quarta-feira, 28 de junho de 2017

LEI 12 550 11 SEGUNDA PARTE

Outro ponto importante acerca do funcionário público diz respeito ao crime do artigo 325 do Código Penal. Antes mesmo do advento da lei 12.550/11, a conduta do funcionário público que consistisse em revelar (dar a conhecimento de algo a outra ou outras pessoas, verbalmente ou por escrito) ou facilitar revelação de fato sigiloso de certame público que tinha ciência em razão do cargo configurava o artigo 325 do Código Penal. Contudo, com o advento da lei 12.550/11, em razão do princípio da especialidade o artigo 325 do CP deixa de ser aplicado se a revelação de sigilo estiver direta ou indiretamente relacionada a certames de interesse público. O artigo 311-A do CP é especial com relação ao artigo 325 do CP.
Nesta senda, importante verificar a questão do direito penal intertemporal e o conflito de leis penais no tempo no que tange aos artigos 311-A e 325, ambos do Código Penal.
Fazendo-se uma análise dos preceitos secundários dos artigos 325 (crime de violação de sigilo funcional) e 311-A (fraude em certame de interesse público), ambos do Código Penal, denota-se que a pena prevista para o crime do artigo 325 é de “6 (seis) meses a 2 (dois) anos de detenção, ou multa, se o fato não constitui delito mais grave”  ao passo que a pena prevista para o artigo 311-A é de “reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa”.
Tendo em vista que o crime do artigo 311-A do Código Penal é lei penal mais gravosa (Lex gravior) com relação ao artigo 325 do Código Penal, ela não retroagirá para alcançar fatos anteriores à lei 12.550/11. O fato de o artigo 325 do Código Penal informar que só haverá o crime de violação de sigilo funcional se o fato não constituir delito mais grave não pode ensejar a aplicação  do artigo 311-A do Código Penal a fatos anteriores a existência deste último, pois vige em nosso ordenamento o princípio da anterioridade da lei penal (artigo 5º, inciso XXXIX, CF/88). Assim, portanto, o artigo 311-A só alcançará delitos futuros.
1.1.4. Sujeito passivo
O sujeito passivo é o Estado e Instituições Públicas e Privadas de Ensino Superior, secundariamente, eventuais lesados pela conduta criminosa do agente.
Pode surgir certa celeuma no âmbito doutrinário acerca do sujeito passivo do delito em estudo, mormente quando se faz a leitura do inciso III do artigo 311-A do Código Penal, que trata da fraude em certames de interesse público envolvendo “processo seletivo para ingresso no ensino superior”. Ao que nos parece, pela leitura do referido inciso, o legislador não restringiu a sua aplicação apenas a instituições públicas de ensino superior, vale dizer, denota-se que o inciso III abarca também as instituições privadas de ensino superior. Ademais, além de o legislador não ter restringido o referido inciso às instituições públicas de ensino, o próprio nomem iuris atribuído ao delito em estudo “fraudes em certames de interesse público” indica que o tipo penal quis abarcar também alguns entes privados, pois se desejasse apenas abranger entes públicos o nomen iuris do delito seria fraudes em certames públicos. Ao inserir a palavra “interesse público” ao nome dado ao delito demonstrou-se que as instituições privadas de ensino superior estão inseridas no inciso III do artigo 311-A., pois os certames que abrangem instituições de ensino superior possuem o interesse público.
Recorde-se que a “educação não é privativa do Estado, sendo livre a iniciativa privada, resguardando-se ao Estado estabelecer as normas gerais e fiscalizar e autorizar a prestação privada das atividades de educação” (CF/88,  art. 209). Sendo assim, denota-se que as instituições privadas de ensino superior podem ser consideradas também sujeito passivo do delito.
1.1.5. Núcleos do tipo
“Utilizar” ou “divulgar” são os núcleos do tipo penal incriminador. Utilizar significa empregar, aplicar o conteúdo sigiloso em benefício próprio ou de outrem. Divulgar significa tornar público, propagar.
Cuida-se de tipo misto alternativo, crime de ação múltipla ou de conteúdo variado.
A conduta do caput do artigo 311-A do Código Penal é comissiva.
1.1.6. Elemento normativo do tipo
Perceba que o elemento normativo do tipo é “indevidamente”, que significa sem justo motivo. Vale dizer, o agente só será responsabilizado penalmente se sem justo motivo utilizou o divulgou conteúdo sigiloso em benefício próprio ou de outrem. Se o motivo for injusto e o dado divulgado ou utilizado do certame era sigiloso irá incorrer na prática do delito.
1.1.7. Elementos subjetivos do tipo
Os elementos subjetivos do tipo são: “com o fim de beneficiar a si ou a outrem” ou “de comprometer a credibilidade do certame”.
1.1.8. Extensão da expressão “conteúdo sigiloso”
Conteúdo sigiloso abrange não apenas as questões e os gabaritos, mas todo e qualquer dado secreto que utilizado indevidamente gere desigualdade na disputa. Pretendeu o legislador resguardar o princípio da impessoalidade, tendo por escopo impedir que certos candidatos obtenham informações privilegiadas, inacessíveis à população em geral.
Deste modo, configura do artigo 311-A do Código Penal a conduta de divulgar, antes do edital do concurso, de forma não pública, vale dizer, apenas para uma ou algumas pessoas, a bibliografia do concurso, os nomes dos examinadores, a quantidade de questões que serão cobradas por disciplina, enfim, informações que beneficiem, ainda que em tese e mesmo que de forma mínima beneficiem, determinados candidatos, por gerarem tratamento diferenciado.
Exemplo: Mévio sabe que o Examinador do concurso está preparando a prova com base no livro X. Então, Mévio revela tal fato, adiantando a bibliografia do concurso a alguns candidatos antes de sair o edital. Mévio incorreu na conduta típica do artigo 311-A do Código Penal.
1.1.9. Certames abrangidos no delito
A fraude deve recair sobre:
I- Concurso público – que é um verdadeiro instrumento de acesso a cargos e instrumentos públicos;
II - Avaliação ou exames públicos – Aqui se enquadram, por exemplo: a) exame público de qualificação de mestrados e doutorados; b) concursos para obtenção de bolsas em mestrados e doutorados; c) psicotécnicos; d) exames médicos; concursos para certificações, a exemplo da CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear); e) exames para obtenção de  CNH (Carteira Nacional de Habilitação); f) processos seletivos públicos para contratação de profissionais para o Sebrae; g) as seleções para ingresso nos colégios militares e nas escolas técnicas; h) o exame público de habilitação na função de agente da propriedade industrial do INPI; i) seleção de candidatos à residência médica ou odontológica. j) Processo seletivo para ingresso no ensino superior – Exemplo: vestibulares e demais formas de avaliação seletiva para ingresso no ensino superior, como ocorre com o Exame Nacional de Ensino Médio (famigerado ENEM) e nas avaliações seriadas (que abrangem provas de todos os anos do ensino médio);
III - Exame ou processo seletivo previstos em lei - abrange exame da OAB, que tem sua previsão na lei 8.906/94 ou o processo seletivo simplificado para contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 3º, da Lei 8.745/93).
1.1.10. “Cola Eletrônica”
“Cola eletrônica” é a utilização de aparelho transmissor e receptor, que fará a ligação entre comunicador (denominado expert nas matérias das provas) e a pessoa que está “realizando” a prova, com o fim deste último obter as respostas às perguntas de determinada prova do expert que a resolve e repassa as informações.
 A cola eletrônica é, hodiernamente, uma das formas mais triviais de fraudar certames de interesse público.
Os Tribunais Superiores, antes da lei 12.550/11, consideraram a “cola eletrônica” atípica, haja vista que a referida fraude não teria enquadramento nos tipos penais à época em vigor, fundamentando tal entendimento com base no princípio da reserva legal e na proibição de aplicação da analogia in malam partem, muito embora fosse considerada ação imoral (Informativo STF 453, de 18 e 19 de dezembro de 2006).
O STF entendeu que a conduta não atenderia aos requisitos do art. 171 do CP (crime de estelionato), e que, portanto, não configuraria o crime estelionato porque não haveria obtenção de vantagem patrimonial. Ademais, também não configurava estelionato em razão da ausência de vítima determinada.
Em outro julgado o STJ entendeu que a “cola eletrônica” não configura o crime de falsidade ideológica, haja vista que nos gabaritos não é omitida, inserida ou feita declaração falsa diversa daquela que devia ser escrita. Asseverou-se que as declarações ou inserções feitas nos cartões de resposta por meio de sinais eram verdadeiras e apenas foram obtidas por meio não convencional. A eventual fraude mostra-se insuficiente para caracterizar o estelionato que não existe ‘in incertam personam’”. (Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 7376/SC, Sexta Turma, Relator Ministro Fernando Gonçalves).
Pela explanação acima, percebe-se a fraude através da “cola eletrônica” estava passando incólume a nossa legislação penal.
Com o advento da lei 12.550/11 surge o seguinte questionamento: Teria a lei 12.550/11, através da inserção do artigo 311-A ao Código Penal, tipificado a “cola eletrônica”? O assunto, prima facie, parece polêmico. O ilustre jurista Rogério Sanches Cunha aponta duas situações para o caso, uma sendo caso de tipicidade e outra sendo caso de atipicidade, que passamos a transcrever:

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