quarta-feira, 30 de agosto de 2017

FINAMCIAMENTO DA EDCAÇAO

A temática do financiamento da educação tem assumido importante papel na compreensão da organização e da gestão da educação, particularmente a partir de estudos e análises que exploram a relação entre o financiamento, as políticas educacionais e o Estado no Brasil, ganhando densidade também no sub-campo da economia da educação. Essa discussão constitui-se em tarefa complexa em vista das condições materiais nas quais o financiamento se efetiva no país envolvendo os diferentes entes federados (União, estados, Distrito Federal e municípios) e a esfera privada. Apesar da complexidade da temática, a compreensão da estrutura e das bases do financiamento da educa- ção coloca-se como uma necessidade para toda a sociedade, devendo envolver, especialmente, os gestores educacionais, os profissionais da educação, os pais, os estudantes e a comunidade local. Nesse sentido, este caderno, que trata da temática do financiamento da educação básica no Brasil, busca contribuir com os Conselhos Escolares, analisando o papel do financiamento da educação no tocante à garantia do direito à educação e visando fortalecer as ações dos movimentos e órgãos colegiados, como os Conselhos Escolares, frente à temática. O caderno está organizado em quatro unidades articuladas entre si, sendo que as duas primeiras buscam dar uma visão geral aos Conselheiros Escolares sobre as políticas educacionais mais amplas, ou seja, aquelas ligadas diretamente aos sistemas de ensino. As duas últimas estão centradas nas questões relacionadas à instituição e à comunidade local e escolar. A unidade I, “As políticas e gestão da educação básica no Brasil e o direito à educação”, discute as lutas em prol da educação, ressaltando as políticas e gestão da educação e sua articulação com o direito à educação, abordando os antecedentes históricos da luta pelo direito à educação e à escola no país, as atuais políticas e gestão da educação básica, bem como a estruturação do 11 Conselho Escolar e o financiamento da educação no Brasil sistema educacional brasileiro por meio da caracterização dos diferentes níveis e modalidades educativas. A unidade II, “O financiamento da educação básica: limites e possibilidades”, discute o financiamento da educação básica analisando, entre outros assuntos, a responsabilidade dos entes federados no financiamento da educação e a importância do regime de colaboração entre estes, o papel dos fundos na educação básica (Fundef e Fundeb) e outras fontes de recursos. Já a unidade III, “Gestão financeira descentralizada: planejamento, aplicação e acompanhamento de recursos”, destaca os diferentes segmentos que compõem a unidade escolar e a comunidade local, especialmente os membros do Conselho Escolar, para discutir a importância do planejamento e da gestão financeira, democrática e transparente dos recursos que chegam à unidade escolar. Trata, dessa forma, de questões referentes ao planejamento participativo e à prestação de contas, o Programa Dinheiro Direto na Escola – PDDE, outros programas e projetos e fontes alternativas de financiamento da escola. A quarta e última unidade, “O Conselho Escolar e autonomia: participação e democratização da gestão administrativa, pedagógica e financeira da educa- ção e da escola”, traz elementos para compreensão das bases de efetivação da democratização da gestão educacional e escolar (administrativa, pedagógica e financeira), destacando a importância do projeto político-pedagógico e do redimensionamento do papel do Conselho Escolar. 12 Conselho Escolar e o financiamento da educação no Brasil Unidade I – As políticas e gestão da educação básica no Brasil e o direito à educação O objetivo desta unidade é situar as lutas em prol da educação, ressaltando as políticas e gestão da educação e sua articulação com o direito à educação. Nessa ótica, a unidade aborda os antecedentes históricos da luta pelo direito à educação e à escola no país, as atuais políticas e gestão da educação básica, bem como a estruturação do sistema educacional brasileiro por meio da caracterização dos diferentes níveis e modalidades educativas. 1.1 Antecedentes históricos: o direito à educação Você sabia que a educação é um direito garantido constitucionalmente? Adiscussão acerca da idéia da educação como um direito universal do homem remonta à Revolução Francesa e está posta na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 e, ainda, na Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada em 1948, pela Organização das Nações Unidas, após a Segunda Guerra. 13 Conselho Escolar e o financiamento da educação no Brasil Garantir a educação para todos é um desafio de toda a sociedade e um direito do cidadão. Hoje, a educação é considerada como um dos direitos fundamentais do homem e está garantida legalmente em quase todos os países do mundo. Essa conquista é conseqüência da compreensão que veio se desenvolvendo, ao longo dos últimos séculos, de que a educação é um dos importantes elementos na conquista da cidadania, tendo em vista ser ela um dos requisitos básicos para que os indivíduos possam ter acesso aos bens culturais disponíveis na nossa sociedade. Mas, para que o direito à educação seja garantido, é preciso que se lute para o estabelecimento de mecanismos legais que definam as obrigações e os compromissos governamentais, além da luta de todos para que o que está estabelecido 14 Conselho Escolar e o financiamento da educação no Brasil ¹ A gratuidade da educação nas Constituições vinculava-se, na maioria das vezes, ao ensino ou instrução primária e, mais recentemente, ao ensino fundamental. ² Pode se citar como exemplo nossa primeira LDB (Lei nº 4.024, de 1961) e a Lei nº 5.692, de 1971. em lei seja efetivamente cumprido. No caso brasileiro, a idéia da educação garantida efetivamente à população, enquanto uma obrigação aparece desde a época do Império, quando algumas províncias declararam a obrigatoriedade do ensino primário. A questão do direito à educação também se fez presente nas diversas Constituições brasileiras e a gratuidade, que aparece na Constituição Federal de 1824, coloca o Brasil entre os primeiros países do mundo onde a educação gratuita¹ aparece na legislação, sem que, no entanto, fosse transformada em política pública e garantida efetivamente à população. As diferentes Constituições brasileiras sempre fizeram referências à educação, em que pese essas referências aparecerem de forma mais abrangente em algumas e em outras de forma mais restrita. A Constituição de 1934 apresenta muitas inova- ções e alguns avanços em relação às definições educacionais. Essa Constituição traz um capítulo inteiro dedicado à educação, e estabelece, no art. 149, que A educação é direito de todos e deve ser ministrada pela família e pelos poderes públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a brasileiros e a estrangeiros domiciliados no País, de modo que possibilite eficientes fatores da vida moral e econômica da Nação, e desenvolva no espírito brasileiro a consciência da solidariedade humana. O direito à educação aparece também na Constituição de 1946, na qual o art. 166 define que “a educação é direito de todos e será dada no lar e na escola. Deve inspirar-se nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana” e, no art. 168, “A legislação do ensino adotará os seguintes princípios: I – o ensino primário é obrigatório e só será dado na língua nacional; II – o ensino primário é gratuito para todos; o ensino oficial é ulterior ao primário e sê-lo-á para quantos provarem falta ou insuficiência de recursos”. Assim, a questão do direito à educação está presente na Constituição e na legislação educacional². 15 Conselho Escolar e o financiamento da educação no Brasil Mas é na Constituição de 1988 que a questão do direito à educação aparece de forma mais ampla. O art. 6º diz que “são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. Quando trata especificamente da educação, a Carta Magna define, no art. 205, que esta é direito de todos e dever do Estado e da família e reafirma esse direito no artigo 208, quando declara que o dever do Estado será efetivado mediante a garantia de “ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiverem acesso na idade própria”. Mas não é só na Constituição que o direito à educação está posto. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) também dispõem sobre a obrigatoriedade e gratuidade da educação. Segundo o ECA, “o ensino fundamental é direito público subjetivo de toda criança e adolescente. Enquanto não concluído o ensino fundamental, têm crianças e adolescentes o direito de freqüentar a escola e, em decorrência, têm os pais o dever de tomar as providências para a matrícula” (Konzen, p.189). Garantir a educação para todos é um desafio de toda a sociedade e um direito do cidadão. A esse respeito, Cury (2005, p. 6) afirma que “o direito à educação parte do reconhecimento de que o saber sistemático é mais do que uma importante herança cultural. Como parte da herança cultural, o cidadão torna-se capaz de se apossar de padrões cognitivos e formativos pelos quais tem maiores possibilidades de participar dos destinos de sua sociedade e colaborar na sua transformação”. Como vimos, a legislação brasileira atual garante a educação como direito de todos e dever do Estado e da família. O art. 205 da Constituição de 1988 afirma que “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. A LDB de 1996 (Lei nº 9.394) coloca o dever da família antes do dever do Estado, mas mantém a responsabilidade deste em oferecer a educação escolar pública e gratuita. Assim, o art. 4º da LDB e o art. 16 Conselho Escolar e o financiamento da educação no Brasil 208 da Constituição Federal definem que o dever do Estado com a educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: I - Ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que não tiveram acesso na idade própria; II - Progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio; IV - Atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade³. Esses artigos da legislação nos mostram que se o cidadão tem direito à educação, o Estado tem a obrigatoriedade de ofertá-lo. Nesse sentido, o § 1º do inciso VII do art 208 da Constituição diz que o “acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo”⁴. Isso quer dizer que qualquer cidadão pode reclamar a sua oferta nas escolas regulares⁵. O § 2º desse mesmo inciso diz que “o não-oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente”. Portanto, discutir a legislação, as políticas e gestão da educação básica é um desafio para todos na escola: professores, direção, pais, funcionários, estudantes e comunidade local, no sentido de fazer valer o direito à educação e à escola de qualidade para todos visando garantir a participação dos indivíduos na sociedade e sua formação cidadã. Sabemos que o Brasil avançou muito nas últimas décadas em relação à garantia dos direitos educacionais, mas sabemos também que o país, ainda, apresenta uma dívida social significativa no que se refere à garantia da oferta regular de ensino, sobretudo na educação infantil e no ensino médio, além da necessidade de se alcançar efetivamente a qualidade social de toda a educação básica. Essa dívida é traduzida no grande número de adultos analfabetos exis- ³ Vale destacar a recente mudança na legislação, que ampliou para nove anos a duração do ensino fundamental. Assim, a educação infantil passa a contemplar as crianças na faixa etária de zero a cinco anos. ⁴ Dizer que a educação é um direito público subjetivo quer dizer que quem está fora da escola pode requerer uma vaga nas instituições educacionais. Por exemplo: se uma criança estiver sem matrícula, qualquer um pode exigir dos poderes públicos uma vaga para ela e não apenas os pais ou responsáveis. ⁵ Se não existir vagas nas instituições públicas, o poder público tem a obrigação de custear o aluno em uma instituição escolar privada. 17 Conselho Escolar e o financiamento da educação no Brasil tentes no país, no significativo número de jovens e adolescentes que estão fora da escola ou apresentam distorção idade/série e no quantitativo de crianças que ainda não freqüentam a educação infantil. Qual o papel do Conselho Escolar visando garantir a educação como direito de todos e dever do Estado e da família? O Conselho Escolar, por meio representantes de pais, funcionários, professores, equipe gestora e comunidade local que o compõem, deve conhecer a legisla- ção, os indicadores educacionais e a realidade do bairro e da escola a que se vincula. Assim, para fazer valer o direito à educação, é fundamental reconhecê-lo e lutar para a sua efetiva- ção. A esse respeito, Cury (2005, p. 3) afirma que o direito à educação deve ser garantido, pois, “como se trata de um direito reconhecido e proclamado, é preciso que ele seja garantido e, para 18 Conselho Escolar e o financiamento da educação no Brasil isto, a primeira garantia é que ele esteja inscrito no coração de nossas escolas cercado de todas as condições”. O papel do Conselho Escolar é o de assumir a luta pela efetivação do direito à educação no âmbito de suas atribuições. Ou seja, lutar pela garantia do acesso à escola, na educação infantil, ensino fundamental e no ensino médio, e para a melhoria do processo ensino – aprendizagem daqueles que estão na escola. Essas lutas são fundamentais para a efetivação do direito à educação de qualidade. É importante destacar, ainda, que, para que se efetive o direito social à educação, é necessário garantir o financiamento das diversas etapas e modalidades da educação básica. 1.2 As políticas e gestão da educação básica: aspectos legais, etapas e modalidades educacionais A atual configuração do sistema de ensino no Brasil, sobretudo no que tange às políticas de organização e gestão, é fruto de uma série de mudanças que são conseqüências das alterações introduzidas, em 1988, por meio da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil. Mas, além da Constituição, há ainda a Emenda Constitucional nº 14, de setembro de 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (lei 9.394/96), aprovada em dezembro de 1996, o Plano Nacional de Educação – PNE, aprovado em 2001, e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Além da legislação nacional, podem-se destacar também as Constituições Estaduais e as Leis Orgânicas dos Municípios. Essas leis estabelecem as diretrizes e bases e as normas para a organização e gestão da educação no país, bem como as ações e políticas a serem efetivadas visando garantir o acesso, a permanência e a gestão democrática, como também a qualidade da educação. Como podemos perceber, as leis são fundamentais à regulamentação do sistema educacional brasileiro no que se refere às políticas, aos programas, às ações e, sobretudo, ao financiamento das diferentes etapas da educação básica. 19 Conselho Escolar e o financiamento da educação no Brasil Como se organiza e estrutura a educação básica no Brasil? ALei de Diretrizes e Bases de 1996, além de ratificar os preceitos da Constituição, detalha, dentre outros aspectos, os níveis e modalidades que compõem a educação nacional, a forma de organização do sistema de ensino no país, as competências de cada ente federado, os direitos e deveres dos profissionais da educação, a valorização do magistério e as formas de financiamento. O artigo 21 da atual LDB define que a educação escolar é composta pela educa- ção básica (que abrange educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e as modalidades da educação) e pela educação superior. 20 Conselho Escolar e o financiamento da educação no Brasil No que se refere às modalidades de ensino, a LDB normatiza a Educação de Jovens e Adultos e define, no art. 37, que a EJA será “destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria”. De acordo com o § 1º desse artigo, os sistemas de ensino deverão assegurar gratuitamente àqueles que não puderam estudar na idade regular “oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames”. Uma outra modalidade tratada pela LDB é a Educação Especial, compreendida, conforme o art. 58, como “a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais”. Segundo o § 2º, o atendimento educacional aos portadores de necessidades educativas especiais poderá ser feito em classes, escolas ou serviços especializados, desde que “em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular”. Ao definir as competências e responsabilidades de cada ente federado (União, estados, Distrito Federal e municípios) com relação à oferta da educação, em seus diferentes níveis e modalidades, destaca que estes deverão organizar, em regime de colaboração, seus respectivos sistemas de ensino.

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