Enciclopédia (do Grego antigo εγκυκλοπαιδεία, transl. enkyklopaideía, ἐγκυκλο "circular" + παιδεία "educação"[1] ) é uma coletânea de textos bastante numerosos, cujo objetivo principal é descrever o melhor possível o estado atual do conhecimento humano. Pode-se definir como uma obra que trata de todas as ciências e artesdo conhecimento do homem atual.[2] [3] Pode ser tanto um livro de referência para praticamente qualquer assunto do domínio humano como também uma obra nainternet.
As enciclopédias podem ser divididas em dois grupos: genéricas, que coletam conhecimentos de todo o conhecimento humano (como, por exemplo, aEncyclopaedia Britannica), ou especializadas, com tópicos relacionados a um assunto específico (como, por exemplo, uma enciclopédia de medicina ou dematemática).
O termo enciclopédia começou a ser utilizado em meados do século XVI, embora trabalhos de formato similar já existissem em épocas anteriores.
Índice
[esconder]Etimologia[editar | editar código-fonte]
A palavra "enciclopédia" provém do Grego Clássico ἐγκύκλιος παιδεία" (transliterado: "enkyklios paideia"), literalmente "educação circular", isto é, "conhecimento geral". Embora a noção de um compêndio de conhecimento remonte a milhares de anos, o termo foi utilizado pela primeira vez no título de um livro publicado em 1541 por Joachimus Fortius Ringelbergius, Lucubrationes vel potius absolutissima kyklopaideia(Basileia, 1541). A palavra "enciclopédia" foi utilizada primeiramente como um substantivo, no título do livro do enciclopedista croata Skalić, Encyclopaedia seu orbis disciplinarum tam sacrarum quam prophanarum epistemon (Enciclopédia, ou conhecimento do mundo das disciplinas, Basel, 1559). Um dos mais antigos usos em francês foi realizado por François Rabelais em sua obra Pantagruel, em 1532.[4] [5]
Várias enciclopédias têm nomes que incluem o sufixo -pedia, como por exemplo a Banglapedia, uma enciclopédia sobre as questões relevantes para Bengala, ou a própria Wikipédia, uma enciclopédia redigida com o sistema wiki.
Características[editar | editar código-fonte]
A enciclopédia como conhecemos hoje foi desenvolvida a partir do dicionário no século XVIII. Um dicionário concentra-se principalmente em palavras e as suas definições e, normalmente, dá uma informação limitada, a análise do uso linguístico ou o contexto para cada termo definido. Essa definição linguística pode deixar de informar ao leitor o significado, a importância ou as limitações de um prazo, ou as relações do termo com um vasto campo de conhecimento.
Para fazer face a essas necessidades, um artigo de enciclopédia aborda, além da palavra, o próprio conceito e também o tema ou disciplina, tratando-os com profundidade, a fim de transmitir o conhecimento acumulado sobre esse tema. Uma enciclopédia muitas vezes também inclui mapas e ilustrações, bem como bibliografias e estatísticas. Historicamente, tanto a enciclopédia como o dicionário foram pesquisados e escritos com o fim de contribuir para a educação e informação, muitas vezes com a contribuição de peritos, ou especialistas.
Algumas obras intituladas "dicionário" são, de facto, similares a uma enciclopédia, especialmente as ligadas a área determinada (como os Dictionary of the Middle Ages,Dictionary of American Naval Fighting Ships e Black's Law Dictionary). O Dicionário Macquarie, reconhecido como o dicionário oficial da Austrália, tornou-se um dicionário enciclopédico após a sua primeira edição, em reconhecimento do uso de nomes próprios em comum, e as palavras derivadas de tais nomes próprios, típicos de uma básica obra enciclopédica.[6]
História[editar | editar código-fonte]
Antiguidade[editar | editar código-fonte]
Grande parte dos escritos que procuravam englobar o conhecimento humano na Antiguidade eram de estilo específico, ou especializado (geralmente relacionados à natureza ou à filosofia). Alguns dos grandes filósofos da Antiguidade já haviam tentado escrever sobre todos os campos de conhecimento estudados.
Aristóteles escreveu um conjunto de obras sobre os seres vivos, que foram preservadas: De anima, Parva naturalia, Historia animalium, De partibus animalium, De motu animalium, De incessu animalium e De generatione animalium. Muitas delas tratam de assuntos bastante teóricos, discutindo os motivos dos fenômenos da vida; outras são mais descritivas, compreendendo um vasto volume de fatos. Em Historia animalium, o filósofo grego apresentou uma descrição muito detalhada de aproximadamente 550 espécies, incluindo vertebrados e invertebrados. Também tratou de descrever as aparências externa e interna, os costumes dos animais, redigiu uma comparação detalhada entre as espécies e tentou descrever suas principais características e diferenças.[7]
Quatro séculos após a obra de Aristóteles ser publicada, Plínio, o Velho coligiu, em sua obra Naturalis historiae, todas as informações que pôde encontrar sobre plantas, animais, minerais e diversos outros tópicos, repartidos em 37 partes. A primeira obra apresenta um índice e uma bibliografia por completo. Os livros II a VI tratam, respectivamente, sobre a astronomia e a geografia; os livros VII a XI, tratam sobre a zoologia; os XII a XIX, sobre a botânica e a agricultura; os XX a XXVII, sobre apenas a botânica médica; os livros XXVIII a XXXII descrevem diferentes remédios e antídotos retirados de diferentes animais e do própriohomem; e os livros XXXIII a XXXVII tratam unicamente sobre mineralogia e metais. Essa obra, em conjunto, é considerada uma grande enciclopédia sobre a natureza.[7] [8]
Idade Média[editar | editar código-fonte]
No século X, em Constantinopla, apareceu uma obra coletiva greco-bizantina de grande interesse para o conhecimento da Antiguidade Grega.[9] Trata-se de uma compilação de obras e personagens classificadas de forma inovadora por ordem alfabética que se apresenta, portanto, como a primeira enciclopédia: a Suda. Apesar de várias imprecisões e erros, a Suda contém informações inestimáveis, uma vez que seus autores tiveram acesso a obras agora perdidas. Esse cobiçado livro, nos dias atuais, é conhecido como a primeira enciclopédia de que se tem notícia, pela amplidão de conhecimento atingido (porém, não se extinguem possibilidades de terem existidas outras obras, talvez mais completas, de não tanto sucesso).
Santo Isidoro de Sevilha, um dos maiores estudiosos do início da Idade Média, é amplamente reconhecido como sendo o autor da primeira enciclopédia de que se tem conhecimento dos tempos medievais, oEtymologiae[10] (publicado em torno do ano de 630), no qual ele compilou a mais ampla possível aprendizagem disponível na sua época, criando uma enorme leva de conhecimento de 448 capítulos em 20 volumes; é muito valioso não só pela sua importância, mas também por causa das citações e fragmentos de textos de outros autores que teriam sido perdidos, nos tempos atuais não se tem mais vestígios e que não tinha sido feito pelo Santo Isidoro.[11]
De Rerum proprietatibus (1240) de Bartholomeus Anglicus foi a mais lida e citada enciclopédia na Baixa Idade Média,[12] [13] [14] enquanto Speculum Majus (1260) de Vicente de Beauvais foi a mais ambiciosa enciclopédia do período tardo-medieval, com mais de 3 milhões de palavras.[12]
Árabes e Persas[editar | editar código-fonte]
As primeiras compilações de conhecimento muçulmanas de que se tem notícia na Idade Média incluía muitas obras já completas, e um desenvolvimento respeitosamente vasto do que, agora, chamamos método científico, método histórico, e citação. Por volta do ano 960, os Irmãos da Pureza de Baçorá[15] se empenharam na confecção de sua obra "Enciclopédia dos Irmãos da Pureza". Obras notáveis incluem: enciclopédia de ciências de Abu Bakr al-Razi, a prolífica produção de Al-Kindi de 270 livros, e a enciclopédia médica de Ibn Sina, que foram, por séculos, padrões de referência para trabalhos. Também notáveis são obras de história universal (ou sociologia), como História de Profetas e Reis de Asharites, al-Tabri, al-Masudi, Tabari, Ibn Rustah, al-Athir, e Ibn Khaldun, cuja Muqadimmah contém alertas quanto a confiança em registos escritos que permanecem totalmente aplicáveis hoje. Esses estudiosos tiveram uma incalculável influência sobre os métodos de investigação e edição, em parte devido à prática islâmica isnad que destacou a fidelidade do registo escrito, verificando fontes, e céticos inquéritos.
Idade Moderna[editar | editar código-fonte]
Hoje em dia, é creditada a criação da primeira enciclopédia moderna a Encyclopédie, de 28 volumes, 71 818 artigos, e 2 885 ilustrações, editada por Jean le Rond d’Alembert e Denis Diderot em 1772, tendo como colaboradores Rousseau, Voltaire, Montesquieu e outros ensaístas ilustres. Porém, antes destes respeitáveis iluministas terem atingido um grau de amplitude muito superior, John Harris havia escrito anteriormente, em 1704, a Lexicon technicum, e a ele é creditado o estabelecer do formato moderno de uma enciclopédia, tal como a conhecemos hoje.
No século seguinte, George Wilhem Hegel publicou a sua Enciclopédia das Ciências Filosóficas, em que se cristaliza a ideia de enciclopédia como apresentação sistemática de uma ciência ou de um conjunto de ciências.
Formatos contemporâneos[editar | editar código-fonte]
O formato hierárquico e sua natureza em permanente evolução tornam obras enciclopédicas alvos perfeitos para publicação em formato digital e praticamente todas as grandes enciclopédias tiveram uma versão em CD-ROM no final do século XX. A versão em CD-ROM conta com a vantagem de ser portátil e de produção extremamente econômica. Além disso, uma enciclopédia em formato digital pode ter conteúdos como animações e áudio, impossíveis de serem inseridos numa tradicional publicação escrita. A inclusão de hyperlinks ligando artigos relacionados também é uma enorme vantagem do formato digital.
Por fim, o advento da internet possibilitou a criação das enciclopédias livres, sendo atualmente as mais conhecidas: a Everything2, a Encarta, a h2g2 e a Wikipédia. Nestas, pela primeira vez na história dahumanidade, qualquer pessoa pode fazer contribuições e corrigir e/ou ampliar as entradas já existentes, o que resulta num banco de dados universal que é continuamente aperfeiçoado. Este tipo de enciclopédia permite ainda que o significado de um determinado verbete seja consultado em vários idiomas, expandindo os resultados da pesquisa.
Algumas enciclopédias famosas[editar | editar código-fonte]
- Encyclopédie, ou dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers (1750-1772)
- Encyclopaedia Britannica (1768-1771)
- Meyers Konversations-Lexikon (1839-1984)
- Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira (1935-1960)
- Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura (1963-1995)
- Enciclopédia Verbo Edição Século XXI
- Enciclopédia Nacional Sueca
- Enciclopédia Finlândia
- Enciclopédia Barsa
- Enciclopédia Caldas Aulete
- Enciclopédia Delta-Larousse
- Grande Enciclopédia Larousse Cultural
- Enciclopédia Larousse da vida animal
- Enciclopédia Mirador (1979)
- Encarta
- Brockhaus Enzyklopädie
- Wikipédia
- Knol
Referências
- ↑ Wikicionário na versão de língua inglesa. "Definição etimológica de "εγκυκλοπαίδεια"". Consultado em 3 de abril de 2009.
- ↑ Priberam.pt. "Definição da palavra "enciclopedia" no dicionário de português europeu Priberam". Consultado em 20 de março de 2009.
- ↑ Dicionário Michaelis, UOL. "Definição da palavra "enciclopedia" no dicionário de português brasileiro Uol Michaelis". Consultado em 20 de março de 2009.
- ↑ Bert Roest (1997). "Compilation as Theme and Praxis in Franciscan Universal Chronicles". In: Peter Binkley. Pre-Modern Encyclopaedic Texts: Proceedings of the Second Comers Congress, Groningen, 1–July 4, 1996. p. 213.ISBN 90-04-10830-0.
- ↑ Sorcha Carey (2003). "Two Strategies of Encyclopaedism". Pliny's Catalogue of Culture: Art and Empire in the Natural History Oxford University Press [S.l.] p. 17. ISBN 0199259135.
- ↑ Macquarie Dictoinary. "Dicionário Macquarie Online". Consultado em 27 de março de 2009. (em inglês)
- ↑ ab Roberto de Andrade Martins. "Uma comparação entre Aristóteles e Plínio, o Velho" (PDF). Consultado em 21 de março de 2009.
- ↑ Pesquisa de livros do Google. "Naturalis Historia completo em latim". Consultado em 28 de março de 2009. (em latim)
- ↑ Suda On Line, SOL. "História da Suda". Consultado em 28 de março de 2009. (em inglês)
- ↑ Isidoro de Sevilha, repassado ao site "The latin library". "Etymologiae transcrito por completo em latim". Consultado em 1 de abril de 2009. (em latim)
- ↑ Texts and Documents Research Guide. "Explicação do Etymologiae". Consultado em 1 de abril de 2009. (em inglês)
- ↑ ab Ver "Encyclopedia" em Dictionary of the Middle Ages.
- ↑ Website Bartholomeus Anglicus' De Proprietatibus Rerum. "Explicação do De Rerum proprietatibus no site dedicado a este livro". Consultado em 1 de abril de 2009. (em inglês)
- ↑ Pesquisa de livros do Google. "Livro autêntico De Rerum propritatibus completo em latim". Consultado em 1 de abril de 2009. (em latim)
- ↑ P.D. Wightman (1953), O Nascimento das Ideias Científicas (título original, em inglês: The Growth of Scientific Ideas)
Ligações externas[editar | editar código-fonte]
- Enciclopédias online em português (acesso gratuito)
- Enzyklothek. Historische Nachschlagewerke - Digital library
- Covert Front Enciclopedy
- Bússola Escolar (em português)
- 1 Enciclopédia
- Wikipédia (em português)
- Wikipedia on Babylon
- Free Encyclopedia of Articles Sorted By Rank!
- Enciclopédia Católica
- Enciclopédias online em inglês (acesso gratuito)
- Catholic Encyclopedia 1907 (link1)
- Catholic Encyclopedia 1907 (link2)
- Easton's Bible Dictionary
- Encyclopaedia Britannica de 1911 (versão texto)
- Encyclopaedia Britannica de 1911 (versão gráfica)
- The Columbia Encyclopedia
- Reference
- Enciclopédias online em alemão (acesso gratuito)
- Enciclopédias online em português (necessário registro)
- Infopédia, da Porto Editora (em português)
- Enciclopédia Digital Master (em português)
- Nova Enciclopédia Ilustrada Folha (em português)
- Enciclopédia Universal (em português)
- Projectos
- Da enciclopédia ao hipertexto (em português)
- Enciclopédia Omega (Software Livre) (em português)
- Onelook: procura por termos em enciclopédias e dicionáriosEm 1751 foi editado o primeiro volume da Enciclopédia, de Denis Diderot e Jean le Rond d’Alembert. A peripécia intelectual e editorial sem precedentes provocou na Europa, ao mesmo tempo, entusiasmo e aversão. A obra tinha a ambição de colocar ao alcance do leitor todo o conjunto de conhecimentos humanos derivados da razão. Mas, já no fim do século XVIII, o trabalho foi acusado de estar na origem da Revolução Francesa, dado que também o movimento bebeu na fonte do Iluminismo.
Alguns estudiosos do século XIX aprofundaram essa visão e identificaram nos volumes o triunfo do liberalismo reformador e a reabilitação do trabalho popular. O historiador francês Jules Michelet, por exemplo, exaltava em Diderot a alma e o caráter da revolução. Já o intelectual alemão Karl Marx avançava mais e denunciava o desvio do espírito das Luzes pela classe burguesa.
Críticas à parte, a história da Enciclopédia revela um nível ímpar de idealismo. Em 1740, o livreiro parisiense André Le Breton estava em busca de um projeto que colocasse à disposição do público, a um preço razoável, uma informação competente, filosófica, científica e técnica, na língua do país e livre da pressão erudita das obras acadêmicas.
A moda então eram os livros ingleses. Com seus três sócios, Le Breton decidiu traduzir e editar a Cyclopaedia de Ephraim Chambers, uma espécie de dicionário de vários assuntos publicado em Londres em 1728. Surgiu, contudo, todo tipo de dificuldades entre editores e colaboradores. Em 1747, os livreiros franceses decidiram apelar a Diderot e D’Alembert para que ambos dirigissem a concepção e a realização da obra.Biblioteca Nacional, Paris Frontispício da primeira edição da obra, publicada na França em 1751
Para reforçar o novo texto, optou-se pelo uso de imagens, procedimento pedagógico que seria um dos maiores trunfos da Enciclopédia. Os temas foram apresentados sob a forma de uma árvore inspirada na do filósofo inglês Francis Bacon. A filosofia era o tronco, enquanto a teologia foi destronada e relegada a um ramo, em companhia das ciências ocultas e da magia!
O tom estava dado: a Enciclopédia, dicionário racional das ciências, das artes e dos ofícios era ao mesmo tempo uma obra de informação e um manifesto. Havia o desejo expresso de romper com um passado considerado ignorante e obscurantista e afirmar o advento de uma nova era, fundada nas luzes da razão e na fé no progresso.
A filosofia foi, a partir de então, considerada uma disciplina guia, encarregada de acabar com os preconceitos e superstições que se opunham à razão, transformada em uma espécie de nova religião. Ocorre que havia muitas divergências entre os filósofos. O suíço Jean-Jacques Rousseau e o francês François-Marie Arouet (ninguém menos que Voltaire) eram deístas. Já Diderot e os também franceses Paul-Henri Thiry (cujo pseudônimo era Baron d’Holbach) e Claude-Adrien Helvétius eram ateus.Coleção Particular Página ilustrada descreve o trabalho e os utensílios do confeiteiro: o uso de imagens foi um dos maiores trunfos pedagógicos daEnciclopédia
Além disso, todos tinham o mesmo dever: ampliar o campo do conhecimento e esclarecer a humanidade por meio de educação baseada na observação e na razão. Os enciclopedistas se consideravam um baluarte dessa nova pedagogia, que tomou ares messiânicos.
Diderot trabalhou nessa obra anos a fio e se cercou de uma equipe de aproximadamente 150 colaboradores reconhecidos – dois quintos deles permaneceram anônimos. O recrutamento levou em conta competências, não posição social. Assim, havia eruditos e práticos, proprietários e funcionários. A despeito da lenda, porém, nenhum negociante ou grande mercador participou da obra. E nenhum operário ou camponês.
Outros nomes célebres sistematicamente associados à Enciclopédia tiveram participação ínfima, como Charles de Montesquieu, morto na França em 1755. Rousseau, que contribuiu com 390 artigos de música e outros de economia política, retirou-se do projeto em 1757, furioso com um texto redigido por D’Alembert, que já andava cansado de ataques e proibições oficiais e também abandonou o barco. Voltaire apoiava a causa, mas sem muito esforço – seus artigos literários ou históricos careciam de brilho.Depois de 1759, a maioria havia desertado. Diderot, decepcionado, recorreu a uma equipe menor e menos célebre para redigir os dez últimos tomos de textos.
A Enciclopédia pareceu desde o início uma máquina de guerra contra a Igreja. Para driblar a censura, os autores se valeram de uma esperteza: reservaram poucos “sacrilégios” aos textos sobre cristianismo, por exemplo. Mas em outros textos e verbetes, sobre outros temas, há referências irônicas sobre o Espírito Santo e as vestimentas do papa. Essa graça, quase uma codificação, fez grande sucesso entre leitores antirreligião.
Até meados do século XVIII, a desconfiança dos censores da universidade Sorbonne – então totalmente dominada pela Igreja – não repousava sobre os filósofos enciclopedistas. O caso do abade de Prades, que escreveu o artigo Certeza para a obra, abriu-lhes os olhos. Prades era acusado de heresia por causa de sua visão particular da teologia. O conselho do rei Luís XV reagiu proibindo os dois primeiros volumes da Enciclopédia.
Não bastasse, em 1758, a obra do colaborador Helvétius, Do espírito, desencadeou uma crise. Os meios tradicionais e as autoridades passaram a considerar a Enciclopédia como um monumento de heresia e perversidade. Em 6 de fevereiro de 1759, o Parlamento de Paris condenou a obra. Foi seguido pelo Conselho de Estado e por Roma. Religiosos que viviam às turras, como jesuítas e jansenistas, aliaram-se contra os selvagens cacouacs, alcunha que designava os enciclopedistas.Proibida, a obra continuou disponível a quem quisesse, já que a autorização dos livreiros não foi revogada. E seu sucesso continuava imenso, na verdade ampliado pela polêmica. Havia uma excitação geral, intelectual e política. O Estado era mais bem tratado que a Igreja pelos enciclopedistas, mas havia restrições à monarquia. No artigo Economia, Rousseau lançou as bases do livro Do contrato social, e, aqui e ali, os privilégios dos nobres contrastavam com a vida rude do povo.
Os enciclopedistas, contudo, não encorajavam a revolução, pois tinham a certeza de ser eles próprios os protótipos do novo gênero humano: eis uma concepção elitista que afastava de suas preocupações a reivindicação de igualdade universal. Nesse sentido, aEnciclopédia era um produto de seu tempo. Seus idealizadores e seus leitores vieram de classes sociais cujas representações e expectativas se inscreviam em uma corrente racional e liberal amplamente compartilhada com os notáveis e com uma parte da corte.
Por ocasião do lançamento do último tomo, em 1772, Diderot avaliou que a obra estava monstruosa e deveria ser retomada de A a Z. Em 1775, o editor Charles-Joseph Panckoucke iniciou um trabalho de revisão e de complemento, a Enciclopédia metódica, concluída em 1832.
Mesmo com o conhecimento técnico já ultrapassado em muitos aspectos – permanecem com desconcertante atualidade suas teorias sociais –, a obra nunca perdeu o interesse como documento histórico. Seus autores foram pioneiros de um mundo contemporâneo que multiplicou infinitamente o sonho do Iluminismo.Museu do Louvre, Paris Denis Diderot, que dedicou 25 anos de sua vida à compilação do conhecimento do século XVIII. Óleo sobre tela,Louis Michel
van Loo, 1767Boêmio, mas estudioso
Nascido em 1713, era filho de um cuteleiro rico. Recebeu educação sólida de jesuítas, mas até os 29 anos levou uma vida de boêmio, embora estudioso, pontuada por breves empregos. Isso lhe permitiu dedicar-se à paixão por matemática, latim, grego, inglês, teatro e conversação.
Um casamento precipitado, o nascimento de quatro filhos e uma amante dispendiosa o obrigaram a buscar fontes de renda menos aleatórias que as traduções e os trabalhos filosóficos que lhe rendiam mais prestígio que dinheiro. Foi então que aceitou dirigir o grande projeto do livreiro Le Breton. Trabalhou nele 25 anos.
Se a Enciclopédia, com sua natureza abrangente, o afastou um pouco da filosofia, foi graças à obra e à sua curiosidade intelectual insaciável que se tornou, segundo as palavras de Rousseau, “uma cabeça universal”. Seus inimigos muitas vezes o criticaram por nunca concluir o que havia começado. Injustiça: ele só foi liberado da Enciclopédia em 1765.
A maior parte da obra de Diderot foi conhecida postumamente. Parecia caótica devido à multiplicidade de seus centros de interesse: filosofia e moral (nos livros O sobrinho de Rameau; A religiosa; O pai de família;Jacques, o fatalista), estética (O paradoxo do comediante; Ensaios sobre a pintura; Salões) e crítica literária.
Nenhum comentário:
Postar um comentário