SONEGAÇÃO FISCAL
1. INTRODUÇÃO
2. COMENTÁRIOS GERAIS
A obrigação tributária possui nuances específicas ante o seu descumprimento. A ação (ou omissão) constitui a chamada infração tributária, podendo a Administração Fazendária utilizar diversos instrumentos jurídicos (como a execução forçada do inadimplemento da obrigação) para realizar seu cumprimento. Mas não se limita a isto, conforme explicita CAPEZ (2012, p. 671):
A Lei também dispõe sobre os chamados remédios sancionadores, os quais poderão servir de meio punitivo do descumprimentoda obrigação. Com efeito, conforme assinala Luciano Amaro, “no direito tributário, a infração pode acarretar diferentes consequências. Seela implica falta de pagamento do tributo, o sujeito ativo (credor) geralmentetem, a par do direito de exigir coercitivamente o pagamento do valor devido, o direito de impor uma sanção (que há de ser prevista em lei, por forçado princípio da legalidade), geralmente traduzida num valor monetário proporcionalao montante do tributo que deixou de ser recolhido. Se se trata demero descumprimento de obrigação formal (‘obrigação acessória’, na linguagemdo CTN), a consequência é, em geral, a aplicação de uma sanção aoinfrator (também em regra configurada por uma prestação em pecúnia). Trata-se das multas ou penalidades pecuniárias, encontradiças não apenasno direito tributário, mas no direito administrativo em geral, e também nodireito privado. Em certas hipóteses, a infração pode ensejar punição deordem mais severa, quais sejam, as chamadas penas criminais”.
As “penas criminais” que se refere o autor possuem uma natureza subsidiária, pois o direito penal, só elege a categoria de crime aqueles atos de outros ramos do direito, cuja defesa não esteja bem tutelada por estes. Novamente, CAPEZ é preciso em sintetizar o espírito sancionador do legislador. Quando coloca que algumas práticas de fraude ao fisco são tão danosas e arraigadas na realidade brasileira que o legislador se viu “obrigado a erigi-las à condição de crime, a fim de reforçar os mecanismos jurídicos de repressão a tais práticas atentatórias ao regular”.
Destarte, a elevação de fraudes contra a ordem tributária à condição de crimes se dá por duas razões primordiais. A primeira, pois comumente a prática dessas ações perpassa por atos que, por si, constituem crime, como a falsidade material, ideológica ou o uso de documento falso, o que denota a maior gravidade das condutas. E a segunda, pois esta prática é extremamente danosa a manutenção do Estado e, consequentemente, da sociedade como um todo.
Aferir este dano não é tarefa que exige muita imaginação, pois a falta de arrecadação de tributos ou o pagamento fraudulento destes gera um déficit de receita para o orçamento público precarizando serviços essenciais indisponíveis (como saúde, educação, segurança) e atingindo um número indeterminado de indivíduos. Obviamente, não se pode fazer esse entendimento, sem também realizar uma mea culpa ao Estado.
Obviamente que há argumentos de toda ordem para o não pagamento da obrigação tributária, tais como a cobrança excessiva de tributos pelo Estado brasileiro e a escandalosa corrupção na máquina estatal, a qual faz com que os valores arrecadados sejam desviados para as mãos dos criminosos de colarinho branco, desvirtuando-se de sua finalidade, qual seja, o emprego em benefício da coletividade. (CAPEZ, 2012, p. 673).
Entretanto, esses argumentos não possuem fundamento do ponto de vista jurídico, pois o ordenamento jurídico-tributário não pode ser violado em benefício de determinados indivíduos (ou grupo destes) em contrapartida da lesão à coletividade. Desta feita, violar o fisco, incorre em responsabilização do contribuinte que pratica o chamado “fato gerador”.
A sanção criminal, no caso, tem finalidade preventiva, no sentido de desestimular, pela gravidade da pena, todos os contribuintes que eventualmente cogitem em defraudar o fisco, bem como repressiva, no sentido de impor um gravame maior àquele que burle as leis fiscais. (CAPEZ, 2012, p. 673)
2.1 Evasão fiscal versus Elisão fiscal
A doutrina costuma diferenciar essas duas condutas típicas. A evasão fiscal se trata da verdadeira fraude fiscal com o fim de suprimir ou reduzir tributo. Há a intenção (dolo) de lesar o fisco e, por conseguinte, crime contra a ordem tributária. Exemplos: omissão na escrita de lançamentosobrigatórios, a duplicidade de escritas fiscais e contábeis, a criação defirmas destinadas ao fornecimento de notas fiscais “frias”, a falsificaçãode guias de recolhimento, o desvio de mercadoria de fábricas, que saem doestabelecimento produtor sem o documento fiscal a acompanhá-las, as simulaçõesde operações financeiras, como, por exemplo, empréstimos, paracaracterizar o lucro que gera a obrigação do pagamento de imposto sobrea renda.
A elisão fiscal, na contramão, o agente, antes da ocorrência dofato gerador, realiza atividades lícitas que se destinam ao não pagamentodo tributo ou à redução de sua carga tributária, por exemplo, quando seevita a incidência de um tributo dentro de determinado território. No caso, ele evita a detecção do “fato gerador” que tipificaria a cobrança por parte do fisco.
Desta feita, é preciso compreender que a Lei n. 8.137/90, em seus arts. 1º e 2º, eleva a categoria de crime as duas condutas acima listada (Evasão e Elisão fiscal) contra tributos, ou contribuições sociais e qualquer acessórios. O conceito de tributo e contribuição social encontra-se fora da legislação penal, constituindo então uma espécie de norma penal em branco, estando contidos no Código Tributário Nacional (CTN).
2.2 Responsabilidade penal das pessoas jurídicas
Este tema, segundo o CAPEZ, gera bastante controvérsia. Sobretudo, porque o direito no Brasil tem matriz romano-germânica. Destarte, conforme o princípio societas delinquere non potest, é inadmissível a punibilidade penal dos entes coletivos, somente sendo possível a punibilidade administrativa ou civil.
O doutrinador, entretanto, é certeiro em sua argumentação:
O princípio societas delinquere non potest não é absoluto. De fato, há crimes que só podem ser praticados por pessoas físicas, como o latrocínio, a extorsão mediante sequestro, o homicídio, o estupro, o furto etc. Existem outros, porém, que são cometidos quase sempre por meio de um ente coletivo, o qual, desse modo, acaba autuando como um escudo protetor da impunidade. São as fraudes e agressões cometidas contra o sistema financeiro e o meio ambiente. (CAPEZ, 2012, p. 675)
A área ambiental já apresenta esforços bem mais contundentes na responsabilização penal de pessoas jurídicas. A Lei n. 8137/90, por sua vez, dispõe em seu Art. 11: “Quem, de qualquer modo, inclusive por meio de pessoa jurídica, concorre para os crimes definidos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade”. Assim, somente a pessoa física, ou o diretor, gerente ou administrador, na hipótese de pessoa jurídica, poderão ser responsabilizados por um dos crimes contra a ordem tributária. Convém notar que isso não impede que a pessoa jurídica seja responsabilizada administrativamente por infração tributária, sendo plenamente possível, no caso, a aplicação de multa ou a interdição de direitos.
A discussão da responsabilidade penal objetiva, por conseguinte, segue a linha da discussão iniciada no parágrafo anterior. Somente estar como membro de uma sociedade empresarial, não significa que recai sobre esta a culpa da prática de crimes contra o fisco. A culpa de cada um dos membros da pessoa jurídica deve ser comprovada, para que então a responsabilidade penal recaía.
O princípio da bagatela também é abordado nesta lei. Como é sabido, o direito penal não lida com insignificâncias. Os bens tutelados por ele são de extrema importância (como a vida, a integridade física, saúde, dentre outros). Por este motivo, dispõe o art. 20 da referida Lei: “Serão arquivados, sem baixa na distribuição, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais)”. Dessa forma, toda vez que o débito tributário não ultrapassar o valor acima citado, incidirá o princípio da insignificância, o qual torna o fato penalmente atípico.
2.3 Traição Benéfica
No direito brasileiro a traição benéfica, comumente chamada de delação premiada, foi inicialmente disciplinada pela Lei n. 8072/90, que dispõe sobre os crimes hediondos prevendo em seu artigo 8º, parágrafo único, que “o participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando o seu desmantelamento, terá pena reduzida de um a dois terços”.
Posteriormente, a Lei n. 8137/90, que define crimes contra a ordem tributária, econômica e relações de consumo, igualmente dispôs tratamento à matéria, previsto em seu artigo 16, parágrafo único, que em relação aos crimes “cometidos em quadrilha ou coautoria, o coautor ou partícipe que através da confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços”.
A lei não exigiu eficácia na delação, não sendo lícito ao intérprete acrescentar tal requisito. Tem natureza jurídica de diminuição de pena, e de acordo com a contribuição para o revelamento da trama, a pena será diminuída de 1/3 a 2/3.
São pressupostos da traição benéfica: prática de um dos crimes contra a ordem tributária; ser cometido em quadrilha; coautoria ou participação; confissão espontânea de um dos integrantes da quadrilha, ou um dos coautores ou partícipes do crime; revelação de toda a trama à autoridade policial ou judiciária.
A traição benéfica só se aplica: aos crimes contra a ordem tributária praticados em quadrilha, isto é, a associação estável de mais de 3 pessoas para a prática de crimes previstos na Lei n. 8.137/90; aos crimes contra a ordem tributária praticados mediante concurso de pessoas (coautoria ou participação), ainda que a associação seja ocasional.
A confissão deve ser realizada espontaneamente por um dos integrantes da quadrilha ou um dos coautores ou partícipes do crime, e deve revelar à autoridade policial ou judiciária toda a fraude empregada para iludir o fisco.
2.4 Acordo de Leniência
O Programa de Leniência da Secretaria de Desenvolvimento Econômico no Brasil é uma das inovações na área do direito da livre concorrência, foi criado pela Lei n. 10.149, de 21 de dezembro de 2000, que alterou a Lei n. 8.884, de 11 de junho de 1994, que dispõe sobre a repressão às infrações contra a ordem econômica.
Consiste na possibilidade de acordo entre a Secretaria, em nome da união, e a pessoa jurídica e/ou física envolvida na infração a ordem economia que confessar o ilícito, e então apresente provas suficientes para a condenação dos envolvidos na suposta infração. Em contrapartida, o agente tem os seguintes benefícios: extinção da ação punitiva da administração pública, ou redução de 1/3 a 2/3 da penalidade.
Trata-se de espécie de delação premiada e se aplica aos crimes previstos nos arts. 4º, 5º e 6º da Lei n. 8.137/90. “Significa que à colaboração do autor de infrações à ordem econômica, sejam administrativas ou penais, corresponde um tratamento suave, brando, da autoridade administrativa ou judicial.”
No Brasil, a ineficácia dos instrumentos de combate aos atos de concentração de mercado, fez com que as autoridades antitrustes vissem, nesse instituto, um caminho para a ampliação dos seus poderes de investigação, através do incentivo aos agentes econômicos para que forneçam provas que ajudem a condenar todos os demais membros dos cartéis e acabar com os efeitos nocivos sobre a economia popular.
Há duas espécies desse acordo:
Esse acordo consiste na colaboração efetiva do autor do crime econômico com as investigações e o processo administrativo, resultando na identificação dos demais coautores da infração e na obtenção de informações e documentos que comprovem a infração.
Ao celebrar o acordo, fica suspenso o oferecimento da denúncia, bem como a prescrição da pretensão punitiva, até que o ajuste seja integralmente cumprido, após o que haverá extinção da punibilidade.
2.5 Extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo e parcelamento do débito tributário
A Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, definiu os crimes contra a ordem tributária. O seu artigo 14 diz:
“Art. 14 – Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos nos arts. 1º e 3º quando o agente promover o pagamento de tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia”.
Contudo, o referido artigo veio a ser revogado pela Lei nº 8.383, de 30.12.1991, gerando muitas dúvidas e correntes quanto a sua aplicação, havendo questionamento de quando e em que hipóteses haveria a possibilidade da extinção da punibilidade.
Depois o supra artigo passou a vigorar novamente, com base no artigo 34, da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995 ao afirmar:
"Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia".
Assim, pagando o agente o débito tributário antes do recebimento da denuncia, extinta estaria à pretensão punitiva. Mais adiante, vieram as leis números 9.964, de 10 de abril de 2000, que instituiu o Refis I, e 10.684, de 30-5-2003, que instituiu o Refis II. E finalmente a Lei nº 9.249/95 pacificou o entendimento de que bastando o simples parcelamento da dívida, equivaler-se-ia ao pagamento, acarretando a extinção da punibilidade. Assim, possível é a extinção da punibilidade pelo pagamento integral ou simples parcelamento do débito tributário antes do recebimento da denúncia.
O pagamento do tributo pode ser feito a qualquer tempo, independentemente de ser efetuado antes ou após o recebimento da denúncia, antes ou após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Não havendo qualquer limite temporal, de forma que o pagamento integral, à vista ou parcelado, realizado inclusive em grau recursal extingue a punibilidade do agente.
No tocante ao parcelamento e pagamento do débito tributário e seus efeitos na esfera penal, a Lei n. 12.382, de 25 de fevereiro de 2011, acabou por propiciar contornos mais rígidos à matéria. A partir de agora, somente se admitirá a extinção da punibilidade se o pedido de parcelamento de créditos oriundos de tributos e seus acessórios forem formalizados anteriormente ao recebimento da denúncia criminal (cf. Nova redação determinada ao art. 83, § 2º, da Lei n. 9.430/94).
2.6 Causas Especiais de Aumento de Pena
No caso dos crimes previstos nos arts. 1º e 2º, a pena será aumentada de 1/3 até metade quando a conduta:
a) ocasionar grave dano à coletividade;
b) for praticada por funcionário público no exercício de suas funções;
c) estiver relacionada com prestação de serviços ou comércio de bens essenciais à vida ou à saúde.
2.7 Ação Penal
Os crimes previstos na lei de Sonegação Fiscal, Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990 são de ação penal pública incondicionada (art. 15 da Lei).
“Art. 15. Os crimes previstos nesta lei são de ação penal pública, aplicando-se-lhes o disposto no art. 100 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal.”
2.8 Processo Administrativo-Fiscal e Propositura da Ação Penal pelo Ministério Público
Abordando o assunto, o art. 7º, parágrafo 1º da Lei nº 4.729/65 dispunha: Se os elementos comprobatórios forem suficientes, o Ministério Público oferecerá, desde logo, denúncia.
Interpretando o supramencionado dispositivo legal, o Supremo Tribunal Federal, ainda na década de 70, em reiterados julgamentos, vinha estabelecendo que as alegações quanto à falta de justa causa ou de condição de procedibilidade nos crimes de sonegação fiscal, considerando a inexistência da finalização do processo administrativo fiscal prévio não poderiam prosperar, visto que a persecução penal de tais crimes se faria por intermédio de uma ação penal pública incondicionada.
Com base nessa premissa, denegou inúmeros Habeas Corpus ali impetrados, destacando que a eventual inexistência de indícios de materialidade seria devidamente aferida na fase de instrução do procedimento penal iniciado. Esse posicionamento restou estabelecido no enunciado nº 609 das Súmulas do Supremo Tribunal Federal, possuindo o seguinte teor: é pública incondicionada a condenação por crime de sonegação fiscal. Essa tendência recebeu apoio de inúmeros doutrinadores.
O art. 15 da Lei nº 8.137/90 consigna que a ação penal, nos crimes contra a ordem tributária, é pública, mas omite a qualificação de condicionada ou incondicionada. Porém, por atentarem contra o patrimônio da União, Estados e Municípios, a ação penal, em tais circunstâncias, será pública incondicionada, porquanto a lei não exige, expressamente, a representação do ofendido para que a mesma tenha início, na forma do art. 24 do Código de Processo Penal.
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