste período vieram permitir o aumento da produtividade das explorações agrícolas, levando à criação de excedentes em abundância para trocas comerciais.[142] Surgem também novos processos financeiros. Procede-se novamente à cunhagem de moeda em ouro, inicialmente em Itália e mais tarde em França e no resto da Europa. Surgem novas formas de contratos comerciais, permitindo a gestão de risco entre os mercadores. São aperfeiçoados os métodos de contabilidade e introduzidas as cartas de crédito que vieram permitir a rápida transação monetária nas redes comerciais.[143]
Ao longo da Idade Média, exigia-se que a mulher assumisse um papel de subordinação a um elemento masculino – o pai, o marido ou outro parente. Embora às viúvas fosse permitida bastante autonomia, existiam ainda algumas restrições legais. O trabalho da mulher era na sua maioria ligado às tarefas domésticas. As camponesas assumiam frequentemente a educação das crianças, a jardinagem e a criação de animais nos arredores da casa, podendo complementar o rendimento familiar com fiação fabrico de cerveja em casa. Durante as colheitas, esperava-se que ajudassem no trabalho de campo.[144] A mulher urbana, tal como a camponesa, era responsável pela gestão doméstica, podendo também exercer algumas das atividades comerciais, dependendo do país e do período.[145] As mulheres nobres tinham permissão para governar as terras na ausência do elemento masculino, embora normalmente lhes fosse vedada a participação em assuntos militares e governativos. Entre o clero, apenas podiam assumir o papel de freiras, uma vez que só os Homens se podiam tornar padres.[144]
Formação de Estados
A Baixa Idade Média representa o período determinante na formação dos estados ocidentais europeus. Os reinos de França, Inglaterra e Espanha consolidam o seu poder e definem centros de poder duradouros.[146] Surgem também novas potências na Europa Central como a Hungria e Polónia, após sua conversão ao cristianismo.[147] O Reino da Hungria teve origem nos Magiares, que se estabeleceram no território por volta do ano 900 durante o reinado de Árpád, depois do período de conquista do século IX.[148] O papado, que até então sempre se manifestara independente dos reis seculares, começa a afirmar a sua autoridade temporal sobre a totalidade do mundo cristão. A monarquia papal atinge o seu apogeu durante o início do século XIII durante o pontificado do Papa Inocêncio III.[149] As Cruzadas do Norte e o avanço dos reinos cristãos e ordens militares para regiões pagãs no Báltico e no norte da Escandinávia levou à assimilação forçada de inúmeros povos autóctones na Europa.[150]
Durante o início da Baixa Idade Média, a Alemanha foi dominada pela dinastia saxónica, que lutava ainda pelo controlo dos poderosos ducados locais formados durante as migrações bárbaras dos séculos anteriores. Em 1024, assume o poder a dinastia saliana, que tinha já entrado em confronto aberto com o papado acerca de nomeações eclesiásticas durante o reinado do imperador Henrique IV. Os seus sucessores continuaram o clima de confronto, estendendo-o a parte da nobreza Germânica.[151] Depois da morte do imperador Henrique V, o qual não havia deixado descendência, seguiu-se um período de instabilidade até ao reinado de Frederico I, que toma posse do trono imperial durante o fim do século XII.[152] Embora o seu reinado tenha sido estável, os seus sucessores enfrentam o mesmo clima de instabilidade ainda durante o século XIII.[153] Um dos fatores de maior instabilidade foi a constante ameaça e invasão dos Mongóis no território europeu em meados do século XIII, desde as primeiras incursões no Principado de Quieve até às invasões da Europa de Leste em 1241, 1259 e 1287.[154]
Dominada pela dinastia capetiana, a corte francesa aumenta gradualmente a sua influência sobre a nobreza, permitindo-lhe exercer maior controlo nos territórios para além da Ilha de França do que durante os séculos XI e XII.[155] No entanto, encontrariam resistência por parte dos Duques da Normandia, que em 1066 tinham já subjugado grande parte de Inglaterra e criado um império em ambas as margens do canal que duraria até ao fim da Idade Média.[156][157] Durante a dinastia Plantageneta do rei Henrique II e dos seus sucessores, o reino dominaria a totalidade de Inglaterra e grande parte de França.[158] No entanto, viria a perder a Normandia e a maior parte das possessões do Norte de França durante o reinado de João em 1204. Isto esteve na origem de divergências entre a nobreza Inglesa, ao mesmo tempo que as obrigações financeiras decorrentes da tentativa de reconquista da Normandia obrigaram o rei a assinar em 1215 a Magna Carta, um documento que limitaria o poder absoluto do rei e foi o primeiro passo de um longo processo que levaria ao parlamentarismo. Durante o reinado de Henrique III, foram feitas ainda mais concessões de poder à nobreza e diminuído o poder da corte.[159] A monarquia francesa, no entanto, continuaria a fortalecer a sua influência perante a nobreza durante o século XIII, centralizando a administração e aumentando o número de territórios que directamente controlava.[160] Além da sua expansão para Inglaterra, os Normandos chegaram a estabelecer colónias na Sicília e no sul de Itália, depois de Roberto de Altavila ter desembarcado no território em 1509 e estabelecido um ducado que mais tarde se tornaria o Reino da Sicília.[161]
Na península Ibérica, os estados cristãos confinados à região noroeste do território iniciam o processo de Reconquista dos estados islâmicos no sul.[162] Por volta de 1150, o norte cristão estava dividido em cinco reinos principais – Leão, Castela, Aragão, Navarra e Portugal.[163] O sul da península continuava dominado pelos estados islâmicos, inicialmente pelo Califado de Córdova, que no entanto se viria a fragmentar em 1031 numa série de pequenos estados voláteis denominados taifas,[162] que continuaram a combater os reinos cristãos até o Califado Almóada restabelecer o governo central no sul durante a década de 1170.[164] As forças cristãs fazem novos avanços durante o início do século XIII, culminando na captura de Sevilha em 1248.[165]
Cruzadas
Durante o século XI, a dinastia seljúcida viria a dominar grande parte do Médio Oriente, conquistando os antigos territórios persas na década de 1040, a Arménia na década de 1060, e a cidade de Jerusalém em 1070. Em 1071, o exército turco derrotou o exército bizantino durante a batalha de Manziquerta, capturando o imperador bizantino Romano IV Diógenes. Isto possibilitou aos Turcos a invasão da Ásia Menor, o que constituiu um golpe severo no Império Bizantino ao retirar-lhe grande parte da população e o seu centro económico. Embora o exército bizantino se tenha reorganizado, nunca chegaria a recuperar a Ásia Menor e só efetuaria ações defensivas. Os próprios Turcos vieram a enfrentar dificuldades na manutenção do território, perdendo o domínio de Jerusalém para o Califado Fatímida do Egito e assistindo ao despoletar de várias guerras civis no seu interior.[167]
As Cruzadas pretendiam libertar Jerusalém do domínio muçulmano. A primeira Cruzada foi promovida pelo Papa Urbano II durante o Concílio de Clermont em 1095 como resposta a um pedido de ajuda do imperador bizantinoAleixo I Comneno para conter o avanço muçulmano na região. O papa prometeu indulgências a todos os que tomassem parte, tendo sido mobilizadas milhares de pessoas na Europa, de todas as classes sociais. Jerusalém foi conquistada pelos cruzados em 1099, tendo também sido estabelecidos vários estados cruzados na região. Durante os séculos XII e XIII, houve uma série de conflitos entre estes estados e os territórios islâmicos circundantes, o que levou à convocação de novas cruzadas em seu auxílio,[168] ou para reconquistar Jerusalém, que entretanto tinha sido novamente capturada por Saladino em 1187.[169] As ordens religiosas militares, como os Templários ou os Hospitalários, são formadas durante esta época, e viriam a desempenhar um papel fundamental na consolidação e estabilização dos territórios reconquistados.[170] No ano de 1204, a Quarta Cruzada conquista a cidade de Constantinopla estabelecendo o que viria a ser o Império Latino de Constantinopla[171] e enfraquecendo consideravelmente a posição do Império Bizantino que, embora voltasse a conquistar Constantinopla em 1261, nunca chegaria a restabelecer o glória dos séculos anteriores.[172] No entanto, em 1291 todos os estados cruzados tinham já sido capturados ou forçados a deslocar-se para territórios insulares.[173]
O poder papal convocou também cruzadas para outras regiões além da Palestina, tendo sido proclamadas para a península Ibérica, sul de França e ao longo do Báltico.[168] As cruzadas na península Ibérica estão interligadas com o processo de Reconquista do território aos muçulmanos. A participação da Ordem dos Templários e da Ordem dos Hospitalários serviu como modelo para a fundação de várias ordens militares locais, a maior parte delas mais tarde integradas nas duas ordens que viriam a ser dominantes no início do século XII, a Ordem de Calatrava e de Santiago.[174] A Europa do Norte, que tinha permanecido fora da influência do mundo cristão até ao século XI, foi também palco de movimentos de conquista entre os séculos XII e XIV que viriam a ser conhecidos como Cruzadas do Norte. Este movimento deu também origem a várias ordens militares, entre elas os Irmãos Livônios da Espada e a Ordem dos Cavaleiros Teutónicos. Esta última, apesar de fundada nos estados cruzados, foi sobretudo ativa na área do Báltico a partir de 1225, mudando em 1309 a sua sede para o Castelo de Malbork na Prússia.[175]
Cultura
Ao longo do século XI, as novas obras publicadas nos campos da filosofia e da teologia começam a estimular o pensamento intelectual. É notório o debate entre realistas e nominalistas sobre o conceito da universalidade. O discurso filosófico é bastante influenciado pela redescoberta de Aristóteles e da sua ênfase no empirismo e no racionalismo. Alguns intelectuais como Pedro Abelardo e Pedro Lombardo introduzem a lógica aristotélica na teologia. A transição do século XI para o XII marca também o momento de afirmação das escolas catedrais por toda a Europa Ocidental e a transição do ensino dos espaços monásticos para as catedrais e centros urbanos.[176] As escolas catedrais viriam por sua vez a ser substituídas por universidades nas cidades de maiores dimensões.[177] A filosofia e a teologia são reunidas na escolástica, uma tentativa dos intelectuais dos séculos XII e XIII em reconciliar a teologia cristã consigo própria, que viria a dar origem a um sistema de pensamento que procurou abordar de forma sistémica a verdade e a razão.[178] A escolástica teve o seu auge em Tomás de Aquino, autor da influente Summa Theologica.[179]
É nas cortes da nobreza que surge a cultura da cavalaria e do amor cortês, expressa em língua vernacular em vez de latim, e materializada em poemas, contos, lendas e canções populares divulgadas por trovadores e escritas muitas vezes sob a forma de canções de gesta e poemas épicos, como a Canção de Rolando ou a Saga dos Nibelungos.[180] Surge também a literatura de género escrita para o público letrado fora dos meios académicos, sobretudo na forma de crónicas e de grandes narrativas com temas seculares ou religiosos. Entre as mais notáveis estão a Historia Regum Britanniae, um conjunto de lendas pseudo-históricas sobre a fundação da Grã-Bretanha, e outras obras mais rigorosas do ponto de vista histórico, como as de Guilherme de Malmesbury ou de Otão de Frisinga.[181]
Acentua-se o debate em torno das questões de direito, tanto secular como canónico. O direito secular sofreu um grande impulso depois da descoberta do Corpus Juris Civilisno século XII. Em 1100, o direito romano fazia já parte do programa da Universidade de Bolonha, e o seu ensino e disseminação viria a contribuir para o registo e padronização de códigos legais por toda a Europa Ocidental. Em 1140, surge uma obra intitulada Decreto de Graciano, da autoria de Graciano, monge advogado e professor em Bolonha, e que seria o primeiro de seis textos que estariam na base do Corpus Juris Canonici, documento que manteve força jurídica na Igreja Católica até 1918.[182]
Ciência e tecnologia
Uma das maiores influências das culturas grega e islâmica durante este período manifestou-se na substituição da numeração romana pelo sistema de numeração decimal e na introdução da álgebra, fundamentais para o avanço das ciências matemáticas. A tradução do Almagesto de Ptolomeu do grego para o latim no final do século XII foi fundamental no progresso da astronomia. Um dos maiores pólos de desenvolvimento da medicina deu-se no sul de Itália, na Escola de Salerno, influenciada pela medicina islâmica.[183]
Ao longo dos séculos XII e XIII, assiste-se na Europa e uma série de inovações na gestão dos meios de produção económica, que se reflectiram num crescimento económico muito acentuado. Entre os maiores avanços tecnológicos conta-se a invenção do moinho de vento, os primeiros relógios mecânicos, as primeiras investigações no campo da ótica com a criação de lentes rudimentares, a destilação e o uso do astrolábio.[184] A produção de vidro foi impulsionada sobretudo pela descoberta de um processo para a criação de vidro transparente durante o início do século XIII, e esteve na origem da ciência ótica, onde se destacou Roger Bacon, ao qual é atribuída a invenção dos primeiros óculos.[185][nt 7]
Uma das principais inovações agrícolas foi o desenvolvimento do sistema de rotação de culturas de três campos para as plantações,[186] o que permitiu aumentar o cultivo do solo de apenas metade em cada ano, no antigo sistema de dois campos, para dois terços com o novo sistema, aumentando significativamente a produção. O desenvolvimento do arado pesado permitiu que solos mais pesados fossem cultivados eficientemente, um avanço que foi ajudado com a disseminação do colar de cavalo e a ferradura, ambas que levaram ao uso de animais de tração no lugar do boi. Os cavalos são mais rápidos que os bois e requerem menos pasto, fatores que ajudaram a utilização do sistema rotativo de três campos.[187]
O surto construtivo de catedrais e fortificações militares foi também motor de inovações técnicas na área da construção, permitindo a edificação generalizada em pedra de edifícios civis.[188] A construção naval progrediu com a introdução do sistema de vigas e pranchas em substituição do método romano de caixa e espiga, bem como a introdução da vela latina e do leme de proa, que possibilitaram um aumento significativo da velocidade de navegação.[189]
Entre os exércitos generalizou-se o recurso à infantaria com funções especializadas. A par da ainda dominante cavalaria pesada, surgem besteiros montados, sapadores e engenheiros.[190] A besta, usada já desde a Antiguidade, volta a tornar-se de uso generalizado como resposta ao grande número de cercos durante os século X e XI.[191][nt 8] O recurso cada vez maior à besta durante os séculos XII e XIII levou ao aumento do uso de elmos, armaduras pesadas e bardas.[192] Em meados do século XIII era já conhecido o uso da pólvora, embora meramente como explosivo e não como arma. Em 1320, eram já usados canhões durante os cercos, e na década de 1360 está documentado o uso de fuzis em batalha.[193]
Arquitetura e arte
Ao longo do século X, a edificação de igrejas e mosteiros é feita sobretudo através da mimetização e aperfeiçoamento dos modelos estéticos vernaculares romanos, o que estaria na origem da designação românica. As próprias construções romanas eram muitas vezes demolidas e recicladas, aproveitando-se o material disponível e integrando-se métodos e motivos ornamentais antigos nas novas construções. A partir das primeiras experiências durante o que se convencionou designar por arte pré-românica, o estilo desenvolveu-se e propagou-se pela Europa de forma notavelmente homogénea, motivado por um surto sem precedentes a nível de construção de novos espaços religiosos.[194] Praticamente todos estes espaços foram decorados com pinturas murais,[195] embora hoje em dia sejam muitíssimo poucos os exemplos sobreviventes.[196]Entre as características mais distintivas do românico conta-se os paramentos de grande espessura, o uso do arco de volta perfeita, aberturas de pequena dimensão, e o uso de arcaria cega nas paredes.[197] Os grandes portais profusamente decorados com escultura e alto-relevos, quase sempre pintados, tornam-se um dos elementos centrais das fachadas, sobretudo em França. Os capitéis são na sua maioria decorados com motivos animalistas e figuras de bestiário.[198] Desenvolve-se também a forma característica da fortaleza Europeia, crucial para a política e guerra.[199]
A ourivesaria românica atinge um dos seus períodos áureos durante arte mosana, onde se destacam artistas como Nicolas de Verdun e obras de matriz clássica como a pia batismal da igreja de São Bartolomeu, que contrastam com as figuras distorcidas de grande parte da figuração contemporânea.[200] As iluminuras de maior riqueza artística encontram-se normalmente em bíblias e saltérios. A pintura mural no interior das igrejas está quase sempre presente, e segue na sua maioria um esquema narrativo fixo, mostrando o Juízo Final no lado ocidental e Cristo em Majestade no lado oriental, com várias narrativas bíblicas ao longo da nave ou, mais raramente, a pintura do próprio tecto como na Abadia de Saint-Savin-sur-Gartempe.[201]
A partir do início do século XII, desenvolve-se em França a arquitetura gótica, distinta sobretudo pelo recurso a abóbadas de cruzaria, arcos quebrados, arcobotantes e aberturas de maiores dimensões, preenchidas com vitrais. O gótico permaneceu uma opção estética comum até ao século XVI em grande parte da Europa, e está presente sobretudo em igrejas e catedrais de grandes dimensões, como a Catedral de Chartres ou a Catedral de Reims.[202]
Durante a Baixa Idade Média, a prática da iluminura e da cópia literária passa gradualmente dos mosteiros para oficinas especializadas, e já durante o início do século XIV a maior parte dos monges comprava livros nas livrarias.[203] Surgem também os livros de horas enquanto forma de devoção para os leigos. A ourivesaria continua a ser a mais prestigiada forma de arte, e o esmalte de Limoges uma das técnicas mais usadas em relicários e cruzes.[204] Em Itália, durante o século XIV, o pioneirismo de mestres como Giotto e Duccio contribui para uma cada vez maior sofisticação da pintura de painel e da técnica do fresco.[205] A arte secular desenvolve-se sobretudo a partir do século XII, fruto da prosperidade crescente das classes abastadas, chegando até nós imensos exemplares de entalhes de marfim, como peças de jogo, pentes e pequenas figuras religiosas.[206]
Igreja e sociedade
Ver artigo principal: Reforma gregoriana
A reforma monástica é um tema central ao longo do século XI, à medida que cresce a inquietação entre a elite da Igreja relativamente ao facto dos monges não aderirem por completo a uma forma de vida estritamente religiosa, ao poder excessivo detido por bispos locais e à diversidade de cultos existente de região para região. A Abadia de Cluny, fundada em 909, dá origem a um amplo movimento de reforma monástica, chegando a unir na sua ordem, no seu apogeu, mais de um milhar de mosteiros na Europa.[208] A ordem obtém reputação de austeridade, rigor e de independência económica e política em relação aos poderes locais, ao não permitir a interferência e participação de leigos nas suas eleições e colocando-se a si própria sobre proteção do papado.[209]
A reforma monástica de Cluny inspirou mudanças na própria hierarquia da Igreja. Os seus princípios foram adotados durante o papado do próprio Papa Leão IX, e contribuíram para a ideologia independentista que levaria à controvérsia das investiduras no fim do século XI. A controvérsia envolveu o Papa Gregório VII e o Imperador Henrique IV, inicialmente sobre nomeações episcopais, mas que se tornou numa disputa acesa sobre questões de investidura, matrimónio dentro do clero e simonia. O imperador, que via como obrigação a proteção da Igreja, pretendia escolher os próprios bispos no seu território, enquanto que o papado insistia na sua independência face ao poder secular. A questão permaneceu por resolver mesmo depois da Concordata de Worms em 1122. O conflito é um dos mais significativos episódios que esteve na base da criação de uma monarquia papal independente e equivalente às autoridades leigas.[208]
A Baixa Idade Média foi também palco para inúmeros movimentos religiosos. Para além dos cruzados e dos reformadores monásticos, a vida religiosa abriu-se a novas formas de organização. Foram fundadas novas ordens monásticas, como a Ordem dos Cartuxos ou a Cisterciense, esta última expandindo-se rapidamente sob a liderança de Bernardo de Claraval, e novas ordens militares como a Ordem dos Templários. Muitas destas ordens são fundadas como resposta ao sentimento generalizado que o monaquismo Beneditino estava já desajustado das necessidades dos leigos, sobretudo dos que pretendiam uma comunidade monástica próxima do modelo hermético e fechado paleocristão ou viver de forma apostólica.[210] A peregrinação religiosa era também encorajada. Os antigos locais de peregrinação, como Roma, Jerusalém e Santiago de Compostela, acolhiam um número cada vez maior de peregrinos, ao mesmo tempo que novos locais ganham destaque, como Monte Gargano e a Basílica de San Nicola.[211]
Durante o século XIII, o papado aprova as ordens mendicantes dos dominicanos e franciscanos, cujos membros fazem juras de pobreza e de mendicidade como única fonte de rendimento.[212] Para além das ordens reconhecidas oficialmente, surgem ao longo dos séculos XII e XIII vários outros grupos como os valdenses ou os cátaros, embora tenham sido decretados hereges pelo papa. Os cátaros chegaram mesmo a ser o alvo da Cruzada Albigense e extintos durante a inquisição medieval.[213]
Os séculos XIV e XV
Fome e peste
Ver artigo principal: Crise do século XIV
Os primeiros anos do século XIV são marcados por várias carestias, que culminariam na Grande fome de 1315-1317.[214] Para além da transição climática abrupta do período quente medieval para a pequena Idade do Gelo, as várias carestias são o resultado de uma especialização excessiva em monoculturas, que deixaram a população vulnerável às devastações causadas por condições meteorológicas desfavoráveis.[215]
No seguimento destas catástrofes, surge em 1347 a Peste Negra, uma epidemia altamente contagiosa e mortal que se disseminou por toda a Europa entre 1348 e 1350.[216] A cifra de mortes é estimada em 35 milhões de pessoas, cerca de um terço da população, e atingiu sobretudo as cidades em virtude da elevada concentração populacional. Grandes porções do território ficaram inabitadas e os terrenos abandonados. Em função da escassez de mão de obra, o preço dos salários na agricultura subiu significativamente, o que, no entanto, seria contrabalançado pela queda abrupta da procura de géneros alimentares. A luta por salários iguais por parte dos trabalhadores urbanos esteve na origem de uma série de revoltas populares por toda a Europa,[217] entre elas a Jacquerie em França, a revolta de 1381 em Inglaterra, e várias revoltas nas cidades de Florença, na atual Itália, e Gent e Bruges, ambas localizadas na atual Bélgica. O trauma infligido pela peste provocou um fervor religioso por toda a Europa, que se manifestaria na fundação de novas caridades, na culpabilização extrema dos flagelantes e na acusação dos Judeus como bodes expiatórios.[218] A peste regressaria, ainda que esporadicamente e em surtos menores, ao longo de todo o século XIV.[216]
Sociedade e economia
As deslocações e diminuição da população em consequência da peste reflectiram-se em toda a estrutura social e económica europeia. As terras pouco produtivas foram abandonadas, uma vez que os sobreviventes puderam adquirir terras mais férteis.[219] Embora a servidão tenha diminuído na Europa ocidental, tornou-se mais comum na Europa de leste à medida que os senhorios a impunham nos inquilinos anteriormente livres.[220] Muitos dos camponeses no Ocidente puderam converter o pagamento em trabalho para uma renda monetária. A percentagem de servos entre os camponeses desceu de um máximo 90 % para 50 % em finais da Idade Média.[221] Os senhorios tornaram-se também mais conscientes de interesses em comum entre si, agrupando-se de forma a exigir mais privilégios dos governos.[222] A literacia tornou-se mais comum fora do clero e a população urbana começa a demonstrar interesse pela cavalaria, à semelhança da nobreza.[223]
As comunidades judaicas foram expulsas de Inglaterra em 1290 e de França em 1306. Embora a alguns tivesse sido permitido regressar, à maioria não foi, tendo emigrado em direção a leste para a Polónia e Hungria.[224] Os judeus expulsos de Espanha em 1492 dispersaram-se pela Turquia, França, Itália, Holanda[225] e Norte de África.[226] O assinalável crescimento da banca em Itália durante os séculos XIII e XIV foi em parte motivado pela necessidade de financiamento dos constantes conflitos bélicos deste período e pela necessidade do papado em transferir dinheiro entre reinos. Muitas das instituições financeiras emprestavam dinheiro à realeza com riscos acrescidos, tendo muitas entrado em bancarrota quando os reis não saldavam as dívidas.[227]
O renascer do Estado
A Baixa Idade Média também testemunhou a ascensão por toda a Europa de Estados-nação monárquicos fortes, particularmente na Inglaterra, França e nos reinos cristãos da península Ibérica — Aragão, Castelae Portugal. Os longos conflitos do final da Idade Média vieram fortalecer o domínio real sobre o próprio território, ainda que tenham sido extremamente pesarosos com os camponeses. Os reis obtinham benefícios com os conflitos através do aumento territorial e da extensão da legislação real por todos os seus reinos.[228] O financiamento da guerra exigiu métodos de cobrança de impostos e, na maior parte das vezes, aumentos significativos na taxa de impostos.[229] A necessidade de obter o consentimento daqueles que eram taxados levou a que corpos representativos, como o Parlamento da Inglaterra ou a Assembleia dos Estados Gerais, ganhassem algum poder e autoridade.[230]
Ao longo do século XIV, a monarquia francesa procurou alargar a sua influência por todo o reino, sacrificando as possessões da nobreza.[231] Esta expansão foi alvo de resistência quando tentou confiscar as possessões da coroa inglesa no sul de França, o que levou à deflagração da Guerra dos Cem Anos,[232] que se prolongaria até 1453.[233] O próprio reino francês esteve na iminência da desagregação durante os primeiros anos do conflito devido ao esforço de guerra,[234] situação que se voltaria a repetir durante os primeiros anos do século XV e apenas invertida no fim da década de 1420, com as sucessivas vitórias militares de Joana d'Arc e a vitória final do reino francês ao capturar a última colónia inglesa no sul de França em 1453.[235] No entanto, estima-se que a população francesa no final do conflito tinha diminuído para metade. Paradoxalmente, a guerra viria a contribuir significativamente na formação da identidade nacional inglesa, proporcionando a união de várias identidades locais numa identidade cultural única e distinta da influência cultural francesa dominante até ao início da Guerra dos Cem Anos.[236] A guerra marcou também a introdução de nova tecnologia de combate, como o arco longo[237] e do canhão de combate na batalha de Crécy em 1346.[193]
Apesar de o Sacro Império Romano-Germânico continuar a existir, a natureza electiva da coroa imperial impediu a formação de qualquer dinastia estável capaz de manter um estado forte.[238] Mais a leste, os reinos da Polónia, Hungria e Boémia ganharam poder e influência.[239] Na península Ibérica, continuava o processo de reconquista dos reinos muçulmanos do sul,[240] embora Portugal se tenha concentrado ao longo do século XV na expansão ultramarina, enquanto os restantes reinos lidavam com problemas sucessórios e instabilidade social no mesmo período.[241] A Inglaterra, após a derrota na Guerra dos Cem Anos, entraria num longo período de guerra civil conhecido como Guerra das Rosas, que duraria até ao fim da década de 1490[242] e que só terminou após a vitória de Henrique VII sobre Ricardo III na batalha de Bosworth Field em 1485.[243] Os reinos escandinavos da Noruega, Dinamarca e Suécia foram brevemente unificados durante a União de Kalmar, no final do século XV e nas primeiras décadas do século XVI, mas voltariam a desagregar-se depois da morte da rainha Margarida I. As maiores potências do mar Báltico continuavam a ser as cidades-Estado da Liga Hanseática. cujas rotas comerciais se estendiam da Europa Ocidental até à Rússia.[244] A Escócia, liderada por Roberto I, viu reconhecida pelo papa a sua independência do domínio Inglês em 1328.[245]
Colapso de Bizâncio
Ver artigos principais: Dinastia paleóloga e Queda de Constantinopla
Embora os imperadores paleólogos tivessem conseguido recapturar Constantinopla em 1261, nunca conseguiram recuperar o domínio sobre as antigas terras do Império Bizantino. Controlavam apenas uma pequena parte da península Balcânica perto de Constantinopla, a própria cidade, e algumas terras costeiras no mar Negroe no mar Egeu. As antigas terras bizantinas nos Balcãs foram divididas entre o Reino da Sérvia, o Império Búlgaro e a República de Veneza. O poder imperial bizantino seria ameaçado por uma nova tribo oriunda da Ásia, os Otomanos, que tinham ocupado a Anatólia durante século XIII, expandido-se progressivamente ao longo do século XIV. Em 1366, subjugam a Bulgária à vassalagem e conquistam a Sérvia após a derrota desta na batalha do Kosovo em 1389. Os reinos ocidentais reuniram-se em auxílio dos cristãos balcânicos e declararam uma nova cruzada em 1396, enviando um numeroso exército, que viria no entanto a ser derrotado na batalha de Nicópolis.[246] Constantinopla acabaria por ser finalmente capturada pelos Otomanos em 1453.[247]
Controvérsia dentro da Igreja
Uma das mais significativas manifestações da instabilidade do século XIV foi o Papado de Avinhão, de 1305 a 1378,[248] e o Grande Cisma do Ocidente que se lhe seguiu, entre 1378 e 1418, momento em que coexistiram dois, e depois três, papas rivais, cada um apoiado por estados diferentes.[249] No início do século XV, depois de um século de instabilidade, os oficiais eclesiásticos reuniram-se no Concílio de Constança em 1414, depondo no ano seguinte um dos papas rivais, deixando apenas dois pretendentes. Seguiram-se várias deposições até que, em novembro de 1417, o concílio elege Martinho V (1417–1431).[250]
Além do cisma, a igreja ocidental estava divida por controvérsias teológicas, algumas das quais viriam a ser consideradas heresias. John Wyclif (m. 1384), um teólogo inglês, foi condenado por heresia em 1415 por defender o acesso dos laicos ao texto da Bíblia e por assumir posições sobre a Eucaristia contrárias à doutrina da igreja.[251] Os ensinamentos de Wyclif influenciaram os dois maiores movimentos hereges da Idade Média – o Lollardismo na Inglaterra e os Hussitas na Boémia.[252] Os boémios foram também influenciados por Jan Hus, sentenciado à fogueira em 1415 depois de ter sido condenado como herege pelo Concílio de Constança. A Igreja hussita, embora sujeita a uma cruzada contra si, sobreviveria até ao fim da Idade Média.[253] Entre outras heresias criadas estão também as acusações contra a Ordem dos Templários, que estiveram na origem da sua supressão em 1312 e da divisão do seu vasto espólio entre Filipe IV de França e os Hospitalários.[254]
O papado refinou o conceito de transubstanciação durante o fim da Idade Média, afirmando que apenas o clero regular podia partilhar o vinho da Eucaristia. Isto viria a distanciar ainda mais o clero secular do clero regular. Os leigos mantiveram as práticas de peregrinação, veneração de relíquias e a crença no poder do Diabo. Místicos como Mestre Eckhart (m. 1327) ou Thomas à Kempis (m. 1471) foram autores de obras que ensinavam aos leigos a focarem-se na sua própria espiritualidade, uma interpretação que viria a contribuir para a Reforma Protestante. A crença em bruxaria generalizou-se de tal forma que, no fim do século XV, a igreja cedeu à pressão do medo e da paranoia populista, iniciando em 1484 uma série de julgamentos pela prática de bruxaria, sendo também publicado em 1486 o Malleus Maleficarum, o mais popular manual de caçadores de bruxas.[255]
Académicos, intelectuais e descobrimentos
John Duns Scotus (n. 1308)[nt 9] e Guilherme de Ockham (n. circa 1348),[178] lideraram uma das mais notáveis reações contra a escolástica medieval, rejeitando a aplicação da razão na fé. Os seus esforços, aliados aos de vários outros autores, levariam à renúncia do ideal platónico do "universal". A persistência de Ockham em que a razão opera de forma independente da fé permitiu à ciência separar-se em definitivo da teologia e filosofia.[256] O Direito pautou-se pelo avanço sólido do direito romano em áreas de jurisprudência anteriormente governadas pelo direito consuetudinário. A única exceção foi a Inglaterra onde prevaleceu o direito comum. Vários países fizeram um esforço no sentido de codificar as leis, tendo sido promulgados códigos jurídicos em estados tão diversos como Castela, Polónia e Lituânia.[257]
A educação permanecia ainda direccionada ao futuro clero. A aprendizagem básica de letras e aritmética podia ser feita na própria província da família ou através do clero local, mas os assuntos secundários do trivium — gramática, retórica e lógica — eram estudados nas escolas catedrais presentes nas grandes cidades. Difundiram-se também as escolas comerciais, chegando algumas cidades de Itália a ter mais do que um destes empreendimentos. Durante os séculos XIV e XV apareceram também uma série de novas universidades por toda a Europa. Surgem grandes autores da literatura vernacular, como Dante, Petrarca e Giovanni Boccaccio na Itália do quattrocento, Geoffrey Chaucer e William Langland em Inglaterra e Cristina de Pisano na França. A literatura continuou a ser sobretudo de natureza religiosa, mas embora muitas destas obras continuassem a ser escritas em latim, aumentou a procura de textos que se debruçassem sobre santos e outros temas religiosos em línguas vernaculares. No teatro, surge o género de peças miraculosas patrocinadas pela Igreja.[257] A invenção da prensa móvel por volta de 1450, trouxe consigo a democratização e facilidade na impressão de livros, e deu origem a inúmeras editoras em toda a Europa.[258] A percentagem de alfabetizados cresceu, embora continuasse baixa; as estimativas apontam para que por volta de 1500 a taxa de literacia fosse de apenas 10 % entre os Homens e 1 % entre as mulheres.[259]
Durante o início do século XV, os reinos da península Ibérica começaram a financiar explorações além das fronteiras da Europa. O Infante D. Henrique de Portugal (m.1460) foi o impulsionador de expedições que viriam a descobrir as Ilhas Canárias, Açores e Cabo Verde ainda durante a sua vida. Em 1486, Bartolomeu Dias (m.1500) navegou ao longo da costa ocidental africana até ao cabo da Boa Esperança, ponto de difícil passagem que seria superado em 1498 por Vasco da Gama (m.1524), abrindo assim a rota marítima para a Índia.[260] Os reinos de Aragão e Castela financiaram a viagem expedicionária de Cristóvão Colombo (m. 1506) que em 1492 viria a descobrir a América.[261] A coroa inglesa, na figura do rei Henrique VII (r. 1485–1509) financiou a viagem de Giovanni Caboto (m. 1498), que em 1497 chegaria à ilha de Cape Breton.[262]
Progressos tecnológicos
O uso crescente de ovelhas com lã de fibras longas permitiu a obtenção de fio com maior resistência. As rocas de fiar tradicionais foram progressivamente substituídas por rodas de fiar, triplicando a sua capacidade produtiva.[263][nt 10] Um dos avanços técnicos com maior impacto na vida quotidiana foi a introdução de botões para fechar as peças de roupa, permitindo a criação de peças com corte adequado sem a necessidade de as atar.[265]
Os moinhos de vento foram melhorados com a implementação de torres giratórias em função da direção do vento.[266] O alto-forno aparece na Suécia por volta da década de 1350, melhorando a qualidade do ferro e aumentando a capacidade de produção.[267] A primeira lei de patentes, criada em Veneza no ano de 1447, passou a proteger os direitos dos inventores.[268]
Arquitetura e arte no século XV
A arte do fim do período medieval na generalidade da Europa contrasta com a arte italiana do mesmo período. Enquanto que em Itália o contexto artístico mostrava já sinais de que se preparava o Renascimento, no norte da Europa e na península Ibérica manteve-se o gosto e a preferência pela estética gótica praticamente até o fim do século XV, culminando na exuberância e complexidade características do gótico internacional.[269] A encomenda de arte secular aumentou significativamente em quantidade e qualidade, muito impulsionada pelo patronato das classes mercadoras da Itália e Flandres, fazendo encomendas de retratos de si próprios em óleo e comprando imensa joalharia, cofres, arcas e majólica. Entre os objetos muito apreciados e encomendados encontrava-se também a cerâmica mourisca produzida pelos ceramistas mudéjares em Espanha. Embora entre a realeza prevalecesse o gosto por peças de prata, são poucos os exemplares que sobreviveram até aos nossos dias, como a Taça de Santa Inês.[270] O desenvolvimento da manufatura de seda em Itália veio tornar a Europa menos dependente das importações de Bizâncio ou do mundo islâmico. Na França e na Flandres, os conjuntos de tapeçaria como a A Dama e o Unicórniotornar-se-iam num dos mais cobiçados objetos de luxo.[271]
As complexas gramáticas decorativas do alto gótico, até aí visíveis sobretudo no exterior dos templos, são progressivamente adaptadas a vários elementos do interior, sobretudo em túmulos e púlpitos, como o Púlpito de Santa Andreia em Pistoia. Os retábulos pintados ou de madeira entalhada tornam-se comuns, sobretudo à medida que se começa a criar capelas laterais nas igrejas. A própria pintura flamenga dos séculos XV e XVI, através de artistas como Jan van Eyck (m. 1441) ou Rogier van der Weyden (m. 1464), rivaliza em qualidade com o próprio quattrocento italiano. Os manuscritos iluminados e os livros de temática secular, sobretudo contos, começam a ser coleccionados em larga escala pela elite no século XV. A partir de 1450 e ainda que caros, os livros impressos tornam-se extraordinariamente populares, havendo já cerca de 30 000 incunábulos impressos no ano 1500.[272]A impressão tornou também obsoleta a iluminura, fazendo destas obras, no século XVI, um objeto com valor meramente artístico e encomendado apenas pela elite. Embora as pequenas xilogravuras, quase sempre de temas religiosos, fossem acessíveis até a camponeses, as gravuras eram mais caras e destinadas a um mercado mais abastado.[273]
Imagem moderna
Ver artigo principal: Idade das Trevas
O período medieval é frequentemente caricaturado enquanto "tempo de ignorância e superstição", que "sobrepunha sempre os mandamentos religiosos em relação à experiência pessoal e racionalismo."[274] Esta noção é um legado da Renascença e do Iluminismo, períodos em que os intelectuais estabeleciam sempre a comparação da sua cultura com a cultura medieval de forma preconceituosa. Os intelectuais renascentistas viam a civilização clássica como uma época de imensa cultura e civilização, e a Idade Média como um progressivo declínio dessa cultura. Por seu lado, os iluministas encaravam a razão como sendo sempre superior à fé e, por conseguinte, a Idade Média como um tempo de ignorância e superstição.[12]
Uma corrente de pensamento defende, no entanto, que a razão e a lógica era normalmente tida em conta durante a Idade Média. O historiador da ciência Edward Grant, escreveu que "o facto de o raciocínio lógico ter sido expresso [no século XVIII][nt 11], só pode ter sido possível devido à longa tradição medieval que definiu o uso da razão como a mais importante das atividades humanas".[275] Também, ao contrário do que é comum acreditar-se, David Lindberg escreve que "o intelectual medieval raramente era pressionado pela força coercitiva da igreja e muito provavelmente considerava-se livre (sobretudo na ciência natural) para seguir a razão e observação até onde quer que isso os conduzisse".[nt 12]
A caricatura do período reflete-se também em várias crenças populares. Por exemplo, uma das especulações que começou a ser difundida durante o século XIX e que ainda é muito comum na cultura popular, é a suposição, errada, de que todas as pessoas na Idade Média acreditavam no mito da Terra plana.[276] Na verdade, o próprio corpo das universidades medievais propunha evidências que demonstravam que a Terra seria esférica,[277] Lindberg e Numbers afirmam mesmo que seria muito rara a existência de qualquer académico cristão medieval que não tivesse conhecimento da esfericidade da Terra ou que não soubesse até a sua circunferência aproximada.[278] Entre outros equívocos comuns sobre o período medieval está a noção de que "a Igreja proibia as autópsias e a dissecação" ou que "o avanço do Cristianismo impediu o progresso da ciência", mitos populares que ainda são vistos como verdades históricas apesar de não serem apoiados pela historiografia contemporânea.[279]
Notas
- Este artigo foi inicialmente traduzido do artigo da Wikipédia em inglês, cujo título é «Middle Ages», especificamente desta versão.
- ↑ Ver as obras Making of Polities Europe 1300-1500 de Watts ; ou Economic History of Later Medieval Europe 1000–1500 de Epstein; ou ainda a data usada em Holmes (ed.) The Oxford History of Medieval Europe.
- ↑ Ver Saul, Companion to Medieval England 1066–1485.
- ↑ Por vezes é proposta a data de 480, sendo esse o ano da morte do seu antecessor Júlio Nepos, que se continuou a declarar como imperador a partir da Dalmácia.[11]
- ↑ O túmulo de Childerico I foi descoberto em 1653 e é notável pelas suas peças fúnebres, nas quais se incluem um grande número de armas e uma imensa quantidade de ouro.[43]
- ↑ Os Estados Papais perduraram até 1870, data em que foram absorvidos pelo Reino de Itália[77]
- ↑ A minúscula carolíngia foi criada a partir da escrita uncial da Antiguidade, um método caligráfico de escrever o alfabeto latino, com caracteres mais pequenos e arredondados do que as formas clássicas.[81]
- ↑ Uma das mais antigas imagens onde podem ser vistos óculos encontra-se num vitral da Catedral de Estrasburgo, onde se pode observar o imperador Henrique VII com seus óculos.[185]
- ↑ As bestas são lentas a recarregar, o que limita o seu uso em batalhas de campo aberto. Em cercos, esta fator não é uma desvantagem significativa já que os besteiros se podem esconder ao recarregar a arma.
- ↑ A palavra "dunce" na língua inglesa, significando "burro" ou "ignorante" em língua portuguesa, deriva do nome Duns Scotus.[256]
- ↑ Esta roda de fiar continuava a ser simples, uma vez que não incorporava ainda uma roda a pedal para torcer e repuxar o fio. Esta característica só viria a ser inventada no século XV.[264]
- ↑ No original a expresão usada é: "expressed in the Age of Reason".
- ↑ Citado em Peters "Science and Religion" Encyclopedia of Religion
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Ligações externas
- The Online Reference Book of Medieval Studies (em inglês). Artigos académicos com revisão de pares
- The Labyrinth (em inglês). Recursos para medievalistas
- NetSERF (em inglês). Aliança para recursos medievais
- De Re Militari: Sociedade para a História Medieval Militar (em inglês)
- Medievalmap.org (em inglês). Mapas interativos da Idade Média (necessita do plug-in Flash)
- Medieval Realms (em inglês). Recursos da British Library, incluindo estudos sobre iluminuras medievais
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