quarta-feira, 28 de junho de 2017

LEI 12550 TERCEIRA PARTE

a contento atender às demandas da população. Isto sem falar na possível instituicionalização da chamada "dupla porta" SUS/Operadoras de Planos de Saúde, conforme ocorre atualmente no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, instituição esta que, ressalte-se, serviu de modelo para a idealização e criação da EBSERH. Por fim, neste aspecto da utilização de pessoa jurídica de direito privado, ainda que pertencente à Administração Pública indireta, deve-se ressaltar que a Lei nº 12.550/11 afronta o artigo 37, inciso XIX, da CRFB, o qual prevê que "somente por lei específica poderá ser (...) autorizada a instituição de empresa (...), cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação", já que que não há lei complementar que defina as áreas de atuação das empresas públicas, quando destinadas à prestação de serviços públicos. Outro aspecto a ser observado é que uma das tônicas principais do tratamento constitucional dado à saúde consiste no papel fundamental assinalado pelo constituinte à comunidade, consoante artigo 198, inciso III, CRFB/88. O objetivo precípuo foi envolver o cidadão na formulação e no controle das políticas públicas na área da saúde, democratizando a gestão administrativa e fomentando o interesse da população sobre o assunto, até porque, como dito antes, o SUS decorreu de forte mobilização social, notadamente a partir da realização da 8ª Conferência Nacional de Saúde, que restou conhecida como Reforma Sanitária Brasileira. Esta participação da sociedade civil no processo de planejamento e orçamento do SUS se efetiva pela deliberação de órgãos colegiados, em cada nível de governo. A Lei n° 8.142/90 estabelece que as instâncias colegiadas do SUS são a Conferência de Saúde e o Conselho de Saúde, sendo que este último, é órgão, de caráter pemanente e deliberativo, composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, que "atua na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera do governo” (artigo 1º, incisos I e II e parágrafo 2º, da Lei nº 8.142/90). O Conselho de Saúde não possui, assim, um papel meramente opinativo nas decisões concernentes às políticas públicas de saúde. As decisões desse órgão vinculam o Poder Público e devem por ele ser observadas. Neste ponto, cumpre salientar que, no contexto da participação da comunidade em saúde pública (Art. 198, inciso III, da CRFB), o Conselho Nacional de Saúde, no Relatório Final, que foi resultado da 14ª Conferência Nacional de Saúde, realizada no período de 30 de novembro a 04 de dezembro de 2011, rejeitou todas as formas de privatização da saúde pública, inclusive a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, conforme diretriz 51 , item 6, do seu relatório final 1 “(...)DIRETRIZ 5: GESTÃO PÚLICA PARA A SAÚDE PÚBLICA 1 – Garantir que a gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) em todas as esferas de gestão e em todos os serviços, seja 100% pública e estatal, e submetida ao Controle Social. 2 – Rejeitar a cessão da gestão de serviços públicos de saúde para as Organizações Sociais (OSs), e solicitar ao Supremo Tribunal Federal que julgue procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) nº 1.923/98, de forma a considerar inconstitucional a Lei Federal nº 9.637/98, que estabelece esta forma de terceirização da gestão. 3 – Rejeitar a cessão da gestão de serviços públicos de saúde para as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs). 4 (www.conselho.saude.gov.br/14cns/docs/Relatorio_final.pdf, página 36). Dessa forma, a Lei nº 12.550/2011, ao permitir a terceirização da prestação do serviço de público de saúde nos hospitais universitários federais à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), entidade com personalidade jurídica de direito privado, através de contratos celebrados entre a referida empresa pública e os hospitais universitários federais, exclui, deliberadamente, a imprescindível participação da comunidade na formulação e controle das políticas e ações de saúde em afronta aos dispositivos constitucional e legais acima destacados, uma vez que se coloca no sentido contrário às deliberações aprovadas na 14ª Conferência Nacional de Saúde. Da mesma forma, a educação, na ordem constitucional instaurada pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, também é concebida como direito social titulado por todos e sob o dever do Estado e da família, a ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (artigo 205, CRFB/88). Dentre os princípios constitucionais que regem o ensino, chama-se a atenção para o da "liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber", o da "gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais", o da "valorização dos profissionais do ensino (...)", o da "gestão democrática do ensino público, na forma da lei", o da "garantia do padrão de qualidade" (artigo 206, incisos II, IV, V, VI e VII, CRFB/88) e, ainda, no âmbito do ensino superior, o da "autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial" e o da "indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão" (art. 207, caput, CRFB/88). A participação da iniciativa privada na educação, assim como na saúde, também não foi vedada, já que o artigo 209, caput, CRFB/88, assim prevê expressamente, desde que atendam às normas gerais da educação nacional e sejam autorizadas e avaliadas qualitativamente pelo Poder Público. Contudo, a previsão da participação da iniciativa privada não permite que o Estado transfira a uma instituição privada toda a administração e execução das atividades de ensino prestadas em um estabelcimento de ensino público. Nestas hipóteses em que o Estado não presta ele próprio o serviço público de ensino, sua atividade limita-se a fomentar, incentivar a atividade de interesse público realizada pelo particular, por iniciativa deste. Enquanto que, quando, ao garantir o direito à educação, o próprio Estado presta o serviço de ensino, exerce uma atividade estatal que não se equipara a exploração de atividade econômica, em concorrência com a iniciativa privada e com o intuito de lucro, que permita a utilização das entidades que compõem a Administração Pública indireta, como é o caso das empresas públicas e sociedades de economia mista, previstas no art. 173, CRFB/88. Assim sendo, tudo o que foi dito acima com relação à saúde, aplica-se, mutatis mutandis, à educação, entre outros serviços que o Estado presta, que possuem este caráter social e 4 – Rejeitar a proposição das Fundações Estatais de Direito Privado (FEDP), contida no Projeto de Lei nº 92/2007, e as experiências estaduais/municipais que já utilizam esse modelo de gestão, entendido como uma forma velada de privatização/terceirização do SUS. 5 – Repudiar quaisquer iniciativas, em qualquer esfera de gestão, de gerar “dupla-porta” – acesso diferenciado para usuários com e sem planos de saúde privados – ao Sistema Único de Saúde. 6 – Rejeitar a criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), impedindo a terceirização dos hospitais universitários e de ensino federais.” (Diretrizes Aprovadas na 14ª Conferência Nacional de Saúde. Disponível em: . Acesso em 13/12/2012, p. 36) 5 cuja prestação se dá de forma gratuita. Além disso, por certo, a Lei nº 12.550/11 fere os princípios da autonomia universitária e da indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão, quando cria a EBSERH e/ou permite a criação de subsidiárias, pessoas jurídicas de direito privado, externas às universidades e vinculadas ao Ministério da Educação, para desempenhar os serviços de apoio ao ensino, à pesquisa e à extensão, ao ensino-aprendizagem e à formação de pessoas no campo da saúde pública e os serviços gratuitos de assistência médico-hospitalar, ambulatorial e de apoio diagnóstico e terapêutico à comunidade. A mera previsão da preservação da autonomia universitária, contida na parte final, do caput, do art. 3º, da Lei nº 12.550/11, não é suficente quando se retira das universidades os meios, instrumentos indispensáveis para garanti-la, como faz a lei em comento. A autonomia universitária deve ser entendida como autonomia administrativa, de gestão financeira e patrimonial e didático-científica, para que tanto os profissionais de educação, como os próprios estudantes, possam exercer as funções de ensino, pesquisa e extensão sem qualquer embaraço, tendo garantidas, ao final, a livre manifestação do pensamento e a livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunição, independente de censura ou licença (artigos 5ª, incisos IV e IX, e 206, inciso II, CRFB/88). A autonomia administrativa, de gestão financeira e patrimonial será comprometida quando parte da universidade, no caso: o hospital universitário - com todos os seus recursos financeiros e humanos - é transferido para outra pessoa jurídica de direito privado distinta e independente da universidade, que ainda possui finalidade lucrativa, o que compromete não apenas sua independência em relação ao Estado, como também em relação às exigências e às demandas do mercado. Da mesma forma, a autonomia didático-cinetífica está comprometida quando parte da universidade, no caso: o hospital universitário - com todos os seus recursos financeiros e humanos e como instrumento indispensável tanto para o ensino na graduação, como para a extensão e pesquisa -, é entregue a pessoa jurídica de direito privado distinta da universidade. É notório que a formação de profissionais de saúde com competência para entrar no mercado de trabalho, bem como a realização de pesquisas dependem do desempenho de atividades e experiências adquiridas dentro do próprio hospital-escola que presta assistência à saúde à comunidade, razão pela qual a universidade, ao transferir para a EBSERH ou qualquer de suas subsidiárias, os serviços prestados dentro dos hospitais universitários abdica de parte do controle sobre o ensino, a extensão e a pesquisa e, assim, da sua autonomia didático-científica. Outros pontos de confronto da Lei nº 12.550/2011 com a Constituição da República são os artigos 10, 11 e 12 da Lei nº 12.550/2011, que estabelecem que o regime de pessoal da EBSERH será o da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, o que vai de encontro ao regime instituído pelo artigo 37 da CRFB, ao qual a EBSERH, por prestar serviço público, está submetida. Ademais, o art. 13 da Lei nº 12.550/11 dá espaço para a contratação de profissionais por prazo indeterminado, sem a realização do prévio concurso público de provas ou provas e títulos, exigido pelo inciso II, do art. 37, da CRFB/88, tendo em vista o disposto nos artigos 445 c/c 451, ambos da CLT. 

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