quarta-feira, 30 de agosto de 2017
FINAMCIAMENTO DA EDUCAÇAO ( 8 )
pensar que essa é uma conquista histórica, sobretudo no aspecto do Conselho
possuir caráter deliberativo. No entanto, enquanto prática social de interven-
ção de grupos sociais organizados na gestão política do poder, a experiência
de Conselhos remonta, pelo menos, ao século XIX, com a Comuna de Paris,
apontada como uma das primeiras experiências internacionais de autogestão
operária por Conselhos Populares.
No caso brasileiro, as primeiras experiências nesse sentido foram com os
Conselhos Comunitários. Segundo Cyrino (2000, p. 256), “tratava-se de uma
participação ‘outorgada’ da população nos referidos Conselhos, pois sua cria-
ção e estruturação e todas as regras participativas eram de iniciativas do poder
público, restando à população a simples adesão. Eram órgãos consultivos de
governo, legitimando a atuação estatal”.
Essa lógica que permeava a forma de organização dos Conselhos tem uma
vinculação com a concepção de Estado Patrimonialista que predominou no
Brasil durante muitos séculos. Segundo Bordignon (2004), a concepção que
imperava era do Estado como algo que pertencia à autoridade e, como tal, os
Conselhos, que eram tidos como Conselhos de governo, criados para servir
ao governo, deveriam obedecer à vontade superior.
Esses Conselhos, segundo o autor, eram formados ou compostos por pessoas
letradas, dotadas de saber erudito, pois, para os governantes, o saber popular não
oferecia serventia à gestão da coisa pública. Essa concepção perdura até os anos
1980, quando surgem algumas experiências com os Conselhos Populares, especialmente
com as práticas de alguns governos ditos democráticos-populares, que
imprimem a lógica do Orçamento Participativo nas cidades que governavam.
Esses Conselhos, no entanto, ainda não se configuram como de caráter deliberativo,
tendo em vista que o que se discutia nas reuniões não tinha que ser
obrigatoriamente implementado. É a partir da década de 1990 que as experiências
de Conselhos Deliberativos começam a se concretizar, contando “com
participação popular efetiva, sem mera adesão, quando surgem os Conselhos
de Saúde e depois os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente e
os da Assistência Social” (Cyrino, 2000, p. 256).
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Conselho Escolar e o financiamento da educação no Brasil
Bordignon afirma que no contexto do processo de abertura política e redemocratização
do país, na década de 1980, as associações e movimentos populares
passaram a reclamar participação na gestão pública. Segundo o autor,
“o desejo de participação comunitária se inseriu nos debates da Constituinte,
que geraram, posteriormente, a institucionalização dos conselhos gestores de
políticas públicas no Brasil. Esses conselhos têm um caráter nitidamente de ação
política e aliam o saber letrado com o saber popular, por meio da representação das
categorias sociais de base” (Bordignon, 2004, p. 17).
É também a partir do final da década de 1980 e início da de 1990 que os
Conselhos Escolares começam a adquirir centralidade, não só no âmbito das
discussões pedagógicas, administrativas e financeiras, mas também no âmbito
das políticas governamentais e no campo da legislação educacional. A discussão
acerca da necessidade da criação e efetivação de Conselhos nas unidades escolares
vinculava-se à compreensão da importância da participação ativa dos diferentes
segmentos na vida da escola em seus diferentes processos educativos.
O Conselho Escolar configura-se, portanto, como órgão de representação
da comunidade escolar e, desse modo, visa à construção de uma cultura de
participação, constituindo-se em espaço de aprendizado do jogo político
democrático e de formação político-pedagógica. Por essa razão, a consolidação
dos Conselhos Escolares implica buscar a articulação efetiva entre os processos
pedagógicos, a organização da escola e o financiamento da educação e da
escola propriamente dita.
A defesa da criação dos Conselhos Escolares vincula-se ainda à visão dos
educadores de que a constituição de órgãos de participação da comunidade
traz a possibilidade de que os sujeitos envolvidos direta e indiretamente com
a educação escolarizada possam participar de forma efetiva das discussões
sobre a concepção e do planejamento da educação que temos e da construção
da educação que queremos. Isso significa não só dizer que a escola que temos
não está de acordo com os anseios dos seus usuários, mas também definir qual
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Conselho Escolar e o financiamento da educação no Brasil
é a escola que se quer e como se pode fazer para que ela se torne a instituição
educacional que se almeja e, ainda, como efetivar ações voltadas à garantia do
financiamento público da educação básica.
Nessa perspectiva, as últimas décadas foram demarcadas por debates e
embates intensos a respeito dessa questão. Entende-se que para que o Conselho
seja realmente espaço de decisão da comunidade local e escolar, ele
precisa ser um órgão que tenha um caráter deliberativo, ou seja, que discuta,
defina e delibere sobre as questões referentes à instituição escolar, além de
implementar o que foi definido democraticamente. Os Conselhos Escolares
adquirem também a função de planejamento, acompanhamento e fiscaliza-
ção da execução dos projetos da escola e de onde e como se gastam as verbas
que ela recebe, ou seja, torna-se um órgão fundamental de controle social das
verbas públicas destinadas à educação. Nesse sentido, depreende-se que “os
Conselhos de Educação inserem-se na estrutura dos sistemas de ensino como
mecanismos de gestão colegiada, para tornar presente a expressão da vontade
da sociedade na formulação das políticas e das normas educacionais e nas
decisões dos dirigentes” (Bordignon, 2004, p. 22).
4.3 Gestão pedagógica e financeira: a construção progressiva da
autonomia das unidades escolares
Junto com a discussão sobre a necessidade e importância dos Conselhos, a
questão da gestão financeira da escola assumiu também grande centralidade
no âmbito das discussões educacionais, tendo em vista que a implementação
de projetos mais participativos, idealizados e discutidos pela comunidade
escolar, passa a requerer que a escola tenha cada vez mais autonomia na
gestão dos recursos a ela destinados. Nesse sentido, os Conselhos se tornam
fundamentais, haja vista que ter autonomia de gestão financeira requer muita
responsabilidade dos autores que estão à frente dos processos educativos, seja
nos sistemas de ensino, seja nas unidades escolares.
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Conselho Escolar e o financiamento da educação no Brasil
Como contribuir para a
construção progressiva da
autonomia das unidades
escolares e fortalecer a gestão
democrática escolar?
Apesar das lutas em prol da
democratização da educação
pública e de qualidade fazer
parte das reivindicações de diversos
segmentos da sociedade há algumas
décadas, esta se intensificou a partir da
década de 1980, resultando na aprova-
ção do princípio de gestão democrática
na educação na CF/88 e na LDB, da autonomia
da unidade escolar para pensar
seus projetos pedagógicos enquanto
garantia constitucional.
Vivemos um momento de busca de
progressiva autonomia, em todos os
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Conselho Escolar e o financiamento da educação no Brasil
seus aspectos, a autonomia faz parte da agenda de discussão de professores,
gestores, pesquisadores, governo, partidos políticos, entre outros. Dentre esses,
boa parte entende que a autonomia não é um valor absoluto, isso significa
dizer que somos autônomos em relação a alguns aspectos, mas podemos não
ser em relação a outros. Para um melhor entendimento, vamos utilizar a escola
como exemplo.
Ao defendermos a autonomia da escola, estamos defendendo que a comunidade
escolar tenha liberdade para, coletivamente, pensar, discutir, planejar,
construir e executar o seu projeto político-pedagógico, entendendo que neste
está contido o projeto de educação e de escola que a comunidade almeja. No
entanto, mesmo tendo essa autonomia, a escola está vinculada às normas
gerais do sistema de ensino e às leis que o regulam, não podendo, portanto,
desconsiderá-las.
A autonomia, no entanto, não é dada ou decretada. Autonomia é uma
construção que se dá nas lutas diárias que travamos com os nossos pares nos
espaços em que atuamos. Por isso, a construção da autonomia, especialmente da
autonomia escolar, requer muita luta e dedicação daqueles que estão inseridos
nos processos educativos. Sari e Luce, ao discutir sobre a luta pela autonomia
das instituições escolares, ressaltam que
“o movimento pela maior autonomia das escolas corresponde, em parte, a
uma demanda dos professores e das comunidades para que o projeto pedagógico,
a estrutura interna e as regras de funcionamento da unidade escolar possam ser
constituídos mais coletivamente e com maior identidade e responsabilidade institucional.
Essa demanda encontra também respaldo na noção de sistema de ensino,
que compreende os órgãos administrativo e normativo comuns e um conjunto de
unidades escolares autônomas” (SARI, LUCE, 2000, p. 344).
A autonomia da unidade escolar significa, portanto, a possibilidade de
construção coletiva de um projeto político-pedagógico que esteja de acordo
com a realidade da escola, que expresse o projeto de educação almejado pela
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comunidade em consonância com as normas estabelecidas pelas políticas
educacionais ou legislação em curso. Para compreendermos melhor a importância,
os limites e as possibilidades da autonomia da escola é fundamental
ressaltarmos quatro dimensões fundamentais da autonomia, quais sejam:
administrativa, financeira, jurídica e pedagógica.
Autonomia administrativa consiste na possibilidade da escola elaborar e
gerir seus planos, programas e projetos. A autonomia administrativa da escola
evita que esta seja submetida a uma administração na qual as decisões a ela
referente sejam tomadas fora dela e por pessoas que não conhecem a sua
realidade, contribuindo desse modo para que a comunidade escolar possa, por
meio da vivência de um processo democrático e participativo, romper com a
cultura centralizadora e pouco participativa em que têm sido elaborados os
projetos e efetivadas as tomadas de decisões.
Vale ressaltar, no entanto, que autonomia é sinônimo de responsabilidade.
Dessa forma, ter autonomia administrativa significa também não esquecer que
a escola está inserida num processo que envolve relações internas e externas,
sistema educativo e comunidade escolar. A autonomia administrativa cria
várias possibilidades, dentre elas a constituição dos Conselhos Escolares e a
construção, aprovação e implementação do projeto de gestão.
Autonomia financeira refere-se à existência e à utilização de recursos fi-
nanceiros capazes de dar à instituição educativa condição de funcionamento
efetivo. A dimensão financeira da autonomia vincula-se à existência de ajuste
de recursos financeiros para que a escola possa efetivar seus planos e projetos,
podendo ser total ou parcial. É total quando à escola é dada a responsabilidade
de administrar todos os recursos a ela repassados pelo poder público, e é parcial
quando a escola tem a incumbência de administrar apenas parte dos recursos
destinados, ficando ao órgão central do sistema educativo a responsabilidade
pela gestão de pessoal e as despesas de capital.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), ao abordar
a forma de organização da unidade escolar, toca na questão da autonomia
ao explicitar, no art. 12, II, que os estabelecimentos de ensino terão a incum-
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Conselho Escolar e o financiamento da educação no Brasil
bência de administrar seu pessoal e seus recursos materiais e financeiros.
A autonomia financeira deve possibilitar à escola elaborar e executar seu
orçamento, planejar e executar suas atividades, sem ter que necessariamente
recorrer a outras fontes de receita, aplicar e remanejar diferentes rubricas, tendo
o acompanhamento e fiscalização dos órgãos internos e externos competentes.
Em síntese, é obrigação do poder público o financiamento das instituições
educacionais públicas e compete às escolas otimizar e tornar transparente e
participativo o uso dos recursos. Assim, o conselho escolar é o local apropriado
de discussão e democratização do uso dos recursos financeiros administrados
pela escola.
Autonomia jurídica diz respeito à possibilidade de a escola elaborar suas
normas e orientações escolares em consonância com as legislações educacionais,
como, por exemplo, matrícula, transferência de alunos, admissão de
professores, concessão de grau etc. A autonomia jurídica da escola possibilita
que as normas de funcionamento desta sejam discutidas coletivamente e faça
parte do regimento escolar elaborado pelos segmentos envolvidos na escola e
não por um regimento único, elaborado para todas as instituições que fazem
parte da rede de ensino.
A autonomia pedagógica da escola, por sua vez, está estreitamente ligada
à identidade, à função social, à clientela, à organização curricular, à avaliação,
bem como aos resultados e, portanto, à essência do projeto pedagógico da escola
(Veiga, 1998, p.16-19). Essa dimensão da autonomia refere-se à liberdade
da escola no conjunto das suas relações, definir sobre o ensino e a pesquisa,
tornando-se condição necessária para o trabalho de elaboração, desenvolvimento
e avaliação do projeto político-pedagógico da escola.
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Conselho Escolar e o financiamento da educação no Brasil
Na escola, entendida como núcleo
de gestão em busca da autonomia,
quem se responsabiliza pelo uso
dos recursos financeiros a ela
destinados?
Nesse cenário de mudanças esboçadas
no campo educacional, face à
reestruturação produtiva e, sobretudo,
as mudanças no mundo do trabalho,
coube à escola um novo desafio – constituir-se
enquanto núcleo de gestão. Nessa direção, a
escola passa a ser entendida como espaço de
deliberação coletiva em diferentes áreas:
administrativa, financeira e pedagógica. Assim,
no tocante à dimensão financeira, a escola passa
a ser responsável por definir ações, elaborar e
executar os seus projetos educativos e de gestão.
Essa responsabilidade, diferente de antigamente,
não fica mais restrita à figura do diretor e à sua
equipe de coordenação. Todos os envolvidos
direta e indiretamente são chamados a se responsabilizar
pelo bom uso das verbas destinadas à
educação. Nesse sentido, pais, alunos, professores,
servidores administrativos, associação
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de bairros, ou seja, comunidade local e escolar têm o direito de participar, por
meio dos Conselhos Escolares, das discussões e decisões referentes aos projetos
a serem desenvolvidos na escola, inclusive das verbas que serão empregadas
para o desenvolvimento desses projetos, bem como possíveis parcerias a serem
implementadas.
A implementação de processo de gestão democrática tem sido entendida como
uma necessidade no sentido de redirecionamento dos novos marcos de gestão em
curso, cuja ênfase recai sobre novos procedimentos e transparências nas ações. A esse
respeito ressalta-se, no âmbito das políticas educacionais voltadas para a educação
básica, a noção de autonomia imputada às escolas, traduzida na noção da escola
enquanto núcleo de gestão, cuja máxima reside na possibilidade da instituição se
organizar, sobretudo por meio de órgãos consultivos e deliberativos, que conte com
participação de representantes de todos os segmentos da comunidade local e escolar,
de forma a pensar, planejar, elaborar e implementar seus projetos.
A idéia da escola como núcleo de gestão faz parte do processo de descentralização
que está em curso desde as reformas educativas da década de 1970, mas que no Brasil
se intensifica a partir da década de 1990. Os educadores e movimentos organizados
vêm discutindo a ambigüidade presente no processo de descentralização, pois tanto
pode estimular e promover um salto na democratização da gestão, na melhoria da
qualidade do ensino e no fortalecimento da autonomia da escola como pode gerar
uma desobrigação por parte do poder central.
Isso significa que o processo de descentralização pode otimizar a participa-
ção de indivíduos ou grupos, possibilitar o deslocamento do poder central para
os governos locais, mas pode, também, gerar um processo de desobrigação do
poder central para com as unidades escolares. A luta travada entre educadores e
governo, no âmbito das políticas educacionais, vai no sentido de que o processo
de descentralização se efetive de fato não só no campo das obrigações, mas que
os atores sociais envolvidos com as questões educacionais possam participar
das discussões e decisões referentes ao planejamento e controle dos projetos a
serem desenvolvidos na educação.
A luta pela gestão democrática implica lutar pela garantia da autonomia da
unidade escolar, implementação de processos colegiados nas escolas, e a garantia
do financiamento pelo poder público, dentre outros.
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Conselho Escolar e o financiamento da educação no Brasil
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