terça-feira, 2 de dezembro de 2014

ARTIGOS DO NOSSO FORRO

Diretora de cultura da entidade, Maria das Neves fala sobre o encontro do povo brasileiro com sua própria história, o sertão e a 8ª Bienal da UNE
A Bienal da UNE, maior festival estudantil da América Latina, vem se consolidando como um espaço fundamental de valorização da cultura popular brasileira, ajudando a identificar os elementos que forjam a identidade nacional e a divulgar/fomentar a produção cultural que emana das universidades e das comunidades que entram em contato com o evento. Há 14 anos, a formação do povo brasileiro tem sido fonte de inspiração e a UNE de forma apaixonada assumiu o desafio: fazer os estudantes saírem das bienais mais brasileiros, assumindo um papel protagonista de impulsionar o desenvolvimento nacional e lutando por um país forte e soberano.
A 8° Bienal da UNE, depois de 10 anos, voltará a Pernambuco e Recife e Olinda sediarão mais um encontro do povo brasileiro com sua história.

Realizar uma Bienal no nordeste brasileiro é fundamentalmente instigante. O Nordeste apresenta tamanha heterogeneidade que pode ser chamados “os Nordestes”. Uma região castigada pelas secas que desde cedo faz com que seu povo aprenda na prática o significado da palavra superação. Apesar das condições climáticas, o nordeste transpira otimismo e esperança. Economia pujante, ciência e tecnologia em pleno processo de crescimento e expansão. Em Pernambuco isso se expressa pela construção de polos petroquímicos, biotecnólógico, farmacêutico, naval e automotivo. O estado ainda possui o maior parque tecnológico do Brasil, o Porto Digital. E cresce acima da média nacional. Mas, apesar da qualidade de vida da população ter melhorado nos últimos anos, a região tem baixos indicadores sociais e econômicos (IDH), que são mais graves nas zonas rurais e no sertão nordestino.

O Nordeste possui uma cultura bastante peculiar e típica, apesar de extremamente variada. E é através das estradas de terra seca, cercada pela caatinga que podemos ousar ter a pretensão de identificar sua principal expressão. E arrisco dizer, ela sem dúvida é o Sertão.
O Sertão tende a ser visto pelos não-nordestinos como a síntese do Nordeste. Imortalizado na literatura, a pobreza extrema do sertão no poema homônimo “Morte e vida Severina” de João Cabral de Melo Neto virou especial na Rede Globo e foi sucesso em 1981. O sertão é o vilão e a inspiração, cantado no forró, encenado no teatro e no cinema como em “Auto da Compadecida” de Ariano Suassuna. Literalmente “a arte imita a vida e a vida imita arte”. E apesar do Nordeste ser litoral e sertão, com profundas peculiaridades é a figura do sertanejo que ajudou a construir o Brasil, que nos encanta e nos fascina.

A seca é uma tragédia cíclica e um dos principais motivos da migração nordestina. A pecuária ajudou a desbravar o sertão. Segundo Darcy Ribeiro, “gado e homem foram penetrando e ocupando o sertão”. Para o brasileiro sertanejo, o sertão é seu calvário e ao mesmo tempo fonte de força e bravura. O sagrado e o profano permeiam o imaginário do sertanejo. O fanatismo religioso com Antonio Conselheiro e o cangaço de Lampião e Maria Bonita são suas maiores expressões. Relatos disso se encontram em “Os Sertões” de Euclides da Cunha. O sertão molda o homem, seu jeito de falar, vestir comer, viver e ser. A carne é excluída da dieta do vaqueiro “o homem, por isso, não cresce nem ganha vigor como o gado, permanecendo seco e mirrado” (Ribeiro, 22/97: 318). Esse sertanejo, vaqueiro, retirante também é retratado no quadro “Os retirantes” de Portinari produzido em 1944. Pessoas magérrimas e com expressões que transmitem sentimento de fome e miséria.

“Até mesmo a asa branca bateu asas do sertão”
A migração nordestina é um movimento demográfico que tem relevância na história da migração no Brasil, desde a época do império. Em busca de melhores condições de vida os nordestinos migram para a Amazônia no primeiro e segundo ciclo da borracha, tornando-se os soldados da borracha. Sobre esse movimento escreve Raquel de Queiroz no romance “O quinze”. E com a industrialização do Brasil, entre as décadas de 1950 e 1980 migrou para o sudeste em especial para são Paulo e Rio de Janeiro. Ainda nesse período, a construção de Brasília atraiu grandes grupos populacionais para trabalhar em Brasília, nas obras da nova capital do Brasil.

“Já faz três noites
Que pro norte relampeia
A asa branca
Ouvindo o ronco do trovão
Já bateu asas
E voltou pro meu sertão
Ai, ai eu vou me embora
Vou cuidar da prantação” 
Luiz Gonzaga 
Já na década de 1990, as crises econômicas e a saturação dos mercados de várias grandes cidades fizeram surgir o desemprego, a queda da qualidade da educação e a redução gradativa da renda aliada a sua histórica distribuição desigual. O sonho havia acabado. As promessas de melhores condições de vida e oportunidade de emprego fácil e salários altos não passaram de ilusão para muitos.
Muita coisa mudou nos últimos 10 anos. Mais sem dúvida a autoestima do nordestino, assim como de todos os brasileiros aumentou. E estão voltando para casa. Segundo o IBGE, entre 2002 e 2007 mais de 400 mil nordestinos retornaram aos seus lares de origem vindos de ouros estados. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2009, também divulgados pelo IBGE Pernambuco foi o estado nordestino com a maior taxa de retorno de migrantes. E, depois de 10 anos, a Bienal da UNE também volta a Pernambuco para propiciar aos estudantes mais um encontro do nosso povo com a história do sertanejo retirante, que de norte a sul do país ajudou a construir essa grande nação.

“ Inté Asa Branca encontra o pavão pra coroar o ‘Rei do Sertão’” (Unidos da Tijuca, 2012)
Luiz Gonzaga nasceu numa fazendinha no sopé da Serra de Araripe, na zona rural do sertão de Pernambuco. Morreu vítima de parada cardiorrespiratória no Hospital Santa Joana, na capital pernambucana. Nacionalizou os ritmos nordestinos e transformou em arte as mazelas do povo castigado pela miséria e seca. É o personagem perfeito para narrar e retratar nossa história. A história de Gonzagão se confundiu a desses milhares de migrantes nordestinos que saíram de sua terra natal em busca de oportunidades. Todos os clássicos de Luiz Gonzaga são canção de migrantes, nas quais a terra natal é indicada por um “lá” distante e saudoso. Em 2012, o ano do seu centenário, virou samba-enredo e deu a Unidos da Tijuca a vitória no carnaval carioca.

Composta por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira e lançada em maio de 1947, Asa Branca é a música quer melhor identifica o nordeste brasileiro em seu longo trajeto de convívio penoso com a seca. Foi eleita pela academia brasileira de letras em 1997 a segunda canção brasileira mais marcante do século XX, empatada com “Carinhoso”, e atrás de “Aquarela do Brasil”. Embora existam muitas versões para Asa Branca, mas nada melhor que ouvi-la na voz do “Rei do Sertão”.

O forró é considerado principal ritmo nativo do sertão. Tornou-se um fenômeno pop em princípios da década de 1950. Em 1949, Luiz Gonzaga gravou “Forró de Mané Vito” de sua autoria e Zé Dantas. No entanto o forró popularizou em todo Brasil com a intensa imigração dos nordestinos para outras regiões do país especialmente para as capitais Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro. Nos anos de 1970, surgiram nessas cidades brasileiras, “casas de forró”. Artistas nordestinos que já faziam sucesso tornaram-se consagrados.
A origem da palavra forró é controversa. Há a versão mais popular de sua origem, a de que o nome viria dos dizeres “For All” (em inglês “para todos”). Com a inauguração da primeira estrada de ferro no interior de Pernambuco pela companhia inglesa Great Western, foi feito um baile (ao som da sanfona e zabumba) para comemoração do acontecimento, promovido pela própria empresa, que convidava todos através dos dizeres afixados na entrada: “for all” (para todos). A partir daí então, passariam a chamar os seus bailes populares de Forró. Esta versão foi reforçada quando o cantor e compositor Geraldo Azevedo fez a canção “For all para todos” em 1983 e quando foi lançado o filme “For All- O trampolim da vitória” em 1998.
A segunda versão é dada pelo historiador e pesquisador da cultura popular Luís da Câmara Cascudo, que diz que a origem é o termo africano “forrobodó”, que significaria festa, bagunça. Assim então eram chamados os bailes comuns frequentados pelo povo e, com o tempo, por ser mais fácil pronunciar, acabou se tornando, simplesmente, “forró”. A razão de os historiadores, em sua maioria, confirmarem esta versão é o fato de que desde o século 17 já se falava em forrobodó, bem antes dos ingleses construírem suas malhas ferroviárias. Porém, como o poder de persuasão do rádio e da televisão são bem maiores que o dos livros, as pessoas tendem a acreditar na primeira versão.
“O que mais se constatou durante a pesquisa sobre a etimologia da palavra Forró, é que as pessoas conhecem Forró, como a palavra vinda mesmo de ‘for all’. Isso mais uma vez reforça a influência que os meios de comunicação de massa têm sobre as pessoas de um modo geral”. (Reis e Hacon 2002:01).
Para Darcy Ribeiro, “só se falar de cultura brasileira na concepção de uma entidade complexa e fluída que não corresponde a uma forma dada, senão a uma tendência em busca de uma autenticidade jamais lograda plenamente”. O forró expressa bem a condição de mosaico da cultura brasileira. Um movimento organizado por alguns grupos de forró do Ceará entraram com processo no IPHAM e no MINC para o forró ser considerado como patrimônio imaterial da humanidade, assim como a UNESCO anunciará o frevo. Ajudar a obter essa vitória poderá ser um objetivo central na mobilização a 8° Bienal da UNE, podendo ser uma conquista efetiva para o nosso povo e para a cultura popular brasileira. Hoje o forró é cantado e dançado de várias maneiras o que leva a existência do neo-forró. Sendo o forró um elemento importante para construção da identidade nacional, e defendemos que seja, sua estilização é nociva à tradição? A que ponto a indústria cultural interfere na produção cultural? E ao interferir faz com que a manifestação cultural perca suas características populares? É possível modernização e tradição caminharem juntas? Até onde podem ir? E em que isso interfere na nossa visão de mundo? De sociedade e de Brasil? São alguns polêmicos questionamentos que esse conjunto de informações aqui destacadas, podemos assumir o desafio de debater na 8° Bienal da UNE.

Nordeste – Sertão – Luiz Gonzaga – Forró
O Nordeste expresso pelo vasto Sertão que abrange outras regiões do país chegando até o “Grande Sertão: Veredas” de Guimarães Rosas que retrata o sertão mineiro. É o sertão, síntese dessa região (polígono das secas), imortalizado nas músicas e na voz de Luiz Gonzaga, descrito nas letras de forró, ritmo esse espalhando por todo Brasil a partir da migração nordestina. A 8° Bienal da UNE exaltará essa gente que como Gonzagão, transforma dor e sofrimento em arte. E que através do forró compartilha com cada brasileira (o) a sua sina de ser guerreiro e faz hoje do Nordeste apesar das constantes secas, uma terra que fecunda otimismo, esperança e desenvolvimento. Simbora invadir o nordeste cabra da peste! Que a asa branca esta voltando e viva Gonzagão “Rei do Sertão”!ARTIGO: Mulher fuleira, uma imagem feminina no forró contemporâneo Matéria publicada em: 05/09/2014 às 09:16 136 Durante o primeiro semestre de 2012 dediquei-me ao estudo e análise da produção midiática de duas bandas de forró eletrônico que fazem parte da cena cultural e musical do Estado do Piauí nos dias de hoje “Aviões do Forró” e “Calcinha Preta”, bem como do imaginário dualístico de gênero composto por homens e mulheres que sempre estão presentes nos shows destas bandas que acontecem no interior e em nossa Capital, Teresina. Este processo foi possível a partir observação da oferta de produtos midiáticos por meio de CDs, DVDs e projeção dos shows em bares, restaurantes, boates, pubs, e nos mais diversos espaços culturais, que possibilitou a investigação da produção de sentidos relacionados ao corpo feminino, que gerou a seguinte indagação: Que imagem do corpo feminino é pretendida na produção midiática do forró eletrônico como elemento de consumo cultural? Ao estudar as coreografias, figurinos, perfil corporal, movimentos dançantes e os discursos das letras, de shows gravados em DVDs das duas bandas de forró concluiu-se que esta oferta midiática constrói e oferta sentidos sobre o corpo feminino e que os sentidos identificados na observação foram de romance, eróticos e sensuais, reafirmando-se, historicamente, o papel da mulher como objeto de desejo sexual definida para e pelo homem. Quanto ao objeto de análise qualitativa temos as bandas de forró contemporâneo (eletrônico), geralmente formadas no Nordeste do Brasil. As Bandas “Calcinha preta” e “Aviões do forró” fazem parte do pequeno grupo de bandas regionais que ganharam grande repercussão no cenário midiático nacional. As duas possuem músicas que compõem trilhas sonoras de várias telenovelas da maior rede de televisão do país, “Rede Globo”. Por este e outros fatores, vêem suas músicas tocadas em todas as grandes rádios populares do Brasil, que acaba ganhando espaço no gosto da população de todo o país.Numa perspectiva de mercado, cultural e de gênero a mulher surge como um atrativo das “bandas de forró”. As músicas falam sobre mulheres, descrevem corpos e condutas para a existência feminina, constroem representações que são aceitas e utilizadas em suas práticas sociais, vêm nelas também uma “representação de seu cotidiano” o que aumenta ainda mais sua identificação com as músicas. Desta forma, o forró eletrônico, recheado por dançarinas exuberantes e sensuais contribui consideravelmente na consolidação de uma “cultura nordestina” que tem bases no consumo ligado aos prazeres do corpo, intimamente relacionados à figura da “mulher fuleira”.   Um dos autores mais renomados nestes estudos que fundamentou consideravelmente nossa pesquisa, Felipe Trotta afirma que “…a temática majoritária das músicas da banda incorpora uma certa continuidade entre a festa e a relação amorosa e sexual, descrevendo estratégias de conquistas, narrando belezas femininas, comentando ações e situações do casal…. com coreografias sugestivas e erotizadas. Portanto, a temática amorosa-sexual.” Como piauiense, entrincheirado pela paleta de ofertas midiáticas oferecidas como cultura regional a ser consumida, ouvimos e vemos cotidianamente o conteúdo do forró eletrônico no trabalho, em casa e quando a diversão envolve “festa”, percebendo, desta forma, que o conteúdo fonográfico deste estilo musical, majoritariamente, traz textos que falam sobre mulheres, e as “pintam” com o pincel do machismo mais patriarcal, dando ênfase a corpos sensuais que levam a um desejo sexual iminente, analogamente a períodos anteriores, mas de forma mais pejorativa e agressiva, pois o duplo sentido é carregado de um conteúdo explicitamente sexual. No tocante às letras musicais, é perceptível que o enfoque é extremamente pejorativo, onde o sexo é tratado de forma banal, depreciativo, no tocante às mulheres, e satírico e patriarcal, para os homens. A dança que é apresentada no acompanhamento das músicas é recheada por um aspecto de espetacularização do corpo da mulher, mostrando-o por todos os “ângulos”, desencadeando, desta forma, sentidos de sexualidade e desejo de posse, onde o corpo feminino é um objeto de satisfação sexual para os homens. Neste contexto chamamos a atenção para a música da banda Aviões do Forró – Mulher Fuleira (Fuleira significa no linguajar cotidiano nordestino sem valor; ordinária, reles). A tônica do forró estilizado, na atualidade, é banalizar as variadas formas de discriminações, preconceitos e violência contra as mulheres tão presente em nossa sociedade, nele as mulheres são tratadas como objeto de prazer ou de violação. Por meio da linguagem são utilizados com freqüência termos como vagabunda, pistoleira, fuleira, safada e puta. A exemplo do refrão da música Mulher Fuleira: Ela é fuleira, fuleira, fuleira. Ela é fuleira, fuleira, fuleira. Ela é fuleira, fuleira, fuleira. Ela é fuleira, fuleira, fuleira. Na bagaceira… Como se percebe são expressões que reforçam a força cultural do patriarcado.   Enfim, acreditamos que o “corpo” é uma construção social e cultural, cuja representação circula no grupo, investida duma multiplicidade de sentidos. Esses sentidos por vezes reafirmam, por outras se ampliam ou remodelam e por, outras ainda, enxugam ou, mesmo, desaparecem. Mas de qualquer forma, as representações se formam de acordo com o desenvolvimento humano num dado contexto sócio- histórico. Assim, o título de nosso texto justifica-se e alude a idéia da mulher como uma representação do papel de objeto sexual, onde o corpo feminino idealiza a inquietude, a saciedade, o desejo, o sexo e a uma ideia explicar de fuleiragem, onde o protagonismo semiótico é o da “mulher fuleira”.

Leia mais em: http://www.jfagora.com/artigo-mulher-fuleira-uma-imagem-feminina-no-forro-contemporaneo-2.html
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